MENINOS DE RUA: A FERIDA

Correu desesperadamente com a mão na barriga. A curvatura do corpo denunciava o mal. Uma chaga fora aberta em seu abdômen. Pequeno, seu instinto de sobrevivência se desmanchava em lágrimas. Doía, doía muito. O menino olhava pro céu apertando a barriga e cambaleante continuava a correr. Os gritos de dor arrepiavam até as inertes pontes que cruzam a cidade de um canto a outro. Os transeuntes atônitos paravam para olhar a cena sombria naquela manhã.

Seus passos deixavam um rastro vermelho pelas calçadas da cidade. Outras calçadas tiveram suas pinturas trocadas pelos pincéis rastejantes. O sol ardia, queimava aqueles pequenos pés mancos. O grito engasgado saía junto com soluços intermitentes. A distância percorrida não dava-lhe destino certo. Nem ao certo sabia para onde ir.

A violência urbana fez mais uma vítima. O que era velocidade tornou-se lentidão. Nem um socorro. Estava sujo de cinza e vermelho. Não havia espaços em carros luxuosos que passavam raspando o pequenino corpo. As lágrimas começaram a secar. Transformaram-se em cristais. A dor doída lá dentro do corpo decepava tudo. Agonizante tentava outros gritos. Já eram outras pessoas a sentir arrepios, outros carros a passar, novas dores, cada vez mais fortes, mais humanas, num pranto só. Pranto pedindo socorro.

O rastejado chega ao fim. Não consegue mais falar, não consegue mais chorar. Em pleno sol, o moleque desaba. O mundo começa a girar e seus olhos infantis ainda enxergam tudo por perto. De repente se vê rodeado de gente estranha, gente que deixou-o cair, que deixou-o gritar, e agora vieram para se despedir. A respiração cada vez mais ofegante era dificultada ainda mais pela multidão que se aglomerava ao redor do frágil corpo e pelo gosto estranho de sangue.

Ali, enquanto todos pensavam que mais uma criatura iria desencarnar, abriu-se uma nova luz, uma nova vida. O moleque estendeu os braços pela última vez, tirou a expressão triste de si e se preparou para levantar. A outra mão, alguém que não simplesmente se incomodou com o desespero, mas sim, sofreu junto com aquele magro corpo, caindo. Depois surgiram outras mãos que o suspenderam, que o tiraram dali. Eram outras crianças, mas crianças de ruas, de outras ruas, de outras vivências, de outras vidas. Foi a vontade de viver que devolveu o ânimo ao pequenino.

Levaram-no suspenso. Sentia um novo pingo de felicidade. O socorro chegou...

Zé Beto
Enviado por Zé Beto em 25/04/2007
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