QUEBRADEIRA NA PRAÇA
Precisamente às cinco horas da tarde, a campainha da firma avisava o término do expediente. Rapidamente, os funcionários trataram de arrumar seus postos de trabalho guardando os pertences e cuidando de deixar o ambiente em direção às suas casas.
Jeremias era um dos funcionários mais antigos e fazia tempo que fermentava a esperança de uma promoçãozinha. Passavam-se os dias e a tal esperança ia ficando com um verde cada vez mais pálido.
Como fazia todos os dias, após o trabalho, pegava o ônibus em direção ao lar e, a umas três paradas antes, saltava para pegar a filha, a Nirinha, que o aguardava na porta do colégio.
Naquela quarta-feira, ao se aproximar do ponto do ônibus observou que havia muito mais gente do que o costume. O abrigo estava entulhado de pessoas, todas manifestando certo descontentamento pela prolongada espera.
Cansados e ansiosos, não viam a hora de embarcar no coletivo e partirem em direção as suas casas dando continuidade aos afazeres domésticos.
Foi quando um sujeito vestindo bermuda e camiseta, tirando os fones do ouvido foi logo dando o serviço:
Pessoal! Furou! Acabei de ouvir, na CBN, que os empresários mandaram recolher todos os ônibus! Não há mais nenhum circulando! Parece que os black-blocs estão queimando os carros! E o pior é que estão tacando fogo com gente dentro e tudo!
Os donos das empresas de transporte não estão nem obedecendo mais à ordem do Tribunal para que mantivessem setenta por cento da frota rodando! Alegam que não são os juízes que vão pagar os prejuízos; ficam sentados lá no Tribunal, dando ordens, e quem se lasca são os proprietários com seus ônibus queimados! Ora! Juiz não anda de ônibus!
Revoltados e praguejando para todos os lados, os trabalhadores discutiam sobre a distância que teriam que percorrer a pé. Alguns achavam que iriam avisar em casa e dar um jeito de pernoitar no próprio emprego...
Não demorou muito, viram que, lá do lado direito da avenida, vinha caminhando um montão de gente. Com paus, pedras, bandeirolas iam quebrando tudo o que viam pela frente. Placas de trânsito, vitrines, orelhões, lixeiras, tudo o que estava ao alcance estava sendo depredado.
Na medida em que chegavam mais perto da parada dos ônibus, as pessoas podiam ver que a turba já estava saqueando um supermercado que não teve nem tempo para fechar suas portas. Tinha gente de todo o tipo carregando sacos de feijão, arroz, engradados de cerveja, frango congelado, caixas de pizza, empanados, etc... etc... Estavam limpando, de verdade, todo o estoque.
Outros já cuidavam de invadir e pilhar todas as lojas que tivessem alguma brecha para acesso. Uma loja de tecidos, outra de material de construção e mais uma padaria, todas sofreram a ação dos vândalos. Ficaram depredadas e com seus pertences e produtos saqueados.
Foi quando a turma de manifestantes chegou e cercou o pessoal do ponto do ônibus. Um cara forte e gordo, de camiseta preta e a cabeça coberta por uma touca de lã, preta, foi logo avisando: Hei! Vocês aí! Podem passar tudo! Já perderam! Mandem a grana, celular, cartão de crédito, relógio, aliança, tênis, marmita e os cambaus! Vocês perderam! Isso é um arrastão!
Ao mesmo tempo em que davam as ordens, iam descendo o cacete no pessoal indefeso.
Jeremias já havia levado uns dois sopapos pelo meio da orelha quando conseguiu escapar após entregar a carteira. Protegido atrás de um caminhão pediu ao motorista para chamar a polícia. Haviam roubado o seu celular.
A resposta veio sem demora: Infelizmente não temos como atender a essa ocorrência. Todos os nossos efetivos estão nas ruas “protegendo o direito de manifestação”. Não atuaremos pela dissuasão para que a Imprensa não nos acuse de agressão. Assim, deixe que quebrem o que quiserem... Não demorou muito tempo e a CBN deixou de dar notícias. Simplesmente, saiu do ar.
No dia seguinte, correu a notícia de que, “no legítimo direito de manifestação”, vândalos mascarados invadiram as instalações de jornais, revistas, estações de rádio e de TV, partidos políticos, ONGs, etc... Quebraram tudo, saquearam o que puderam, tocaram fogo nas instalações, carros de reportagem e encheram jornalistas, repórteres e funcionários de porrada. Nem notícias, nem telejornais, nem comentários de “especialistas”. Literalmente, “empastelaram a Imprensa”.
A polícia a tudo assistiu compassivamente, garantindo o direito de manifestação tão invocado pela mídia e pelo ativismo barulhento. Ao que se soube, estavam em “operação tartaruga”.
Não tive mais notícias de Jeremias, Nirinha, nem sobre o “movimento”. Mas, estão espalhando boatos de que a quebradeira agora é geral. Os manifestantes estão exercendo os seus direitos lá na Praça dos Três Poderes...
Amelius – 30/01/2014-01:46Hs