ISAURA E SUAS CARTAS DE AMOR

A minha amiga Isaura comprou uma revista - que eu não me lembro bem se “Capricho” ou “Contigo” já que o caso ocorreu em 1972 – e ficou toda feliz porque, ao folheá-la, deparou-se com um anúncio que dizia mais ou menos assim: “Jovem bem sucedido, 30 anos, bancário, de boa aparência, boa família, procura moça para firmar compromisso sério. Correspondências devem ser enviadas para Armando, Caixa Postal X”.

Isaura que já estava com 26 anos – ficando para titia pelos padrões da época – ficou doida de felicidade. Enfim, ali estava o momento tão sonhado, a oportunidade de, mesmo por correspondência, firmar uma amizade com uma pessoa para depois, quem sabe, engatar um belo casamento.

E por que não? Isaura não estava fazendo nada... Os dias e noites eram uma monotonia só em nossa cidade. Os rapazes de nosso círculo de amizade- de trabalho ou de escola- já estavam todos comprometidos com as nossas amigas. E ela doidinha para sair do caritó!

Saiu da banca de revistas com o coração pulando igual a uma panelada de pipocas!

― Amiga, acabo de descobrir uma mina! Há um rapaz lá de Alagoas procurando por moça para manter correspondência e – quem sabe – futuro casamento. Eu estou querendo arrumar a minha vida; ando pensando mesmo em me casar!

Eu escutei toda a ladainha proferida por Isaura e fiquei até contagiada por sua empolgação. Afinal, era normal, naquela época, as meninas encontrarem namorados através das revistas. Às vezes, aquelas infindáveis trocas de cartas rendiam até belos casamentos, dignos de contos de fadas. Por sinal, há pouco tempo em nossa cidade ocorrera um casamento naqueles moldes: Após cinco anos de namoro por correspondência, a linda Josefa - uma moça já de seus 30 anos ( vitalina, conforme as comadres futriqueiras da época) - contraíra matrimônio com Leonel, um homem de meia idade, um fazendeiro lá das bandas do Paraná . Rico, bonito, educado, um verdadeiro lorde. Juro que ele impressionou a todas nós!

Achei interessante a empolgação dela e a encorajei a começar a “Love Letter’s Story”.

― Só tem um problema ― disse-me a Isaura: “Eu gostaria que você escrevesse as cartas para mim”!

Eu fiquei meio sem jeito. Como é que eu - que àquela altura, ainda não havia arranjado um namorado - iria ficar encontrando palavras para engendrar um romance com uma pessoa desconhecida para um namoro que nem sequer seria meu?

Eu sempre gostei de escrever cartas. Quando alguém, que não sabia ler nem escrever, precisava mandar uma carta para um filho ou para qualquer outra pessoa, eu, prontamente, me dispunha a ajudar, com muito prazer.

E diante da insistência de minha amiga Isaura eu não me fiz de rogada.

Caneta e papel.... E mãos à obra!

A princípio encontrei algumas dificuldades, porém, à medida que obtínhamos respostas das cartas, a coisa foi fluindo de maneira natural.

O triângulo amoroso estava feito, perfeito e acabado: Isaura expunha os seus sentimentos, eu os traduzia para o papel, recebíamos as respostas e, assim, lá ficamos nós por um período que durou mais ou menos um ano e meio, sem uma visita sequer, sem um encontro entre os dois apaixonados.

Certo dia ela recebeu uma caixa com um presente do Armando. Ao abrir, teve uma enorme surpresa: dentro de um livro havia um belo anel e um bilhetinho apaixonado com os dizeres:

“Espere-me no final do ano. Dia de Natal estarei aí para o nosso noivado.”

Pronto! Isaura quase bateu a caçuleta, quase morre de felicidade!

Começou a exibir aquela joia para as amigas, quase nem trabalhava mais, não se alimentava direito, só pensando no dia do noivado.

Eu – quietinha em meu canto – fiquei feliz pelo resultado do romance e também porque tinha a certeza que as minhas palavras haviam conquistado o coração daquele rapaz.

Chegou o tão sonhado dia de Natal.

Isaura e familiares, todos bem arrumados, numa alegria sem tamanho, foram recepcionar e dar boas-vindas ao desconhecido Romeu!

Conversa vai e conversa vem, almoço regado a um bom guaraná Sanhauá, galinha caipira e farofa, todo mundo junto e misturado e a coisa ficando mesmo pra lá de boa. Armando já se sentia um membro da família.

Os futuros noivos, todavia, não haviam ficado um minuto sequer sozinhos para que pudessem trocar algumas palavras, aprofundar o mútuo conhecimento.

Enfim, chegara o momento: Armando – que escrevera as suas próprias cartas – derramou-se todo no palavreado, puxava assuntos sobre tudo, queria explicações, saber dos sentimentos de Isaura, conhecer melhor a Isaura...

Ela, coitada, que nunca havia escrito uma linha de seu próprio punho, optou por permanecer calada – ou quase muda – pois se abrisse muito a boca, tinha certeza que seria um desastre.

Lá para as tantas, Armando já meio nervoso e desconfiado, resolveu pedir que ela falasse sobre os seus sentimentos, os seus planos, se realmente gostaria de se casar com ele e ir morar em outro lugar.

Ela era uma pessoa tagarela, de sorriso fácil, mas diante de uma situação inusitada como aquela, era natural que ficasse nervosa e quase sem fala. Mas já que aquela situação de mudez não poderia perdurar para sempre, soltou o verbo.

Ao final de sua exposição, o Armando, bem desapontado, assim falou:

― Minha cara Isaura, eu vim aqui, com a melhor das intenções, firmar compromisso de casamento com uma pessoa que me escrevia belas cartas de amor e por quem me apaixonei. Infelizmente, pelo seu modo de falar, eu tenho certeza que essa pessoa não é você! E já que você me enganou, eu me acho com todo o direito de colocar um ponto final nesta farsa, agora mesmo.

Despediu-se dos familiares da ex - futura noiva, pegou a sua bagagem e lá se foi de volta à procura de um novo amor, quem sabe agora, para as bandas das Alagoas!

***

Obs: os nomes dos personagens são fictícios

Maria do Socorro Domingos

Mariamaria JPessoa Pb
Enviado por Mariamaria JPessoa Pb em 17/02/2014
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