EU A OVELHA, VOCÊ O PASTOR
Puta. Roía as unhas na esquina enquanto do outro lado um macho coçava o saco. Olhava para ela e passava a língua nos lábios. Sacou do bolso um março de cigarro e ofereceu a ela. Quis. Aproximaram-se. Silêncio. Ninguém quis saber o nome, não era interessante. Ambos sabiam o que já queriam. O homem deu a ela o cigarro. Ela levou aos lábios. Tossiu. Ele ensaiou um sorriso. Pôs a mão dele no peito dela. Pequenos. A mão dela foi ao zip per dele e antes do ato iniciar, quis ensaiar um beijo. Recusa. Foram para um local mais escuro. Um beco. Lá já existia um papelão e alguns panos surrados. O homem abriu o paletó. Pegou a puta pelos cabelos e a fez se ajoelhar. Recusa. Mão na cara. Medo. Cobrança do cachê. O homem se enfurece, saca a carteira, deixa cair um cartão, pega nota de vinte reais e lança sobre o corpo que ali está para satisfaz-lhe os desejos. A puta pega a nota, vê o cartão enquanto o homem de costas tira o paletó e o põe pendurado em uma árvore. Silêncio. Os dois se aproximam. O homem pede, a puta obedece. Ele se animaliza. Ambos despidos, ali, a céu aberto, sobre os papelões. Pedidos, concessões, descobertas.
É um senhor de meia idade, quarenta e oito anos. Advogado das almas, como o mesmo se intitulava. Media aproximadamente um metro e sessenta e sete de altura, acima do peso e roupa escura. O rosto arredondado refletia um vasto bigode sem barba. Simpático, embora os gestos fossem brusco e pautados. Tinha no dedo uma grossa aliança e unhas bem feitas. Tinha cheiro de pai, embora a respiração fosse tensa e ríspida. Em nenhum momento agiu de delicadeza ou quis diálogo. Recusava beijar na boca, mas mordia o corpo da puta pelo pescoço, peitos e barriga. Era indelicado nas pegadas das colchas e dava-lhe palmadas no traseiro.
A puta era franzina. Não tinha busto avantajado nem mascava chicles. Tinha cabelos compridos, amarrados para traz. A cor não era tão clara e a boca fortemente vermelha. Vestia blusa curta e mini saia. Era nova. Acinturada. Uma altura média e parecia mais alta pelo salto da bota. Os dedos eram compridos e as unhas roídas até a carne. Tinha cheiro de carne barata e argolas compridas nas orelhas. Olhos vivos, verdes, contornados de preto forte. Usava perfume forte e nenhum sorriso nos lábios. Idade de transição. Vezes parecia mulher, vezes parecia menina. Desconfiada, todavia decidida. Não era de palavras, mas de ação.
Frenético, o senhor a pôs de costas, passou a roça-lhe incontrolavelmente as partes traseiras e sem aguentar, baixou-lhe a peça íntima que faltava tirar e aos relinches machucava-lhe as carnes, deflorava-lhe sem piedade, sobre o corpo imóvel nos papelões, aquele corpo pesado, descontrolado, entregue ao prazer e a volúpia. O macho queria. A puta aguentava. O macho socava, a puta nada dizia. Vinte reais e mais de vinte minutos os dois ali. Saciado, passou a mão pelo corpo da presa e de surpresa um sentimento áspero ao passar pelas partes íntimas dela. Pouco luz. Sentimento de constrangimento.
_ já pagou, usou, agora pode ir.
_Nada disso. Vinte reais, as duas partes. Dez por cada. Quero a outra.
_Sem acordo. Vinte reais, uma gozada.
Foi o suficiente para o cheiro de pai desaparecer por completo. A mão dele foi direto a boca. Silêncio. A boca da puta, sangrando, fora calada pela boca do homem à mordidas. Corpo rendido. A calcinha agora é toda arrancada. Surpresa. Rendida, sem forças, fora revelada. Truque. A parte áspera revelada. Tensão. Descoberta. Filho da puta. Sorriso descontrolado. A puta imóvel. O homem em ação. A boca salivada do macho nas partes íntimas da puta. Relaxamento de tensão. Prazer descontrolado. Simpatias. Realizações. O homem queria mais, pagava; a moça cedia. E dentro da carne do homem, a carne da moça. Satisfação. Urros. Gemidos.
O nome do filho da puta era Jeová - aquele que é -, o da puta, Mariah - a escolhida da noite pelo advogado das almas Gabriel.
No dia seguinte, estampado nos jornais: "Encontrado o corpo da travesti Mariah, 18 anos de idade, no centro da cidade, especificamente no beco da Salvação, por trás da igreja da Libertação - Deus conosco. O corpo da vítima tinha marcas de estrangulamento. Segundo peritos, foi usado pelo autor do crime a própria calcinha da vítima, um pedaço de adesivo na boca, as pernas amarradas por um carregador de celular e os braços machucados. Na mão esquerda da vítima, bem amassado, um cartão que dizia: Pastor Gabriel, advogado das almas. O mesmo foi autuado em flagrante quando, na igreja, dirigia culto de oração às mulheres vitimadas por atos de brutalidade cometidos por homens. O acusado foi conduzido por uma viatura até a delegacia para prestar esclarecimentos. O corpo da vítima está sendo necropciado e será velado na zona da boemia, cabaré da tia Cândida, onde a mesma residia."