ConTinho do Cachorro


Elas vinham juntas caminhando pelas calçadas das ruas do centro do Rio. Eulalia e Lourdes.
Não eram amigas e nem se conheciam, mas parece que tinham o mesmo destino. Aparentavam uns 45 anos, ambas, mas Eulalia parecia mais jovial. A começar pelos cabelos longos viçosos, a pele mais límpida. Lourdes dos cabelos encaracolados pretíssimos, alguns poucos muitos brancos, penso fazia algum tempo carecia de um retoque de tintura e a pele um pouquinho sem sabor, e quem sabe, sem a maquiagem que em Eulalia não faltava.
Perto de um entroncamento de duas ruas com semáforo um cachorro ameaçava atravessar a rua. Ora, um perigo, um desastre , um atropelamento e a possível morte do pobre perdido cão indefeso. Perguntamos o que fazia um cão ali, na rua, abandonado, se estes animais de estimação são caseiros, domésticos, companheiros de muita gente, melhor que o melhor amigo. Cachorros não são somente os companheiros de madames viúvas, de senhoras sozinhas, de gente rica, de gente que mora sozinha, de gays, lésbicas. São criados e amados por qualquer ser humano independente de escolhas e preferências e de classe social. Muitos tão bem tratados que mais de 50% da população deste planeta Terra.
O que se previa seriam tentativas de salvar o cachorro perdido, mas, uma baderna e desentendimentos fluíram assim como o nascer do sol, o brilhar da lua, o suor escorrendo com o intenso calor de 40 graus.
Eulalia ameaçou amealhar o cachorro para salvá-lo e simultaneamente Lourdes enxotava o cão para a morte precoce. Eulalia e Lourdes sacudiram-se à tapas e puxões de cabelos e mil e hum xingamentos. Um policial interviu, nada fácil, a ira nas duas incontrolável como a de dois esquizofrênicos em crise as forças se multiplicam por mil.
O cachorro atravessou o entroncamento sem qualquer noção do semáforo e atropelado acordou morto e esmigalhado.
Aí, a briga das duas deu um tempo, e estupefatas foram levadas a delegacia para prestar depoimentos pelo assassinato do cachorro, crime doloso, quando não há a intenção de matar. Assim é uma das leis no Brasil e no mundo.
A pergunta que não cala nosso silêncio. Quem deixou o cachorro morrer tragicamente? Eulalia ou Lourdes?
Na delegacia muita confusão, até com presença de testemunhas, convocadas pelos policiais, pois sim, chegaram mais alguns na hora da estremecida briga e quase milhares de curiosos parados gozando com a desgraça dos outros.Dá um bom papo no final de semana.
Eulalia apresentou-se como empresária dona de uma Pet Shop e Lourdes como uma profissional autônoma na área de salões de beleza, é....
Eulalia também confirmou ser a diretora de entidade ONG que defendia os direitos e preservação dos animais, e esta ONG cuidava dos cães, o óbio.
Lourdes , logo a seguir, defendendo-se, indiretamente, disse que pertencia a uma ONG em defesa das mães traumatizadas com perda de filhos, morte prematura de filhos.

O delegado interviu:
-Duas mulheres trabalhadoras, generosas, sensíveis, cientes de seus papéis na sociedade brigando por causa de um cachorro. Por que não salvaram o cachorro em vez de brigarem e deixar o pobre do cão morrer a mercê....
Eulalia retrucou: -Delegado, não foi assim....Eu queria pegar cachorro para levar para minha ONG mas a Lourdes não deixou, ela queria enxotar o cachorro e deixá-lo atravessar a rua assumindo o risco do cãozinho morrer.
Delegado: É verdade Lourdes?
Não prezado delegado. Eu também queria pegar o cachorro e levar para minha casa, esta era a minha intenção. Mas a Eulália estragou tudo. Eu estava mais perto do cachorro, e esta mulher aí, quis tomar a minha frente e pegar o cãozinho, a preferência era minha e não dela.

Eulalia , em passado recente, havia perdido a sua criação de cães de raça, de pedigrees vários, todos envenenados por um estranho, ela desconfiava de vizinhos, mas nunca conseguiu uma prova e assim para diluir sua depressão resolveu abrir um Loja de Pet Shop para cuidar de animais de estimação e uma ONG para cuidar dos direitos dos animais, já dito aqui.Eulalia tinha um filho de 10 anos.
Lourdes, em passado recente, perdeu sua filha num atropelamento , quando esta atravessou uma rua para pegar seu cãozinho de estimação e para amenizar a perda da filha, fundou a ONG para dar assistência a mães e familiares que perderam seus filhos precocemente.
O delegado liberou as duas já que não havia lei que pudesse prendê-las e deliberou que tudo não passou de um acontecimento fortuito e cuja fatalidade foi a morte de um cachorro sem dono, desconhecido.Pediu as duas que se acalmassem e que não brigasse mais nas ruas por motivos fúteis, e que o diálogo era sempre bem vindo.
Uma Senhora, vou dedurar, Dona Sarnenta, quase escondida atrás daqueles armários de delegacia, adiantou-se a frente de todos e esbravejou.
-Aquele cachorro tinha nome, era o Tinho, conhecido da gente lá na comunidade. Essas duas aí seu delegado mataram o Tinho.
- O escrivão retirou aquela senhora do recinto.
Lá de fora estremecida a Dona Sarnenta gritou.
- Isto se chama impunidade. Falta fiscalização neste País.
Em homenagem ao escrivão, Dona Sarnenta e ao Tinho esmigalhado, já que este conto é pequeno, chamarei de ConTinho do Cachorro.

ADomingos
03 de fev 2014
ADomingos
Enviado por ADomingos em 03/02/2014
Reeditado em 16/09/2015
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