O Ascensorista

Mais um típico humor barato.

Comecei a trabalhar como ascensorista em abril, após a saída de meu antecessor, um alcoólatra inveterado, que tivera diversos desentendimentos com moradores do prédio (devido, é claro, ao álcool). Meu trabalho era simples: dizer "bom dia", "boa tarde", "boa noite", "até logo" e ser sempre educado e polido no modo de tratar os moradores e visitantes do prédio e conduzí-los ao andar desejado, por meio do painel eletrônico contido no elevador.

Logo na segunda semana de trabalho me apaixonei por uma das moradoras do prédio, que voltava de viagem. Seu nome era Sara. Sara era uma bela loira de aproximadamente 30 anos. Dona de uma silhueta perfeita, aparentava pesar uns 57 kg muito bem distribuídos em 1,68 m de altura. Aém disso, era uma mulher poderosa, uma jovem mas reconhecida advogada. Apesar de mais velha do que eu, me encantou logo de cara. Mostrava-se sempre alegre quando eu a pegava no térreo do prédio e a levava para seu apartamento, no décimo segundo andar.

Todo dia, quando começava a trabalhar, eu já pensava em algo interessante para falar para Sara. Sempre tinha algo para puxar assunto, desde a previsão do tempo até a meteorologia. Ah, e também falávamos sobre o clima e se ir chover ou fazer sol. Certo dia, assim que Sara saiu do meu elevador com seu lindo sorriso, me disse um "obrigada, querido". Aquilo foi o suficiente para mudar completamente o meu dia, aliás, a minha vida, aliás, as nossas vidas. Eu continuei meu trabalho, enquanto pensava no que estava rolando ali. Aquela mulher me amava. Ela estava na minha. Com meu charme e carisma, o peixe caía na rede. Era inevitável. Sara não podia resistir. Todas as células de seu corpo me desejavam, me queriam. Sara seria minha esposa. Teríamos um belo apartamento - melhor do que aquele em que ela morava -, com sala grande, móveis modernos, quarto aconchegante e um banheiro espaçoso com uma jaccuzzi, onde faríamos as maiores loucuras de amor.

Depois deste episódio que deu início a nossa bela história de amor, eu via Sara quase todos os dias, invariavelmente no mesmo horário, de manhã quando esta ia para o trabalho e no final da tarde quando ela regressava. Como tanto ela quanto eu trabalhávamos muito, não tínhamos tempo de sair, e nossos encontros se resumiam aos momentos em que estávamos no elevador. Uma semana depois que nossa história começou, numa terça-feira, Sara entrou em meu elevador, mais sorridente do que nunca. Mas estava acompanhada de um homem. O homem era alto, de porte atlético, atraente e que vestia-se totalmente de branco. Para ser sincero, era muito bonito. Até eu me senti atraído por aquele sujeito. Enquanto o elevador subia, ambos conversavam e riam. Senti a raiva crescer dentro de mim quando o homem apoiou suas duas mãos no ombro de Sara. Só não o agredi ali porque precisava daquele emprego. Os dois saíram do elevador. Quase duas horas depois, entrava em meu elevador, no décimo segundo andar, o mesmo homem que acompanhava Sara, mas desta vez sem ela. Por algum motivo, para mim aquele homem tinha cara de Válter.

"Válter, o negócio é o seguinte: eu não gostei do jeito que você se comportou com a minha garota. Se você não sabe, eu e Sara nos amamos e vamos nos casar no início do ano que vem e não é um sujeitinho à toa feito você (nesta parte de meu delírio eu cheguei a me ver apontando o dedo no peito de Válter) que vai estragar essa história bonita que estou escrevendo com ela."

Válter saiu do meu elevador, quando chegamos no primeiro andar. "Isso, suma daqui antes que eu dê um chute nesse seu rabo!"

Como que para me irritar, no dia seguinte, praticamente no mesmo horário, Sara e Válter voltaram a entrar em meu elevador. Até mesmo a roupa de Válter era a mesma. Eu não podia acreditar na petulância daquele sujeito, que ousava me desafiar. Mas eu ia ensinar uma lição para ele. Ah, se ia. Mas o fato é que Sara estava sorridente. A quem eu estava tentando enganar? Não sei quando se deu isso tudo, mas em algum momento nossa relação se esfriara, e no momento de maior carência afetiva de Sara, Válter aparecera na vida dela. Ela gostava da companhia daquele sujeito. Quando chegaram ao décimo segundo andar e saíram do elevador, uma senhora entrou, a dona Gertrudes. Na minha cabeça a senhora Gertrudes se chamava Nicete Bruno, pois ela se parecia muito com a atriz homônima. Nicete Bruno anunciou o terceiro andar. Enquanto descíamos, minha mente estava a mil. O que acontecera entre Sara e eu? Como as coisas puderam chegar naquele ponto? Depois de todas as juras de amor que fizemos um para o outro, depois de tudo o que vivemos um com o outro, ela me trocara por aquele Válter. Afinal, o que é que esse Válter tem que eu não tenho? Eu sou um homem bom, honesto, romântico, atencioso, carinhoso e trabalhador. E esse Válter? Tá, ele é médico, ponto pra ele. Mas o que mais? Hein, me diga, o que mais? O que mais Sara? SUA VACA!

- Olha como você fala comigo, mocinho! Eu vou convensar com seu superior! - disse-me Nicete Bruno, visivelmente nervosa, ao mesmo tempo em que saía pela porta que acabara de se abrir. Fechei a porta do elevador, continuando frustrado o meu trabalho. Ao anoitecer, Sara entrou em meu elevador, muito bem vestida. Sua indumentária era de primeira. Usava um vestido vermelho (a cor do amor) até os joelhos, com uma faixa na cintura, que acentuava sua silhueta. Usava um salto alto, que além de salientar sua elegância, também salientava seu quadril, empinado. Além disso, tinha uma discreta carteira a mão.

"Vai para uma festa, meu amor? Vai para uma festa, sua vadia, sem-vergonha!? Sara, o que eu te fiz até agora, além de lhe oferecer amor?" - o rosto de Sara permanecia desprovido de emoção - "Sara, você não pode ser assim tão cruel, depois de tudo o que eu te fiz... E o que você me disse, que queria me dar filhos para dar continuidade ao meu nome? Você disse que queria ter vários filhos, correndo e brincando pela casa. 'Pelo menos dois casais', você disse! E as viagens pelo mundo que faríamos juntos? E a promessa de vivermos juntos até que a morte nos separe? Foram todas palavras vazia para você" - Sara, ainda séria, encaminhou-se para fora do elevador - "Sara, espere aí, me responda! Sara! Sara!" - mas ela se fora.

Cerrei a porta, juntamente com meus pensamentos. Foi naquele instante que percebi: mulher é tudo igual. Todas as que se aproximavam de mim o faziam sempre com interesse. Eu estava cansado de não ser valorizado simplesmente pela pessoa que eu era, mas sempre pelo que eu tinha. O madilto capitalismo! Mas em poucos minutos eu fiz uma resolução: daqui em diante, eu serei um homem solteiro. Não quero mais saber de mulher. Pode se arrastar aos meus pés, pode vir pintada de ouro, que eu não quero! De agora em diante, para mim mulher é só pra curtir. Usar, zoar, jogar fora e descartar. Querem se aproximar de mim com interesse? Então eu farei o mesmo com vocês, mulheres do mundo! Me querem por causa do meu carro? Então eu as quero por causa dos seus corpinhos e só! Só que antes que pensem em tirar proveito de mim, eu já terei tirado proveito de vocês, mulheres! E vamos ver quem é que usa quem...

No dia seguinte, mais uma vez, no mesmo horário, Sara e Válter entraram em meu elevador. Mas desta vez, para minha surpresa, o clima era diferente. Silêncio total. Na metade do trajeto, uma discussão. Sara estava brava com Válter. Percebi pelo tom de voz dele, que estava alcoolizado. Sempre o velho álcool. A fonte primária de todos os problemas do mundo. Quando o elevador chegou no décimo segundo andar, Sara disse, enquanto levava a mão a testa: "Por favor Euclides, hoje eu não tô boa pra conversa, vamos deixar pra falar sobre isso outra hora. Acho melhor você ir pra sua casa, pois eu tô afim de ficar sozinha agora."

Mal pude disfarçar a surpresa e o prazer que me dera ouvir aquele diálogo. Na certa Sara percebera o erro que estava cometendo, ao me trocar por aquele coisinha à toa do Válter. Eu sabia que Sara era inteligente. Cedo ou tarde ela veria que estava cometendo um grande erro e voltaria para os meus braços. E eu a receberia de volta, a perdoaria e seria bom para ela. Daria a vida por ela, moveria céus e terra pela felicidade dela. Se ela quisesse, lhe compraria o mundo. Foi com prazer que vi um cabisbaixo Válter sair cambaleando do meu elevador.

Minutos mais tarde, Sara voltava para meu elevador. Ela não me dirigiu palavra. Sorri comigo mesmo. Ela estava reunindo forças para me pedir perdão. Provavelmente, seu orgulho (Sara sempre fora muito orgulhosa) estava dificultando dar o passo inicial. Tudo bem amor, eu espero. Sei que não é fácil pedir perdão por um erro grave. Olhei para ela enquanto descia. Ela colocou a mão na garganta. Bem se via que o esforço para falar era gigantesco, pelo gesto que fizera. E de repente, o impensável aconteceu: Sara vomitou no chão do elevador, para minha surpresa. Naquele momento tudo ficou claro para mim. Eu ia ser pai! Oh meu Deus, a mulher que eu amava estava esperando um filho meu, íamos ter um fruto visível do nosso amor, alguém que daria continuidade ao meu nome! Eu nunca me senti tão feliz. Foi com um sorriso no rosto que amparei Sara, que pediu imediatamente que a levasse de volta para o décimo segundo andar, pois queria deitar. Fui solícito, atendendo a todos os pedidos de minha amada noiva, ao mesmo tempo em que perguntava se não queria mais nada, que chamasse um médico (exceto Válter) ou lhe fizesse alguma outra coisa. Com a mão na boca, Sara pediu desculpas pela sujeira no chão e saiu do elevador. Não precisa pedir desculpas meu amor, por você eu limparia isso até mesmo com a língua. Você acaba de me fazer o homem mais feliz desse mundo. Agora descanse, que depois temos muito o que conversar, temos que pensar no enxoval do bebê, no nosso casório, etc.

Alguns minutos depois, já com o elevador limpo, eu continuava meu trabalho, com um largo sorriso que não me cabia no rosto. Foi quando Nicete Bruno apareceu no elevador com meu superior, dizendo: Foi ele quem me chamou de vaca, seu Fulano!

Ainda com um sorriso no rosto, fui conduzido a sala de meu superior, que teve uma rápida conversa comigo. E ele ficava furioso quando olhava para meu rosto e me via sorrindo. Acho que é porque ele é do tipo que não gosta de ver a felicidade dos outros. Ele me fez pedir desculpas para a Nicete Bruno e disse que mais uma daquelas iria me demitir. Eu o agradeci. Não me importava muito também. Mesmo que ele me demitisse, eu arrumaria outro emprego, nem que não fosse tão bom como aquele, só para oferecer uma vida boa para Sara e para meu filho homem. Isso mesmo, eu já tinha certeza que ia ser um macho, como o pai.

Voltei para a hora final de trabalho, que fora interrompida para esta conversa com meu superior. Hora esta que passou rapidamente, tamanha era a felicidade que me consumia. Fiz uma última viagem, levando uma mulher tagarela que não parava de falar ao celular. Nem prestei atenção ao que ela dizia. Pensei em passar no apartamento de Sara, mas achei melhor não fazê-lo. Era evidente que ela queria ficar sozinha. No dia seguinte eu passaria lá, lhe traria flores e a pediria em casamento. E seríamos o casal mais feliz do mundo. Bati o cartão e me encaminhei para o vestiário. Tirei meu uniforme. Cantando, me encaminhei para o estacionamento do prédio. Peguei minha bicicleta, feliz da vida. Eu estava amando. E era correspondido...

Conclusão

Jéssica entrou no elevador no sétimo andar, enquanto falava ao telefone. Rapidamente, indicou o décimo segundo andar, para o atoleimado ascensorista. Por algum motivo, aquele patético sujeito sempre ficava rindo sozinho. Sujeito estranho. Bem, isso também não importa. A amiga lhe falava ao telefone. Isso era engraçado, apesar de morarem no mesmo prédio, se falavam por telefone. E isso era mais engraçado ainda porque ela se dirigia justamente para a casa da amiga. O fato é que queriam conversar. A amiga contou-lhe que trabalhara o dia inteiro sentindo-se mal e não comera nada além de um salgado. No fim do dia, o resultado: vomitara. Agora estava deitada na cama de seu apartamento, passando mal. E ela iria lá para fazer companhia a amiga. Para piorar, Euclides, o irmão de sua amiga, que quase não falava com Sara, tentara reatar o relacionamento - há muito tempo abalado - entre os dois irmãos. Pelo que Sara lhe contara, Euclides era enfermeiro, mas sempre teve sérios problemas com o álcool. "Sempre o velho álcool. A fonte primária de todos os problemas do mundo.", pensou Jéssica. Segundo Sara, nos últimos dias Euclides reaparecera do nada e mostrara-se bondoso e mudado. Mas logo, ele mostrou suas garras. Se aproximara de Sara com interesse. Estava duro. Precisava de grana. Grana para sustentar seu vício. Sara descobrira que Euclides, apesar de usar o típico uniforme de enfermeiro do hospital em que trabalhava, fora demitido fazia duas semanas. E o motivo, é claro, fora o álcool. Ele a enganara, em busca de dinheiro, em busca de ajuda. Ele nunca quisera ter um relacionamento saudável com a irmã, apenas usá-la. A irmã era a única pessoa que ele tinha no mundo, uma idiota a quem recorrer nos momentos de dificuldade. Sempre fora assim, contara-lhe Sara. O elevador parou. Jéssica disse para a amiga no telefone que ia desligar pois já estava chegando em seu apartamento. Lá continuariam conversando, Jéssica cuidaria da amiga, até ela se sentir melhor. Sorriu mais uma vez. E saiu do elevador.

Publicado originalmente no blog Pra Gente Rir, no endereço: http://pragenterir.blogspot.com.br/2011/12/o-ascensorista.html