A entrevista de emprego

A entrevista de emprego

Aquela quarta-feira estava cinza, nuvens ao céu indicavam que em breve a chuva cairia. Eu estava ansioso, nervoso pois fazia tempo que não participava de um processo de seleção tão concorrido e tudo indicava que seria difícil obter a vaga. Era um ano duro, depois de tantas respostas negativas essa era a chance de tirar a má sorte que me vem sondando, de 2013 não queria guardar nada.

Já estávamos na metade da etapa daquele dia e tínhamos um intervalo no almoço de 45 minutos o qual optaríamos em comer no próprio local ou sair para arejar a cabeça de toda a pressão que era submetida. Decidi sair. Logo na esquina da empresa havia uma padaria grande, essas que vendem quase de tudo, decidi comprar um sanduíche que custava 2 euros e fui ao parque que ficava no outro quarteirão.

Chegando lá, quando já sentado havia desembrulhado o meu almoço, se aproxima um mendigo barbudo, sujo e que não cheirava muito bem, aparentemente me queria dizer algo:

- Meu jovem, tu terias por acaso algum dinheiro sobrando para que eu possa comer alguma coisa?

- Perdão, não tenho mais dinheiro – Eu disse. Eu até tinha mas apenas para a passagem de volta para casa. Porém lhe fiz uma proposta:

- Eu lhe posso oferecer metade do sanduíche.

Ele pareceu concordar com um leve sorriso no rosto. Quando eu estava repartindo em duas partes, percebi que ele não estava sozinho. Logo atrás dele havia uma menina que aparentava ter uns sete ou oito anos de idade que supus ser sua filha. Já com as duas metades da mão e me sentindo injusto em deixar a menina sem comer resolvi dar uma metade para ele e a outra para ela. O mendigo disse:

- E quanto a ti? Não vais comer?

- Eu sei quando será minha próxima refeição, não se sintam acanhados, em breve terei que ir de qualquer forma – Lhe respondi

Logo isso o mendigo sentou no banco ao meu lado e comendo junto com a menina me perguntou:

- Tu és dessa bandas? Onde trabalhas?

- Eu não sou daqui, sou do Brasil, estou em um processo de seleção de emprego. – lhe disse.

- Para trabalhar com o que?

- É na Pricing Corp. Aquele prédio grande que fica no outro quarteirão. Serviços financeiros.

Ele acenou com a cabeça e logo me pergunto:

- Tu és assim sempre tão generoso?

- Eu fui ensinado que pequenos gestos podem ter grandes impactos, não que eu tente me beneficiar com isso, mas ajudar os outros não faz mal a ninguém. – lhe disse repetindo o que minha mãe sempre dizia.

Meu tempo já estava se esgotando, lhe disse adeus e me despedi com um aceno.

Durante todo o processo, que foi de quase um mês, eu me sentia bem fui passando etapa por etapa e cheguei na última entrevista. Era apenas uma vaga e ao final estava eu e uma menina da Suécia. Antes de entrar na sala do poderoso chefão, eu sentado no corredor sentia um turbilhão de coisas passando na minha cabeça. Será que tenho chance? Minha concorrente é muito boa, porque não a contratariam? E o visto? Ser não europeu tem alguma vantagem nesse caso? Difícil dizer!

Assim chamaram meu nome, a última cartada e a única coisa que eu poderia fazer era ser honesto e não tentar forçar nada. Entrando na sala, me deparo com um senhor de aparência serena, com os seus 65 anos que me estende a mão para me receber:

- Boa tarde meu jovem, tenha bondade e sente-se. – Disse ele me apontando a cadeira.

- Antes de mais nada lhe gostaria de dar os parabéns por teres chegado até essa etapa, tenho certeza que o seu caso é ainda mais especial, tu estás muito longe de tua terra natal e talvez essa seja a grande oportunidade em sua carreira. – lhe ouvi atentamente confirmando com a cabeça. Ele prosseguiu.

- Temos total convicção que tu és diferenciado, a maneira de falar, de te impor são respeitáveis e todos estamos muito impressionados com a sua postura e como tu lida com as pessoas, com o ambiente ao teu redor. – Logo que ele falou, já pensei que tinha uma resposta negativa vindo, sempre começa assim levantam tua auto estima para dizerem que tu não é a pessoa mais indicada para a vaga.

- Eu sempre fui uma pessoa muito supersticiosa e religiosa e acredito que tudo na vida que nos acontece tem uma mensagem interior. Poucas vezes temos a chance de ver isso, geralmente nos apegamos a parte superficial, conseguimos ver os pequenos ou as mais claras interpretações que um problema ou o sucesso nos mostra. E acredito veemente que as pessoas só realmente “chegam lá”, quando elas conseguem ver essa mensagem que não é fácil de entender, muitos veem a superfície de um oceano, mas o que está em baixo, no fundo, isso poucos tem a capacidade e a chance de enxergar. – Suas palavras realmente eram tocantes, um alto executivo com essa capacidade de impor um lado psicológico nos fatos era algo inovador. E ele continuou.

- Infelizmente meu jovem, nós consideramos que tu não és a pessoa certa para essa vaga, tu realmente nos impressionou como já lhe disse, mas acreditamos que a sua concorrente está mais preparada para assumir esse cargo. – Dito e feito, apesar de eu me segurar para não demonstrar meu desapontamento, minha expressão falava por si só.

- Mas antes de mais nada, gostaria de lhe perguntar, O que tu fizestes no dia 21 de outubro?

- Foi meu primeiro dia do processo seletivo. – Respondi, já sem muito entusiasmo.

- Apenas isso? Nada mais lhe aconteceu naquela quarta-feira? – Ele insistiu.

- Não que eu me lembre. – Realmente não lembrava de nada em especial.

- Pois bem. Ele disse se levantando. Quero chamar alguém aqui.

Nisso ele foi até a porta e chamou um homem que entrou na sala com um sorriso enorme, como se estivesse contente em me ver, porém seu rosto não era nem um pouco familiar. Era um sujeito não muito alto, nem muito gordo que vestia um terno muito elegante, devia ser outro executivo da empresa.

- Tu o conheces? Perguntou o chefe.

- Não, nunca o vi – eu disse com um tom pensativo.

- Então Andrei, conte sua história pare que o nosso jovem possa entender melhor.

- Meu jovem, talvez você não me reconheça mas nos encontramos há umas três semanas passadas. Eu estava naquele parque, o qual tu me compartilhastes entre eu e minha adorável sobrinha o teu almoço. – Disse ele com um olhar de ternura. Eu jamais o reconheceria, eu não lhe havia visto os olhos e prestado muita atenção em suas características.

- Não tivemos muito tempo para conversar, pois permita que eu me apresente melhor. Me chamo Andrei e sou da Romênia, vim para Londres em busca de algo melhor. Nunca fui uma pessoa afortunada no meu país, era pobre e não tive a chance de estudar muito bem. Sempre vivi como pedreiro, ganhando por mês um salário muito baixo que mal conseguia pagar o quarto que alugava e comer. Em 2011 uma tragédia aconteceu, meu único irmão e sua esposa tiveram um acidente em uma autoestrada lhes tirando a vida. Agora além de me sustentar, tinha que sustentar minha sobrinha que não tinha nenhum outro parente próximo. Foram momentos difíceis. Até que um amigo que morava em Londres me disse que poderia me ajudar dando um emprego e me deixando ficar com ele por um tempo. Peguei minha sobrinha e viemos para cá. Porém as coisas não foram fáceis, a língua, cultura e o emprego, que era temporário, não me davam muitas garantias. Minha situação não mudou muito nesses últimos 2 anos que aqui vivo, empregos vão e vem salário não é muito alto, apenas o suficiente. Muitas vezes me encontro em situação precária, a qual não tenho o que comer, já fui despejado muitas vezes, dormi na rua e não tinha nada que eu pudesse fazer. – Disse Andrei bastante emocionado.

- Diga ele agora sobre aquela quarta-feira o qual o conheceu – Falou o chefe

- Naquela quarta eu estava em mais uma vez nessa situação, vivendo precariamente. Já havia quase dois dias que havíamos comido um pedaço de pão apenas. Perambulando pela cidade eu me deparei com um jovem bem apessoado, vestindo um terno e logo pensei que pudesse ser um homem de negócios. O que mais me intrigou é que eu jamais havia pedido dinheiro para alguém. E eu só o fiz por uma razão. Há muito tempo atrás me disseram que eu deveria seguir minha intuição. Minha vinda para Londres tem muito a ver com isso também. Porém sempre a minha intuição me enganava, parecia que as coisas que eu acreditava serem as melhores, não eram. Mesmo a seguindo e me trazendo mal resultados ou resultado nenhum eu insistia nela. – Disse Andrei com uma leve satisfação pessoal. Continuou:

- Então, quando lhe vi algo me disse que eu deveria ir lhe pedir dinheiro e foi o que fiz.

- E o que lhe aconteceu depois? – Perguntou o chefe

- Naquela mesma quarta-feira por volta das 17h eu sofri um pequeno acidente. Um carro me atingiu. Nada muito grave, só me derrubou no chão. O motorista ficou muito assustado e veio logo aonde eu estava caído. Me perguntou se estava bem e se ele poderia fazer algo por mim. Lhe disse que não precisava de nada, mas mesmo assim ele me deu um cartão. Foi quando percebi que meu encontro com aquele jovem tinha algo a mais. O cartão era do CEO da Pricing Corp. Então pedi: “Espere! Há uma coisa que tu podes fazer por mim.”

- Andrei me ensinou, ou melhor relembrou aquilo que sua mãe sempre lhe disse: “Pequenos gestos podem ter grandes impactos.” A sua ação mudou a história do Andrei, a minha e a tua. Andrei me pediu para que eu olhasse com mais esmero o teu processo, além do currículo. Consegue ver agora o “fundo do oceano”? – Disse o chefe com um sorriso desafiador.

- Acho que sim – Eu disse perplexo com tudo que acabara de ouvir.

- Infelizmente, nós na sociedade no mundo em que vivemos não temos a dimensão de ver o “fundo do oceano”, vivemos tão na superfície e nos fatos imediatos que nos deparamos com situações que poderiam ter um resultado muito mais belo e melhor. Cometemos erros na nossa vida claro, mas isso tudo bem, o importante é entender a mensagem “oculta” no erro. Nossa intuição não nos mente, se parece que deu tudo errado porque era para dar tudo errado, pois tudo na vida acontece da melhor maneira para cada ocasião. – Disse o chefe cheio de entusiasmo.

- Por isso meu jovem, eu não poderia lhe dar um emprego como Analista Financeiro, pois tu és muito mais preparado para outras coisas nessa empresa. Analisando todas as etapas e o seu perfil, dessa maneira e de forma unânime tu és o mais novo Líder de desenvolvimento de negócios. Lembre-se, líder não é vocação, mas caráter.

Eu não sabia o que dizer, por alguns segundo fiquei mudo e percebi o quão tolo eu era. Eu falava uma frase e nunca tinha entendido de verdade o que significava. Num pequeno gesto eu mudei a vida de uma pessoa que não tinha nada, o slogan de uma grande corporação e a mim mesmo. O diferencial não foi ter conseguido um emprego, mas entender como as coisas acontecem de maneira fascinante. Por isso desde hoje eu busco o “fundo do oceano.”

Leo Moreira
Enviado por Leo Moreira em 25/01/2014
Reeditado em 05/02/2014
Código do texto: T4664265
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