O PIVETE E O ADOLESCENTE

Ambos moram no alto, com vista para o mar. Mas cada um tem uma visão bem diferente da vida.

O pivete desce do morro, traz consigo o estômago vazio e a revolta de não ter como alimentá-lo.

O adolescente desce de seu apartamento de cobertura. Tem o estômago saciado com um belo desjejum, e o desconhecimento do quão triste seria não o ter alimentado.

Ambos se cruzam em uma avenida movimentada, trocam olhares. O que desce do morro olha para os olhos do adolescente com olhar de intimidação, olha para os pés e vê um tênis que acende luzinhas que também lhe acendem o olhar de cobiça. O adolescente olha para os olhos do pivete com medo, olha para os pés e vê um chinelo com tiras trocadas com olhar de desprezo.

Um deles tem o cabelo pixaquinho, feito esponja de aço, a pele escura como café; o outro tem cabelo feito fio de ouro, a pele branca como leite.

O pivete pé-de-chinelo manifesta seu sentimento de revolta, passa uma rasteira no menino do tênis de luzinha, engalfinham-se, rolam no chão, um para defender o que lhe pertence, o outro para tentar tirar na marra o que pensa que deveria ter por direito. O pivete consegue tirar um pé do tênis, ambos ficam com as roupas sujas e rasgadas.

Um policial que coincidentemente faz a ronda os vê. Pega-os, coloca o loirinho e joga o negrinho no camburão.

O negrinho tenta falar algo, o policial o manda calar. O loirinho vai quieto.

O delegado é negro, não chega a ouvir o policial. Olha para o negrinho e fala:

— Seu pivete delinqüente, você nesse caminho só pode chegar na cadeia ou no cemitério.

— Mas...

— Não tem mais nem menos. Eu também sou negro, nasci no morro, estudei e olha onde estou. Fui tão ou mais pobre que você, seu pivete!

O delegado pede desculpa para o loirinho, entrega-lhe o outro pé do tênis e o libera.

Depois de horas detido, o negrinho consegue fazer uma ligação, vem seu pai acompanhado de um conceituado advogado. A ira do pai do adolescente esclarece o “mal-entendido.”

julio damasio
Enviado por julio damasio em 28/04/2007
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