Cinza

Finalmente, livre da tortura diária. Hora de ir para casa.

De fato, aquele lugar não é o mais agradável do mundo. É só passar pelo portão, que vem uma brisa fresca com cheiro de esgoto. Claro que é incômodo, mas já faz parte do dia-a-dia, assim como a paisagem acinzentada: o chão, o céu, a poluição, a necessidade de pintura de algumas casas, e o mau gosto dos seus donos.

Viro à esquerda, esquerda novamente, ando até o ponto e lá espero pelo ônibus. Para falar a verdade, tenho a sensação de que as pessoas sentadas estão olhando fixamente para mim. Começo a me perguntar se não há algo de errado com minhas roupas, e tento disfarçadamente separar o dinheiro, pois o ônibus está chegando.

Ele não está cheio, mas tenho consciência de que em alguns minutos estará. Pago ao cobrador e fico presa na catraca, para não quebrar a rotina. Busco algum lugar que não tenha ninguém do lado e sento.

Após duas paradas, está lotado. Um amontoado de pessoas empilhadas, com direito a alguém escutando uma trilha sonora que seria um desrespeito chamar de música. Começo a pensar em como sair daquele ônibus e quais pessoas espremer para isso.

Fora do ônibus está melhor, existe mais espaço. Sem muitas pessoas, sem música ruim, mas ainda tudo cinza.

Atravesso a rua e vou andando para minha casa. Mais adiante, no gramado verde, avisto um cachorro brincando sozinho, mas que de repente vem correndo em minha direção, como se já me conhecesse há muito tempo. Tenho que admitir: é a maior emoção de meu dia e também de muitos outros.

Queria ficar com ele, mas não posso e me obrigo a continuar meu caminho, deixando-o para trás, confuso, a me olhar tristemente.

O cachorro tenta me seguir, mas algumas pessoas o enxotam. Ele fica me olhando de longe, e tenho certeza de que não sabe por que não pode ir comigo. Só está me pedindo uma chance, e estou lhe negando. Sei que vou sonhar e vou me perguntar por onde anda, mas nunca mais vou achá-lo.

Agora, de coração partido, vou seguir o velho e cinza caminho de sempre.