LICENÇA POÉTICA: Silêncio-de14

MANCHETE

Estado da Bahia: E a cidade de Salvador acorda mais uma vez com o seu caos particular.

“Misturado a sua enorme beleza e patrimônio singular...

Diversidade farsante!

Afinal,seria "diversidade" ou “democracia racial”? Sendo médico formado e titulado em várias outras especializações,quando foi que você viu um negro explicando na TV sobre assuntos referentes às epidemias sazonais ou outros assuntos afins? Sobre as mudanças das sociedades pequenas ou relativamente bem organizadas,você lembra quando da última vez que viu um cientista social negro,definindo o porquê dessas mudanças,em entrevista a uma grande rede de radiodifusão? Pois bem,pelo Censo da data atual,contabilizando o número populacional da cidade mais negra do Brasil,depois do continente africano,a cidade de Salvador,que corresponde a 82% de sua totalidade de negros e negras,trabalhadores e trabalhadoras,produtores responsáveis,tiveram-lhe negado da história,o papel de protagonista,atribuindo a estes,sempre um brilho fosco do ser operário,do ser subalterno,do ser vassalo,ou seja,do meramente coadjuvante,e nunca ser exaltado por outras capacidades,tidas como mais inteligíveis.Gritai-vos:Boicote a burguesia! Boicote a produção! Boicote ao capitalismo!”

Pois bem,essa sim seria a manchete ideal,a reportagem que ele gostaria de ler escrita por alguém digno de muita coragem.Era 04:37hs,e dos tantos jornais circulando naquele horário madrugada a dentro,eis que amanhece e,junto ela,as desgraças inventadas.Nas sinaleiras ou nas esquinas,um jornaleco de marca medíocre,vendido a valores vagabundos de R$ 0,75,toma-lhe o ódio cotidiano,isto,por perceber que no seu conteúdo,algo criminoso insistia em querer remeter-lhe quase que diariamente a um sentimento de medo,de insegurança,transferindo sempre a responsabilidade do apocalipse social,(como bem chamavam)aos moradores dos morros,aos mendigos espalhados pelas ruas e claro,ao povo preto suburbano,de que,é dentro desses perfis que o mal está inserido,que deve ser combatido e que é por conta dessa tal classe,que a cidade encontrava-se naquele caos.Tudo isso,agitado pelas notícias tendenciosas,editadas por alguns canalhas,vestidos de paletó e gravata,despojados em salas climatizadas,que na ponta da caneta,embaraçava em seus escritos perversos,à absolutamente contra tudo,principalmente,contra as relações positivas,outrora conquistadas,construídas pelos movimentos de lutas,arruinando de vez a mentalidade vigente.Sabido de todos aqueles esquemas,recuou,retirando a culpa dos reprodutores de jornais impressos vendidos nas ruas,pensando só,com os seus botões:

"Pobres vendedores aliciados,induzidos e fragilizados,pois se soubessem o que haviam de podre dentro daqueles jornais trazidos todos os dias debaixo braços,jamais participariam desse jogo político encabeçado pelos poderosos midiáticos.Mas entendemos,isso é puramente da necessidade em se ter qualquer renda,de ter o pão de cada dia".

E o dia segue.Um sol gigante o desmonta e,aproximando do meio-dia,alguns minutos era necessário para afastá-lo das contradições,das leviandades,das pretensiosas prepotências sorrateiras soteropolitanas.Sim,sim!Por algumas horas se fosse o caso!Distanciar da realidade às vezes era necessário.Azul do céu,azul do mar!Disse o poeta.Praias!Óh meu Porto da Barra!Numa descrição em tela viva,disse ele,o poeta preto suburbano,como bem gostava de ser chamado.Crescido e vivido na grande periferia,que aplaudido pelos turistas,ali,no meio da rua descrevia,um recital de versos,a maravilha praiana,dizendo em alto e bom tom a todos que o via:

“Um convite ao um mergulho teu/Seu canto/Suas águas salgadas/Há tempos meu corpo esculpido lá,não lhe foram tocadas/Páginas!/Quantas saudades do meu Porto da Barra/Todas são as suas saudades/Daquele segundo sol ardido,que o universo ofertou-lhe,exclusivamente naquele pedacinho de lugar/Labaredas de calorias e gotas imensas-amar/Descendo,suas escadarias de alvenarias esbranquiçadas,ao pé,2 baldes d’água aguardava-lhes o retorno do teu olhar/Um par de pernas envolvidas até a sola quente,por areias,esperando-lhe na ponta dos degraus querendo subir,antes molhando-as,agora,distante do grande mar”.

Sobre um forte silêncio vocal vindo do povo na rua,destes mesmos,vieram acompanhados de palmas agudas,servindo para acalmar lhe o coração.E depois daquele mergulho poético,recolheu numa breve despedida espiritual,guardou seus Dreads num laço perfeito e colorido,para que lá no céu do seu couro cabeludo pudesse descansar.Um beijo soltou em direção ao horizonte azul,partindo em seguida ao seu caminhar.Descalço,com as sandálias nas mãos,andando por ruas a dentro seguiu adiante,sentido a algum lugar.Dobrou a esquina,virando outra também sem um segundo parar,e por onde passava,percebia a aflição nos rostos das pessoas,seguida de um tal silêncio,talvez,pelo fato de que dias antes sentira a perda do maior líder da África do Sul,Nelson Mandela,uma esperança viva que mesmo de longe,moradores da capital baiana mantivessem dentro dos seus corações anônimos a possibilidade de que o mesmo sentimento de luta dele,pudesse ser transportado para a alma de algum guerreiro líder local tentando mudar toda aquela situação.E continuou caminhando.Passando pelas lojas,armarinhos,seja quem estivesse na porta,o semblante denunciava,um gosto amargo,um franzir na testa,pronto para chorar.E vendo aquilo,mil interrogações na cabeça ficaram e,continuou.Perto dele,andando lado a lado,um garoto com as mesmas características étnicas que a dele,o cutucava,e junto a ele caminhava.Sem saber,quando foi perceber estava o garoto e ele passando juntos pelo bairro do Campo Grande.As pessoas estavam com olhares tristes,o corpo todo desmontado,desanimado,sem motivação alguma para continuar existindo.O poeta olhou para o garoto,tentando um diálogo,mas não foi atendido.De repente algo inusitado aconteceu.O garoto retira do bolso um piloto surrado,de cor azul (espécie de hindrocor),apanha um pedaço grande de papelão largado entre o meio fio e o asfalto,senta no chão da calçada e,rabiscando algo em letras de forma na intenção de um melhor visualização da leitura alheia,entretido naquela composição ao ar livre,lá fica,por alguns minutos.Até que acaba.Levanta e,apontando aquelas letras sagradas ao povo,seguiu seu curso.As pessoas,ao enxergar aquele cartaz,lágrimas e mais lágrimas decorriam de seus olhos,escorrendo por todo o rosto descontroladas,passando a seguir o garoto.O poeta curioso,tentou fazer a leitura.Sem sucesso.Não entendia o que teria motivado o choro daquelas pessoas.Por onde o cortejo humano silencioso passava mais e mais pessoas acompanhava agora o garoto e o poeta.A Av. 7 de setembro foi toda tomada.Informações via celular chegaram a um outro público que estava na Rua Chile,que em sentido contrário vieram para o mesmo local onde o cortejo estava sendo formado pelo garoto.E foi inevitável aquela reunião de pessoas ao ar livre,que por fim aconteceu...

Praça Castro Alves!

Uma multidão tomou aquele espaço.Dezenas,centenas,milhares de pessoas!Parecia um encontro de trios elétricos,mas não era.E aquele tal silêncio imperava no espaço,mesmo com muitas pessoas.E em frente ao marco,na estátua do eterno poeta Castro Alves,o garoto,armado de um caixote de madeira de pregos frouxos e todo ruído pelas extremidades,subiu nele usando como palanque,levantou a placa para que todos agora pudessem ler com clareza seus dizeres e,disparando em sequência gritos e expressões iguais a de um poeta veterano,abriu um discurso frio e altamente poderoso para aquela multidão:

"Tenho 14 anos de idade,sou pobre,durmo nas ruas,mas minha fome de conhecimento é maior que qualquer uma outra.Eu tenho fome de ser feliz.Tenho fome dos direitos.Tenho fome do ir e vir.Tenho fome dos estudos.Eu tenho muita fome!Não tem Prefeito,não tem padre,não tem igreja,não há ninguém que defina a minha dor e a dos meus irmãos de rua senão,nós mesmos.Eu seu o que é o Estado e sei o que o privado,mas quanto a mim,eles sabem que existo?Eles sabem de mim?Respondam! ELES SABEM DE MIM!?" (...)

Já rabiscado lá no cartaz de papelão feito pelo garoto anteriormente,havia escrito:

"PRETO,POBRE E...

COM MUITA FOME.

SERÁ QUE AMANHÃ ESTAREI VIVO?"

MARCONI MACHADO MENEZES
Enviado por MARCONI MACHADO MENEZES em 24/02/2014
Reeditado em 30/03/2014
Código do texto: T4704924
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