A FESTA DE ANIVERSÁRIO
A semana que antecedeu ao meu aniversário foi cheia e animada. Eu mesma tinha decidido me presentear com uma grande festa, quando completasse meus quarenta anos. E então a ocasião chegou.
Tratei de preparar tudo com antecedência: mandei Elza, a faxineira, dar uma limpeza geral e bem feita na casa toda, o jardineiro já tinha aparado a grama e acertado o pequeno jardim da frente. Telefonei a diversas fornecedoras de salgadinhos e docinhos, indagando dos preços, essas coisas. E já tinha escolhido um vestido para a ocasião: clássico, mas cujo decote dava um toque sensual, na justa medida para impressionar principalmente meu marido.
Sempre tive esse sonho: uma animada festa para comemorar meus quarenta anos. Estava de bem com a vida, com saúde, feliz, e esta era a ocasião de mostrar e agradecer a toda a minha família e aos amigos essa alegria de viver que me enchia o coração.
Por outro lado, queria retribuir as muitas festas e reuniões da família, das quais havia participado em todos estes anos de casada. Minha família é grande, somos oito irmãos. A família de Carlos, meu marido, também é enorme, ele tem sete irmãos, todos casados e com filhos. Quando nos reunimos, formamos um bando de mais de sessenta pessoas, e somos todos muito animados. As festinhas e reuniões acontecem por qualquer motivo: aniversários, formaturas, promoções nos serviços, quando alguém chega de viagem. Tudo é pretexto para uma reunião festiva.
Então, decidi. Havia muitos anos que não comemorava meu aniversário com a família (tenho seis filhos e nove netinhos). Carlos e eu costumamos viajar para um recanto qualquer, para praias ou cidades pitorescas. Só nós dois, vivendo dias e noites de eternos namorados.
Mas, nos meus quarenta anos, tudo ia ser diferente. Na segunda-feira, falei com meu marido:
— Sabe, Carlos, este ano vou festejar meu aniversário aqui em casa. Quero reunir todos os parentes e amigos. — Falei num tom casual, mas já definindo o que desejava.
— Acho melhor não. — A resposta de Carlos esfriou-me, um balde de água gelada jogado sobre meu entusiasmo. — Vai dar muito trabalho, você vai se preocupar demais. Olha, vamos fazer assim: vou reservar para nós dois uma mesa no Restaurante Bopn Gourmet, você já conhece. É o melhor da cidade e quando se trata de um jantar especial, eles então capricham: à luz de velas, champanhe, o quarteto de cordas vem tocar à nossa mesa. Que tal?
— Mas, Carlos . . .
— Não tem mas nem meio mas, já estamos combinados, certo?
Fiquei muito decepcionada, embora a idéia de Carlos fosse ótima. Contudo, não aceitei de imediato a sua escolha . Aliás, eu já tinha telefonado a diversas amigas e ia ser muito chato cancelar tudo. Até o fim da semana, convenço o Carlos de meu projeto, pensei.
Na quinta-feira, voltei ao assunto. Carlos insistiu no seu convite para um jantar de gala. Mas dei-lhe um xeque-mate:
— Sabe, Carlos, há mais de quinze dias já falei com a Mara, a Conceição e mais umas vinte amigas que vamos nos reunir aqui em casa e agora não tenho como desmarcar tudo.
— Deixa comigo. Mando minha secretária explicar tudo, sem problema.
Aí, fiquei mesmo chateada. Mas procurei me relaxar. No sábado de manhã fui ao salão do Jaques, que fica bem perto de casa, tomar um banho de beleza. Qual não foi minha surpresa ao encontrar lá minha antiga amiga Lucinda. Contei-lhe toda a minha frustração.
— Pois então, querida, anime-se ! Faz de conta que vocês são sempre namorados, e curta mais esta ! Olha, vou ficar aqui rezando por você, enquanto sou atendida . Tudo vai dar certo, pode confiar.
Compreendi Lucinda: sempre fora de rezar muito, era devota de Nossa Senhora de Fátima e parece que conseguia da santa tudo o que pedia.
De volta à minha casa, passei a tarde descansado, preparando-me para o jantar com Carlos. Pelas oito da noite nós dois estávamos prontos para sair, mas ainda era cedo.
— Vamos sair agora, subimos até o Mirante. A vista da cidade lá de cima deve estar maravilhosa hoje. Tomamos um drinque naquele barzinho romântico e descemos para o restaurante. Que tal?
Saímos. Carlos dirigia cuidadosamente, aliás , ia bem devagar mesmo. Fomos ao Mirante, tomamos uns drinques e já passava das nove quando descemos, rumo ao restaurante. De repente, Carlos falou:
— Puxa, temos de passar em casa, esqueci o cartão de crédito e o talão de cheques.
Achei que Carlos estava mais emocionado do que eu mesma. Ele jamais se esquecia das coisas ! Carlos dirigia com vagar, sem pressa, eu observava mas nada comentei.
Quando chegamos, Carlos pediu-me que entrasse com ele, dizendo que não gostaria de me deixar sozinha num carro estacionado, à noite. Meio conformada e já com os drinques fazendo efeito na minha cabeça, acompanhei-o . De braços dados, nos encaminhamos para a porta principal. A casa estava às escuras, só a lâmpada do pórtico acesa.
Quando Carlos abriu a porta, um clarão se fez na sala, todas as luzes da casa acenderam-se ao mesmo tempo.
Levei um susto. Fiquei ofuscada, mas mesmo assim vi logo a pequena multidão de parentes e amigos que, a uma só voz, cantaram com alegria e entusiasmo:
Parabéns pra você, nesta data feliz...
Não pude conter as lágrimas de felicidade. Ali estavam todos os parentes e amigos, Lucinda inclusive, todas as pessoas que eu pensara em convidar — e muitas outras que sequer me lembrara.
A festa foi até de madrugada. Serviço de bufet de primeira, companhia alegre e agradável de todos — e o permanente sorriso maroto de Carlos.
Foi a festa de aniversário de quarenta anos que eu sonhara fazer — e da qual me lembrarei enquanto viver.
* * *
ANTONIO ROQUE GOBBO-BELO HORIZONTE- 25.AGOSTO.2000
CONTO # 46 DA SÉRIE MILISTÓRIAS