O VELHO CHICO

 
      Na fazenda, tinha a turma que trabalhava na lavoura de café que geralmente ganhavam por produção, e também uma turma de homens que trabalhavam constantemente realizando diversos serviços e ganhavam por dia trabalhado, eram chamados de diaristas.
     Velho Chico ou (véio Chico) como os amigos se referiam a ele, longe dele é claro, era um desses diaristas, um homem que na época devia ter por volta dos cinqüenta anos. Vivia sozinho, nunca se ouviu falar de algum familiar seu e por ter esperanças de ainda conseguir um casamento escondia a idade, não falava quantos anos tinha e quando alguém perguntava sempre desconversava, mudava de assunto e não respondia.
    O pessoal era bem animado quando estavam fazendo algum serviço todos juntos, passavam o dia brincando, fazendo gozação um com outro tudo era motivo de piada e Velho Chico estava sempre no meio. Os colegas por saber que ele gostava de aparentar ser mais novo, às vezes o chamavam de meninão ele sorria satisfeito.
   Morava numa casa da colônia, fazia sua comida, a roupa pagava para uma vizinha lavar.
   Sempre com aquela vontade de arrumar uma namorada, quando tinha algum evento, terço, bailinho ou qualquer outra reunião e tinha alguma moça solteira sem namorado, ele sempre dava um jeito de ficar por perto fazendo alguma coisa para chamar a atenção, não era desrespeitoso, mas gostava de fazer uns gracejozinhos.
    Aqueles amigos mais chegados que não perdiam uma oportunidade de zombar com ele, uma vez pegaram uma fotografia de uma moça que nem morava na fazenda e junto com um bilhete com umas palavras bonitas e no final dizendo que queria conhecê-lo, colocaram em sua mochila.
   Quando ele achou a tal cartinha, mesmo sabendo que era mentira, uma brincadeira, mas aquela vontade que fosse verdade somado a sua carência afetiva o levava a enganar-se, acreditando naquilo e por um momento sentiu-se feliz.
   Mas nem tudo na roça eram brincadeiras, havia tarefas difíceis trabalho pesado, como descarregar caminhões de adubo que chegava para a lavoura, carregar também caminhões de café limpo quando a safra era vendida, trabalhar com animais passando ferramenta na lavoura de milho de café, serviços que exigia destreza e vigor físico, nessas horas o administrador escalava aqueles mais jovens para realizar tais tarefas.
    Mas Velho Chico na sua ignorância e no seu orgulho de macho, escondia seu cansaço e tentando demonstrar força somando a falta de sensibilidade do administrador, estava quase sempre entre estes que realizariam as mais penosas tarefas.
     E foi essa dupla imprudência a sua perdição, um dia uma meia dúzia de homens entre eles o Velho Chico, foram designados a transportar algumas toras de eucalipto de outra fazenda do mesmo proprietário para esta que moravam, destinadas a uma serraria que existia.
     Saíram cedo, o motorista com um Ford F 600 azul e os seis homens com destino a outra fazenda. No final da década de setenta carregar grandes e grossas toras em um caminhão com a força do braço, usando métodos primitivos como levas (troncos de eucalipto colocados com uma ponta no chão e a outra na carroceria do caminhão com se fosse uma rampa para ir rolando a tora), e umas alavancas de ferro, sem ajuda de qualquer maquina, era tarefa difícil e perigosa.
  A Primeira viagem correu tudo bem chegaram à serraria descarregaram e foram almoçar, cada um pegava sua mochila com o caldeirão de comida, sentavam um aqui, outro ali todos próximos para ir comendo e conversando, aquelas mesmas brincadeiras de sempre.
   Depois do almoço partiram para outra viagem, já um pouco cansados e tudo se repete, carregaram três toras que ficavam no fundo da carroceria do caminhão, aí iriam carregar mais duas que ficariam encaixadas em cima das três o que seria mais difícil devido à altura.
    Os homens já quase esgotados pelo esforço, não conseguiram acomodar a tora em cima das outras, quando estava no alto em cima do caminhão faltou força para encaixá-la e ela voltou, nessa hora não há tempo para pensar em nada, cada um procurou se esquivar como pôde e sair da frente da mesma que despencava do alto da carroceria, Velho Chico não conseguiu a tora o derrubou no chão passando por cima e esmagando sua cabeça.
    Os companheiros quando viram aquela cena, ficaram apavorados derrubaram as toras de cima caminhão, pois para jogar de cima é mais fácil, basta empurrá-las que elas rolaram, pegaram o amigo gravemente ferido puseram em cima do caminhão e foram rapidamente para cidade, que não era muito longe pedir socorro.
    Chegando ao hospital, devido à gravidade dos ferimentos ele foi levado por uma ambulância para uma cidade maior.
      Velho Chico ficou alguns dias em coma e faleceu, chegou a noticia na fazenda, todos ficaram tristes, mas infelizmente ninguém teve coragem de levantar a voz em sua defesa, o pobre não teve sequer um enterro cristão o corpo chegou à cidade ficou no necrotério, no mesmo dia à tarde o administrador pegou alguns homens e fizeram seu enterro sem nenhuma cerimônia.
    Velho Chico já trabalhava a alguns anos na fazenda, tinha seus direitos e deixou até salário a receber, mas não tinha família ninguém para chorar e brigar por ele, foi enterrado como um indigente.
     Assim termina a história de um homem simples, que trabalhou toda sua vida, foi vítima da ignorância sua e de seus amigos e de um sistema capitalista onde o patrão não enxerga o homem, vê apenas o empregado.
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 26/01/2014
Reeditado em 20/08/2015
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