A Ratoeira

Policarpo estarreceu ao ver semelhante restolhadouro. Quem seria o desgraçado que se atreveu pisotear os seus mimos?

Na! Não foi animal, isso tinha a certeza, aquilo, era mais obra de bicho de vinte unhas do que animal do mato. - Prosseguiu com olhar o carreiro deixado pelo maldito, seu coração deu um baque. Uma pernada esgaçada no seu lindo pessegueiro de são João, fê-lo injuriar o céu e a terra.

«Bandido, filho de um cão, gatuno, ladrão…» - Com os olhos meio marejados e o rosto vermelho de tanta raiva, vociferava de punhos no ar, enquanto reparava no destroço que lhe fizeram.

Ainda ontem ali estivera a regar os feijões e deliciara-se com um pêssego, só um, porque mais dois a três dias é que estariam em ordem de se apanharem. Agora deparava-se com o triste espectáculo de o ver quase todo derrotado.

Ah se o apanhasse agora! Apertava-lhe tanto os gorgomilos, que haveria de se arrepender para toda a vida.

«Desgraçado! Devia de apanhar tal caganeira que de tanto limpar ficasse com o rabo em chaga».

Enquanto praguejava ia removendo a pernada partida para um canto à estrema da propriedade. Mas o seu pensamento congeminava a forma de apanhar o ou mais larápios. Verificou que agora limpo da pernada esgaçada ainda havia muitos pêssegos. Dali a três ou quatro dias já estariam em acção de se ferrar o dente.

Um plano diabólico ia-se formando na sua cabeça. Resoluto resolveu ir buscar a ratoeira de apanhar coelhos e arma-la. Assim se alguém que não fosse ele havia de lá ficar a mancar ao ser apanhado na ratoeira.

Passado uma hora já a armadilha estava bem camuflada mesmo por baixo da pernada mais carregadinha. Agora só lhe restava esperar pelo gatuno. Regressou a casa sem se queixar do roubo, ceou e deitou-se convencido que nos dois dias a seguir não apareceria por lá ninguém.

Passaram três dias e nada de notícias no povoado, sinal que ninguém lhe fora aos pêssegos, amanhã de manhãzinha daria lá um salto, ver como estavam as coisas, quem sabe se ela se tivesse chincado ou algum coelho lá caísse.

- Oh mulher! Mandaste o Carlitos fazer algum recado?

- Não homem, também não percebo a demora. Quando chegou da escola esteve para aí a fazer os deveres e depois disse que ia brincar com a canalha da idade dele.

- Ele sabe bem as horas que se ceia nesta casa.

As horas foram passando e a preocupação quanto ao filho foi aumentando, sem se conter mais, saiu em busca saiu do filho. Percorreu a casa dos vizinhos onde o seu pequeno tinha amigos, mas nada de notícias do seu menino. A zanga de há pouco e o castigo já imaginado a dar, foi substituído por uma preocupação de perda. Mil situações lhe passaram pela mente, inclusive a morte por afogamento nalgum poço. O coração de pai via terríveis perigos àquela hora da noite, sabendo bem os risco que correra em garoto de tropelias constantes junto com outra pequenada. Agora sim, valorizava a preocupação dos seu pais quando se atrasava para a ceia, Qualquer mal que acontecesse dificilmente se saberia. Poderia ter caído nalgum poço ou de algum penhasco ou… De súbito, estacou estarrecido ao lembrar-se da ratoeira de coelhos que armara dois dias antes.

«Meu Deus! Será que foi para lá e foi apanhado?»

Com o coração mais negro que a ferrugem, deitou a correr para a propriedade, imaginado o seu Carlitos com a perna esfacelada e esvair-se em sangue. Maldita a ideia que lhe deu em armar a ratoeira, quase capaz de cortar a perna a um homem quanto mais a uma criança de dez anos.

Correu como um louco, tropeçando aqui e acolá devido à escuridão, quase sem folgo transpôs os cerca de dois quilómetros, numa aflição tal que se pusessem a mão na boca arrebentava.

À entrada, apurou o ouvido a ver se ouvia algum gemido, mas o único som era o dos grilos e rãs nas suas cantilenas nocturnas. Avançou antevendo o horror da cena que iria encontrar, avançava agora devagar como se temesse enfrentar o inevitável. A sombra difusa do pessegueiro não o deixava ver bem onde tinha a ratoeira. Uma nuvem deixou a descoberto a lua e pode ver… Meu Deus não pode ser? Um vulto sem dar sinais de vida estava deitado junto à árvore.

Policarpo deu um urro de aterrorizar o mais valente, caindo de joelhos, chorou com o uma criança, a perda do seu bem mais precioso… o seu menino. Sentindo –se desfalecer arrastou-se para abraçar o filho amado, vítima da sua ganancia. Estava a coisa de três metros. Foi arrastando num último esforço. Subitamente estacou, na obscuridade apalpou o corpo como para dissipar dúvidas, e de súbito soltou um riso nervoso.

Não! Não era o seu menino era um texugo que tivera o azar de lá ficar.

Sem mexer em mais nada, regressou a casa mais aliviado, mas por onde andaria o seu Carlitos?

Ao chegar a casa encontrou pai do Zézinho com os dois pequenos. Sem qualquer pergunta, Policarpo abraçou-se ao filho a chorar, quase sem ouvir a explicação do senhor Felício que tinha encontrado os pequenos na brincadeira e os levara à vila comer um gelado. Mas na volta, um furo fez com que só chegasse a estas horas.

A alegria do Policarmo era tanta que nem deu um sermão ao Felício por ter tido esta ideia sem o ter consultado.

De manhã bem cedinho já Policarpo abria uma cova para enterrar o texugo. Arrastou o animal, retirou-lhe a ratoeira e enterrou o animal.

Pensativo olhava agora para autora da sua preocupação. Com um martelo martelou-a em cima de uma pedra, até que por fim contente, comentou:

«Agora toda empenada não magoas mais ninguém».

Junto ao poço jogou- a dentro, comentando:

«A ferrugem acabará com o resto».

Feliz com o seu acto deitou um olhar ao pessegueiro e sorrindo disse - «há-de chegar para todos».

Lorde
Enviado por Lorde em 11/02/2014
Reeditado em 18/02/2014
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