FORRÓ DE CURURU.

Cururu, na gíria da favela, era aquela mulher desprovida de beleza, de encanto, de poder de sedução. Aquela que sempre sobrava nos encerramentos dos muitos forrós espalhados pela comunidade. Esses forrós eram realizados em grandes salões, onde uma parte significante do povo se reunia para ouvir e dançar agarradinho, sua música predominantemente brega. Onde se vendia cachaça e cerveja como água. Onde o cheiro e a fumaça dos cigarros impregnava todo o ar. Onde os casais deslizavam, se entregando engalfinhados pela noite, atiçados pela penumbra da meia luz vermelha dos estabelecimentos. Entre os muitos forrós da favela, havia os mais importantes, como os da rua C, o da Rua do Abel, o da Coréia, o do Zemar, o do Taquaral e o da passarela. Este último também era conhecido como forró do Elias. Era o maior e mais bem frequentado de todos. Os bailes se iniciavam no começo da noite e só terminavam com o nascer do sol. Sexta, sábado e domingo, era ponto certo de todos os homens, mulheres e adolescentes á procura de um cobertor de orelha improvisado. A velha vitrola do Elias iniciava com sambas de sucesso da época, depois saiam os sambistas e entrava a turma do forró de raiz. Depois o pessoal do brega e por fim, a música lenta romântica. Era hora de quem estava só se arranjar. Primeiro saiam as mulheres mais bonitas, mais simpáticas, acompanhadas pelos homens com melhor poder aquisitivo, que abriam sorridentes as portas de seus automóveis, cheios de mimos, de cavalheirismo e seguiam para os belos e caros motéis da Avenida Brasil. Depois partiam as mulheres de beleza regular, acompanhadas por seu pares de homens trabalhadores, de baixos salários, de menor poder aquisitivo. Estes seguiam para as cachangas, quartos que alugavam, dividindo suas despesas e seu desfrute com mais dois ou três parceiros em situação idêntica. O objetivo da aquisição das cachangas era única e exclusivamente para fins sexuais. Esses parceiros se organizavam de tal forma, que era possível o enlace amoroso de até três casais na mesma mesma noite, sem choque de horários. Sem que um intervisse no direito de cópula do outro. Porém os homens mais pobres, também desprovidos de beleza e sem muito recurso capital, resolviam seu problema de ordem sexual com seus cururus de fim de festa. Não muito longe dali, havia uma vila d e quartos surrados, chamada de Paz e Amor. Pra lá seguiam estes desfavorecidos desesperados, naquelas madrugadas terrivelmente quentes. As vezes o Paz e Amor estava tão cheio, que seu velho administrador, entendendo o sufoco de todo a turma, havida por resolver logo seu problema e desvencilhar-se de seu flagrante cururu, alugava espaço no paredão dos fundos do estabelecimento. Era menos confortável, mas era bem mais barato. Uma enorme parede escura, localizada no mais absoluto breu. Onde os casais se entregavam ao coito, um ao lado do outro, quase sem se se ver, sem se identificar. Aqueles que não tinham dinheiro nem pro paredão do Paz e Amor, se virava sorrateiramente pelos enormes quintais das pobres casas da favela. Os que bebiam um pouco a mais do permitido, muitas vezes se arranjavam num canto escurinho do próprio salão do Elias. Mas essa atitude desrespeitosa quase sempre terminava em confusão. Envolvendo o transgressor, o Elias, o cururu e algum membro da turma da malandragem. Mas no fim, tudo acabava bem. O Elias sempre sabia contornar os fatos. Na semana seguinte estavam lá o autor da confusão dançando agarrado com seu cururu véio de guerra, tomando uma cerveja gelada por conta do Elias, que abrangia também o membro da malandragem envolvido na quizila passada. O bom era que nos forrós de cururu ninguém ficava só. Sempre havia um pé de chinelo velho prum pé torto e doente calçar.

(Dudu Fagundes, O Maestro Das Ruas)