Amigo da Onça
A paixão que me consumia começara no mesmo dia em que ele entrou na empresa, apresentado pelo chefe como o novo responsável pelo almoxarifado.
O coração em desalinho, ansiava por uma oportunidade de me aproximar, mas as pernas bambeavam só de imaginar. Além disso, não encontrava nenhum pretexto para ir até ele, já que quem cuidava da reposição de material de consumo na seção era a Dinorá, do serviço administrativo, minha amiga e confidente, a única que conhecia meu segredo.
A oportunidade surgiu em meados de novembro, quando começaram os preparativos para a festa de fim de ano dos empregados. Nos outros anos, eu nem me animava muito com o evento. Costumava comparecer apenas para não parecer uma antissocial, mas achava o programa uma chatice: comida fria e cerveja morna que os colegas costumavam beber descontroladamente. Nos dias seguintes, as fofocas tomavam conta das repartições, quem pegou quem, quem vomitou onde… Eu sempre saia logo após o almoço, para não correr o risco de levar uma cantada grosseira em voz pastosa que seria forçada a ignorar em nome do bem comum, e torcer para que ninguém mais ouvisse, ou eu é que protagonizaria os fuxicos pós-ressaca.
Neste ano, porém, havia um belo motivo para estar presente e alongar-me por lá: Jucenildo. E, para garantir que teria alguma oportunidade de, ao menos, dirigir-lhe umas palavras, assumi a tarefa de organizar o amigo oculto.
Preparei os papeizinhos com os nomes de todos. Realizei o sorteio, dando um jeitinho para que pudesse pegar o nome dele ao final. Isto é… Para não dar bandeira, tive que deixar ao menos dois papeizinhos ao final, com o nome dele, e torci para que os 33% de chance fossem suficientes para pegá-lo.
Não foram. Tive vontade de chorar, quando abri meu papel e encontrei o nome do chefe.
- Ei! Tirei eu mesma! - exclamou Onilda, da tesouraria, dando novo alento ao meu coração. Sem pestanejar, recolhi todos os papeizinhos e repeti a operação, desta vez, com sucesso. Mais difícil que não chorar antes, foi não encher o papelzinho de beijos, ao ver escrito em letra caprichada: Jucenildo.
Outro detalhe importante para meu plano era a caixinha de recados, localizada na copa. Qualquer um poderia, discretamente, deixar bilhetes anônimos para seus amigos ocultos durante o dia. Na manhã seguinte, a caixa era aberta e os bilhetes distribuídos. A brincadeira me era prazerosa por duas razões. A primeira é que, escondida pelo anonimato, podia escrever-lhe o que quisesse e, caso me arrependesse, atribuir as mensagens a algum outro colega zombeteiro. A segunda, e mais importante, é que eu mesma fazia a entrega dos bilhetes e isso me dava uma razão para ir até ele, conversar um pouquinho, estudá-lo mais de perto, analisar sua reação aos recados…
À medida que a data da festa se aproximava, minha ansiedade aumentava. E, o que era melhor: a dele também!
Porém, às vésperas do grande dia, dois irmãos que trabalhavam na informática tiveram que viajar às pressas, para acompanhar a mãe em uma cirurgia de emergência.
Sem dois participantes, o amigo oculto estava comprometido. Foi Dinorá quem deu a ideia:
- Vamos fazer um amigo da onça ao invés do amigo oculto.
E já foi logo explicando a brincadeira. Consistia em comprarmos presentes impessoais, que seriam expostos sobre uma mesa no dia da festa. Sorteava-se a vez de escolher entre um dos presentes ainda embalados da mesa ou "roubar" o presente já aberto, de alguém sorteado antes.
Por mais que eu argumentasse para apenas realizarmos um novo sorteio, a ideia de fazer alguma coisa diferente empolgou a todos. Isto é, quase todos. Para meu consolo, Jucenildo também pareceu contrafeito pela mudança. Apenas por isso, ser voto vencido não era tão ruim.
No dia da festa jogamos o tal amigo da onça e acabei ficando com um jogo de sabonetes, pois o belo relógio de paredes que escolhi da mesa foi trocado por Dinorá.
Não foi a única coisa que ela me roubou naquele dia. Cheia de coragem após exagerar um pouco na cerveja morna, aproximou-se de Jucenildo, que ainda esperava conhecer sua amiga oculta e não percebeu a diferença entre o teor quase literário dos meus bilhetes e a cantada rasteira que a minha grande amiga da onça lhe passou em voz pastosa.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Amigo Oculto
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/amigooculto2013.htm
O coração em desalinho, ansiava por uma oportunidade de me aproximar, mas as pernas bambeavam só de imaginar. Além disso, não encontrava nenhum pretexto para ir até ele, já que quem cuidava da reposição de material de consumo na seção era a Dinorá, do serviço administrativo, minha amiga e confidente, a única que conhecia meu segredo.
A oportunidade surgiu em meados de novembro, quando começaram os preparativos para a festa de fim de ano dos empregados. Nos outros anos, eu nem me animava muito com o evento. Costumava comparecer apenas para não parecer uma antissocial, mas achava o programa uma chatice: comida fria e cerveja morna que os colegas costumavam beber descontroladamente. Nos dias seguintes, as fofocas tomavam conta das repartições, quem pegou quem, quem vomitou onde… Eu sempre saia logo após o almoço, para não correr o risco de levar uma cantada grosseira em voz pastosa que seria forçada a ignorar em nome do bem comum, e torcer para que ninguém mais ouvisse, ou eu é que protagonizaria os fuxicos pós-ressaca.
Neste ano, porém, havia um belo motivo para estar presente e alongar-me por lá: Jucenildo. E, para garantir que teria alguma oportunidade de, ao menos, dirigir-lhe umas palavras, assumi a tarefa de organizar o amigo oculto.
Preparei os papeizinhos com os nomes de todos. Realizei o sorteio, dando um jeitinho para que pudesse pegar o nome dele ao final. Isto é… Para não dar bandeira, tive que deixar ao menos dois papeizinhos ao final, com o nome dele, e torci para que os 33% de chance fossem suficientes para pegá-lo.
Não foram. Tive vontade de chorar, quando abri meu papel e encontrei o nome do chefe.
- Ei! Tirei eu mesma! - exclamou Onilda, da tesouraria, dando novo alento ao meu coração. Sem pestanejar, recolhi todos os papeizinhos e repeti a operação, desta vez, com sucesso. Mais difícil que não chorar antes, foi não encher o papelzinho de beijos, ao ver escrito em letra caprichada: Jucenildo.
Outro detalhe importante para meu plano era a caixinha de recados, localizada na copa. Qualquer um poderia, discretamente, deixar bilhetes anônimos para seus amigos ocultos durante o dia. Na manhã seguinte, a caixa era aberta e os bilhetes distribuídos. A brincadeira me era prazerosa por duas razões. A primeira é que, escondida pelo anonimato, podia escrever-lhe o que quisesse e, caso me arrependesse, atribuir as mensagens a algum outro colega zombeteiro. A segunda, e mais importante, é que eu mesma fazia a entrega dos bilhetes e isso me dava uma razão para ir até ele, conversar um pouquinho, estudá-lo mais de perto, analisar sua reação aos recados…
À medida que a data da festa se aproximava, minha ansiedade aumentava. E, o que era melhor: a dele também!
Porém, às vésperas do grande dia, dois irmãos que trabalhavam na informática tiveram que viajar às pressas, para acompanhar a mãe em uma cirurgia de emergência.
Sem dois participantes, o amigo oculto estava comprometido. Foi Dinorá quem deu a ideia:
- Vamos fazer um amigo da onça ao invés do amigo oculto.
E já foi logo explicando a brincadeira. Consistia em comprarmos presentes impessoais, que seriam expostos sobre uma mesa no dia da festa. Sorteava-se a vez de escolher entre um dos presentes ainda embalados da mesa ou "roubar" o presente já aberto, de alguém sorteado antes.
Por mais que eu argumentasse para apenas realizarmos um novo sorteio, a ideia de fazer alguma coisa diferente empolgou a todos. Isto é, quase todos. Para meu consolo, Jucenildo também pareceu contrafeito pela mudança. Apenas por isso, ser voto vencido não era tão ruim.
No dia da festa jogamos o tal amigo da onça e acabei ficando com um jogo de sabonetes, pois o belo relógio de paredes que escolhi da mesa foi trocado por Dinorá.
Não foi a única coisa que ela me roubou naquele dia. Cheia de coragem após exagerar um pouco na cerveja morna, aproximou-se de Jucenildo, que ainda esperava conhecer sua amiga oculta e não percebeu a diferença entre o teor quase literário dos meus bilhetes e a cantada rasteira que a minha grande amiga da onça lhe passou em voz pastosa.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Amigo Oculto
Saiba mais, conheça os outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/amigooculto2013.htm