Tem que trabalhar
O arquiteto jogou uma guimba de cigarro na rua, dizendo “é bom para o gari. Ele tem que ter trabalho”.
O gari, irritado, espancou o arquiteto, pensando “o médico que tratar desse aí vai ter trabalho”.
O médico-cirurgião, ao receber o arquiteto com rosto todo desfigurado, fez uma remendada aqui e outra ali, já imaginando o trabalhão que um psicólogo teria para recuperar a autoestima do sujeito.
O psicólogo, assustado com tamanho estrago, passou a bola para um psiquiatra. Não queria trabalhar em vão. Aquele ali só melhoraria à base de remédios.
O psiquiatra receitou um tarja preta. Fez mal seu trabalho. Errou feio na dose medicada, e o arquiteto morreu. “Ferrou”, pensou, “isso agora vai ser trabalho pro meu advogado.”.
O advogado trabalhou (seu penteado), trabalhou (o corte perfeito do terno italiano) e trabalhou (no cálculo dos seus honorários). E o psiquiatra foi preso.
Desgostoso, o psiquiatra se matou dentro da cela. Deu um enorme trabalho para os carcereiros, para o coveiro e para sua esposa, que odiava pensar em trabalhar.
Também gerou trabalho para os jornalistas, que deixaram de cobrir as farras dos artistas e jogadores de futebol, para noticiar algo sério.
Tudo porque o arquiteto resolveu jogar uma inocente guimba de cigarro na rua.
Só que a vida é normal demais para uma sequência tão absurda de acontecimentos. Por esse motivo é que digo que não aconteceu de verdade. Seria muito esquisito.
É para isso que existe o escritor.
Ele também tem que trabalhar.