KIKI DO REBOLADO
- Kátia Killer? - perguntou a irmã de caridade entrando no quarto, e Kiki bem percebeu que a freira nunca acreditara ser aquele seu nome verdadeiro.
- Sou eu, disse em tom angustiante; e aprumou-se na cadeira.
- Sempre resolvida a entregar o recém-nascido?
- Sou mãe solteira, irmã - desculpou-se, agora os olhos baixos - há muito saí de casa. Na profissão que abracei...
A freira persignou-se:
- Em nome de Deus, fiz tudo que pude - olhou o alto, suspirou, olhou a moça.
- Vou buscar o papel para você assinar; o casal que vai adotar a criança quer o preto no branco.
Quando a irmã saiu , Kiki deslizou o olhar para as três camas já esticadas - a sua, a duma tal de Cida, que, em situação igual, partira na véspera, e a da moça sendo cesariada naquela hora: "Coitada! saíra há pouco, descorada de dor."
Kiki levantou-se da cadeira onde estivera esperando; encaminhou-se para a grande janela de vidraças abertas. A luz da manhã favorecia e nelas pode espelhar-se de corpo inteiro: os seios empinados marcando a malha preta, a minissaia vermelha oferecendo ancas certinhas, aquelas que, reboladas no palco, arrancavam mil exclamações. E assobios, na certeza de que em nada desmerecera.
De repente, a irmã Dolores invadiu o quarto. Com aquele sorriso claro, entregou-lhe o bebê que carregava:
-Trouxe o menino para você conhecer; pode contar lá fora do garotão forte que teve!
Kiki, pega de surpresa, apanhara a criança. Agora estava ali, desajeitada, sem querer olhar;
- Não adianta, irmã; sou firme nas minhas resoluções.
Mas, irmã Dolores, como um pé-de-vento, entrara e saíra. Desanimada, Kiki sentou-se, o bebê no colo.
Na quietude, primeiro sentiu um calor desconhecido, não sabia se vindo da criança para ela ou dela para a criança. Depois o nenê resmungou, e Kiki baixou os olhos. Então, foi como se dali para trás nada mais importasse:
- Que coisa mais linda, meu Deus! - exclamou apertando o filho de encontro ao coração, os olhos rasos d'água - Ah! queridinho. Ah!... - disse, e as lágrimas rolaram.
Quando se sentiu lúcida, ergueu-se. Numa bem-aventurança abriu a porta, caminhou pelo corredor, alcançou a saída, fugiu para a rua, para a manhã vazada de sol, o filho aconchegado nos braços.
Lucília Junqueira de Almeida Prado,
Depois do Aguaceiro.
- Sou eu, disse em tom angustiante; e aprumou-se na cadeira.
- Sempre resolvida a entregar o recém-nascido?
- Sou mãe solteira, irmã - desculpou-se, agora os olhos baixos - há muito saí de casa. Na profissão que abracei...
A freira persignou-se:
- Em nome de Deus, fiz tudo que pude - olhou o alto, suspirou, olhou a moça.
- Vou buscar o papel para você assinar; o casal que vai adotar a criança quer o preto no branco.
Quando a irmã saiu , Kiki deslizou o olhar para as três camas já esticadas - a sua, a duma tal de Cida, que, em situação igual, partira na véspera, e a da moça sendo cesariada naquela hora: "Coitada! saíra há pouco, descorada de dor."
Kiki levantou-se da cadeira onde estivera esperando; encaminhou-se para a grande janela de vidraças abertas. A luz da manhã favorecia e nelas pode espelhar-se de corpo inteiro: os seios empinados marcando a malha preta, a minissaia vermelha oferecendo ancas certinhas, aquelas que, reboladas no palco, arrancavam mil exclamações. E assobios, na certeza de que em nada desmerecera.
De repente, a irmã Dolores invadiu o quarto. Com aquele sorriso claro, entregou-lhe o bebê que carregava:
-Trouxe o menino para você conhecer; pode contar lá fora do garotão forte que teve!
Kiki, pega de surpresa, apanhara a criança. Agora estava ali, desajeitada, sem querer olhar;
- Não adianta, irmã; sou firme nas minhas resoluções.
Mas, irmã Dolores, como um pé-de-vento, entrara e saíra. Desanimada, Kiki sentou-se, o bebê no colo.
Na quietude, primeiro sentiu um calor desconhecido, não sabia se vindo da criança para ela ou dela para a criança. Depois o nenê resmungou, e Kiki baixou os olhos. Então, foi como se dali para trás nada mais importasse:
- Que coisa mais linda, meu Deus! - exclamou apertando o filho de encontro ao coração, os olhos rasos d'água - Ah! queridinho. Ah!... - disse, e as lágrimas rolaram.
Quando se sentiu lúcida, ergueu-se. Numa bem-aventurança abriu a porta, caminhou pelo corredor, alcançou a saída, fugiu para a rua, para a manhã vazada de sol, o filho aconchegado nos braços.
Lucília Junqueira de Almeida Prado,
Depois do Aguaceiro.