BELLE DE JOUR

BELLE DE JOUR

Ela veio às quinze horas... (com problemas semelhantes aos de todos que me procuravam para alívio de seus males).

Uma ruiva de pele dourada e grandes olhos garços.

Doce e corajosa disfarçava seus medos, tentando mostrar-se forte apesar do desamparo. Tocou-me descobrir nela essa energia moral encontrada em tão poucos; comovido, aos nos despedirmos, abracei-a, institivamente, para lhe aguçar o ânimo.

Em outro dia ao retornar, serena e firme, embora pálida, a recebi com um abraço e levei-a pela mão. E se tornaram habituais os abraços que trocávamos quando ela chegava e partia, nas visitas semanais do tratamento.

Atitudes naturais (pensava eu) até descobrir que, para mim, os abraços se tornaram mais que acolhimento, mais que despedidas...

Meiga e simples, ela aceitava meus afagos, desconhecendo a emoção que eu, a custo, tentava esconder, perdido nas vagas do aroma de jasmins que do seu corpo emanava.

Animada com a melhora obtida por seguir prescrições e acatar aconselhamentos, expandiu-se mostrando um lado juvenil, historiando fatos, preferências, costumes, descrevendo ambientes, cenários...

E eu adivinhava nos fragmentos da sua narrativa a casa onde vivia: rendadas toalhas sobre as mesas, musselinas esvoaçantes nas janelas, translúcidos cristais nas prateleiras; livros encapados em couro que ela lia em seus vagares. Lá fora num jardim: canteiros coloridos, renques de roseiras perfumadas.

Deixava-me envolver em fantasias... Retornando ao passado, recordei-me de quando aos dezessete anos perdi-me de amores por prima Manuela. Minha mãe ao descobrir meus sentimentos, com doçura, alertou-me: “Contenha-se, meu filho, enxergue as barreiras... Manuela tem seis anos, bem vividos, a mais que você; está noiva, com o casamento à porta... O que você tem por ela é um capricho, uma queda, um fraco. Isso não é amor!”

Manuela foi um sonho em minha adolescência do qual me desenleei com o tempo.

Outros sonhos sonhei... Não foram poucos em vinte anos transcorridos.

Podia enxergar as barreiras e os precipícios assombrando o meu novo encantamento, tornando inatingível a mulher que eu cingia em meus abraços.

Veio afinal o dia da última visita. Derradeiras palavras, recomendações, normas a seguir...

Diante de mim ela sorria, enquanto eu, inebriado pelo seu perfume, tentava conter o coração, contrafeito a aceitar aquela despedida.

Tomei-a nos meus braços... Naquele último momento, demorei-me naquele enlace, num arrebatamento antes nunca permitido... Afinal era o adeus.

Abismei-me no calor do seu corpo, frui o trêmulo adejar da sua respiração, senti o latejar do seu coração rente ao meu peito.

Ela se desprendeu de mim; nossas mãos se enlaçaram como em tantas vezes. Foi então que seus olhos glaucos, num mágico instante, buscaram os meus e neles se perderam, numa entrega ardente, irreprochável.

Tombaram todas as barreiras, desmoronadas pelo calor daquele olhar luminoso. Desfeitas as peias, quebrados os embargos, embalados pelos eflúvios da descoberta, de braços dados, saímos para a luz da tarde que caia e nos perdemos no crepúsculo.

hortencia de alencar pereira lima
Enviado por hortencia de alencar pereira lima em 01/02/2014
Reeditado em 03/02/2014
Código do texto: T4673607
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