HITLER ÀS AVESSAS
Ponteiros não giram rapidamente ao amanhecer
Oito e meia da matina é cedo pacas
Levantar antes da hora deixa a pessoa abobalhada
Pela manhã tenho o olhar perdido
Meu aspecto é de um morto vivo
Não quero labutar
Nem fazer parte da elite
Só roubar e matar
Observo a natureza desumana
Ontem vi um animal ensinando o filhote a caçar
O animal era um mendigo
O filhote era um menor
A caça era o lixo
O bairro era o Leblon
O verdadeiro, não o do Manoel Carlos.
É!
A verdadeira essência está ausente
Não habitamos um mundo justo
Não é fácil ser vagabundo
A desgraça alheia sustenta a existência de poucos
Adoro andar à noite no calçadão da Delfim Moreira
Olhar pros apartamentos dos milionários
Vê-los assistindo a suas telas de plasma de infinitas polegadas
Sabe o que eles veem
Novela
É Fantástico
Definitivamente o dinheiro não escolhe cultura pra ninguém
Morte à High Society!
Miséria e ódio são meus alimentos
Sou um ladrão sem escrúpulos
Durante os assaltos gosto de torturar ricaços
Estrangular a felicidade deles
Minha glória é fatiar grã-finos
Faço banquetes sem precedentes para indigentes
A imagem dos miseráveis antropófagos famintos por seus algozes me conforta
Corações alheios à verdade exalam aversão
Nas minhas veias corre vinho
Libertar-me-ei completamente
Não das drogas
E sim dos filhos do dinheiro
Eu sou hediondo
Estamos todos condenados ao fracasso da alma
A morte sempre vence
Sim
Eu não sou pobre
Tenho um trabalho frontispício onde ganho um bom dinheiro
Sim
Eu não sou feio
Sou um belo espécime de macho
Mas minha índole é feita de preguiça e maldade
Detesto todas as profissões
Não preciso submeter-me ao batismo social
A moral é a fraqueza do pensamento
Sofismas da loucura
Prefiro ser da raça inferior
Proclamo o lado B
Os criminosos me enobrecem
Os presídios me encantam
Quanto mais perverso melhor
Minha mente é feita de profanas profecias
Sou um pagão à deriva
Não há família abastada no Leblon que não mereça minha ira
A riqueza nunca foi um bem público
Horroriza-me a pátria amada
A mãe gentil não deveria abandonar seus rebentos
Não tenho saudades do meu berço esplêndido
Nunca mais trabalharei
Nas cidades o espectro negro subsiste nas favelas
Jamais pertenci ao burgo do asfalto
Criaturas nefastas
A natureza humana é um obstáculo perverso
Só velhos mendigos mutilados são respeitáveis
A condenação é eterna
O inferno é aqui
Sem piedade
O fardo está posto
Somos náufragos sociais
Condenados à farsa contínua
Não há almas honestas
Tudo é vaidade
Todos seres são fatais
Vivemos na degradação
A megera da foice está entre nós
Dilacerante infortúnio
Eu darei o troco
Imitarei a farsa do Bush
Sequestrarei um avião
De preferência um vôo Rio-Paris
E cabul!
Vou estuporá-lo contra os prédios da Delfim Moreira
Morrerei em paz
Serei lembrado como o Hitler às avessas
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Sentado confortavelmente em seu apartamento, na Vieira Souto, o psicólogo Gustini Victor Strasser desligou o gravador e sorriu.