Ambulatório
— Ah Doutor! Há quanto tempo ela está assim ? Foi há muitos anos.Engraçado , não ? Essa marca de pasta de dente, essa do tubo que ela aperta nas mãos , nem se vende mais. O meu pai? Bem, papai era um homem magro e calado.
Alegria e tristeza não mexiam com a cara dele, sabe? Apenas passava a mão pela cabeça, quando alguma coisa ia ruim.Mais nada. Ela não transparecia tudo. Eu e minhas duas irmãs fomos criadas com muito carinho e cuidado: catecismo, bolsa no colégio das freiras, escola normal e curso de piano. Pra gente pobre, melhor impossível.Olhe, não casamos porque não tivemos de casar . Vontade todas tivemos, mas mãezinha era sábia e distinguia um mau caráter á léguas . Livrou – nos todas do precipício do mau casamento.
Estelinha, a mais nova, revoltou-se. Chegou a tomar formicida. O rapaz sequer foi ao velório. Isabel e eu cumprimos o nosso dever filial e cristão, esses anos todos.
Mas o senhor quer saber como começou? Bem, uma noite papai chegou do trabalho, tomou banho, jantou e foi ao banheiro escovar os dentes. Mamãe acompanhou – o e pediu como sempre fazia para que ele fosse dobrando o tubo de creme dental,á medida que usasse.O senhor sabe,economiza sempre um pouquinho.Aí ele falou e nós escutamos : “Guiomar, a pasta tá acabando . Vou no mercadinho de Zezé comprar uma”. Sumiu . Passaram – se os dias e os meses e a razão dela correu junto com o tempo, pra longe, cada vez mais longe . Ficou assim até hoje, apertando o tubo de pasta. O senhor vai manter o Amplictil, não vai?