O despegar
José era um português com pouco mais de trinta anos, magro e alto, tão alto que parecia fazer encolher os seus colegas de trabalho. Acordava tarde, docemente tarde e ia trabalhar como quem não quer a coisa, pois na verdade ele não queria, era um suplicio ter que enfrentar aquela mesmice de sempre. Pensava em mudar de vida, de cidade, de emprego; enfim, ela queria se mudar para qualquer local - longe dali. Estava cansado de aturar seu tio que o controlava como quem controla um escravo, cansado de olhar no rosto da mentira que assolava as pessoas que privavam com ele em seu habitat trabalhista.
Certo dia encontrei-o no botequim da esquina da Rua São Bento com à Avenida Rio Branco, em pleno Centro do Rio de Janeiro. Estava abatido, de rosto pensativo, cabisbaixo e entornava a belo custo um copo de cerveja. Suas mãos tremulas indicavam um homem ansioso e receoso do seu presente. Não que ele tivesse cometido algum crime, mas era perceptível a forma como ele observava todo o mundo com certa desconfiada natural de quem perdeu a confiança no mundo.
Perguntei-lhe se me conhecia – ele respondeu – que tinha uma leve ideia de quem eu era. Mas não sabia ao certo onde me encontrara.
Aí eu retruquei – eu sou o António, português da gema, seu conterrâneo, nos vimos numa festa do São João na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Ahhhhh, me recordo, desculpe António por não o reconhecer no imediato, mas minha cabeça hoje está vivendo algo novo; sabe... acabei de pedir minha demissão, e por incrível que pareça sinto-me aliviado, e pronto para recomeçar minha vida. Estou aqui matando minha sede com a loira do costume, ela tem sido minha companheira nestes dias que antecederam este desfecho. Com a Copa chegando eu vou em Copacabana uma última vez e penso seriamente em comprar um bilhete de viagem para um lugar incerto.
- Vai abandonar a cidade maravilhosa? – Perguntei eu em tom obtuso.
- Vou meu caro, pra mim chega deste calor infernal, eu quero é sombra e água de coco. Deitar na rede e pescar, poder apreciar a natureza e deixar de lado o stress da cidade. Em cinco anos aqui nunca fui feliz, é só trabalho e mais trabalho, e nisso vejo o tempo correndo, os anos passando, os amigos casando, e eu? Continuo procurando a minha querida cara metade.
- Ainda não a encontrou!!!!!?
- Hummm... pensando bem, eu a encontrei, mas não tenho a certeza, é que eu nunca a vi, falo falo com ela faz tempo, eeeeeee – nada.
- O que espera então?
- Espero que ela me deixe ir, que ela me dê um ok.
- Apenas isso?
- Parece pouco né?! Mas lhe garanto que é muito, seu tempo é diferente do meu: eu corro, ela anda; eu mergulho, ela tira a toalha, e por aí vai...
- É... Quem espera sempre alcança meu amigo.
- Será? Mas quem espera também desespera - respondo eu num tom meio que impaciente.
Terminada a cerveja/terminada a conversa, coloco o copo em cima da mesa, dou cinco reais pro garçom, deixo o troco pra lá e me dirijo com o António para fora do estaminé. O sol queima ao ponto de sentir um ardor nas minhas costas, não querendo me alongar muito, falo as "últimas" palavras para ele.
{Um abraço, um até breve, e que deus te ajude}.
- Pra você também José, quem sabe um dia nos encontramos lá pros lados de quem nos “pariu”.
- Tenha a certeza disso – isto num tom assertivo e sério.
- Adeus mon ami.
- Adeus.