MARIA NO QUARTEL DE ABRANTES
Hoje Maria acordou assim, meio fora do tempo. Já era sem tempo, e o relógio batia depois das 11 da manha. Algo sui generis – acordar na hora de almoçar. Desce as escadas, ainda meio ao som das luzes, clarões e barulho de rojões da noite anterior. Da porta de vidraça, assiste o olhar assustado dos cachorros, assim, meio quem a pedir colo. E o almoço fez-se café da manha. Olha para um lado, olha para outro lado e a cidade parece ainda dormir. E aquele mormaço do dia quente se mistura ao cheiro de pólvora que exala no ar. Relembrando os momentos passados - os pássaros parecem também terem trocado a noite pelo dia. E suas cantorias estão silenciosas, como que, um suspense no ar. Liga a TV e a programação é a mesma de todos os dias. Olha a mesa após tomar café e tem preguiça de recolher. Mas, por instantes, a mesma preguiça vai embora. Abre a geladeira e começo a desfazer a mesa. Em questão de segundos tudo estará limpo, com tudo na cozinha organizado. Maria abre a porta da rua - e percebe que a noite não foi fácil para os cinco cachorros que ouviram os fogos - sozinhos. Tudo revirado - Agora é hora de acolhê-los, um a um no colo - sente seus corações ainda acelerados, porem agora mais confortáveis com o aconchego de Maria. - Não se assustem, era apenas a anunciação do novo ano. Relaxem! E eles pareciam entender. Ufa! Ainda bem que só daqui a um ano. Diante da calmaria, nada melhor que um banho para revigorar o corpo e o calor infernal daquele primeiro dia do ano de mais uma vida. - Maria sai do banho e aquela duvida lhe assombra - que roupa vai vestir? Ah já sei! O biquíni - para ficar bem à vontade em casa, e quando o calor bater Maria já estará pronto pra cair na piscina, igual o dia de ontem, afinal, férias são feiras.
Ah! O biquíni esta lá embaixo, na lavandeira. Maria enrola-se na toalha e desce a escada, ainda meio ao teor do champanhe e das músicas dos anos 80 que dançou na noite anterior. Passou em frente da TV ligada e nada mudou. Opa! Algo diferente - a apresentadora daquele programa matinal de variedades estava trajando um vestido branco de rendas. Igual aquele que Maria comprou nas lojas Renner. E um leve sorriso, aparece em sua face. Sim é engraçado! Será que ela também parcelou? Não sei, mas uma coisa Maria teve a certeza. A apresentadora também tem bom gosto. Maria nessa hora dá uma olhada na cozinha e vê tudo arrumadinho.
Ahhhhhhhhhhh! É mesmo! Ontem teve a mega sena da virada! Quem sabe Maria é uma das ganhadora!
Não, não! Não foi ainda dessa vez. Dois números apenas não se fazem ganhadora.
Que vale isso!
Maria nem saberia contar tanto dinheiro assim! Pelo menos aquela apresentadora estava com um vestido igual ao de Maria e sua cozinha estava arrumadinha.
Maria sobe as escadas, olha para o criado mudo e pensa: De hoje não passa! Tenho que terminar de ler esse livro, hoje, para cumprir o projeto de ler um livro por mês. É, falta pouco! No final da tarde vou deitar na rede, e assim dou continuidade.
Chega ao quarto de hospede é vê a cama totalmente cheia de coisas desovadas, cheia daquelas coisas que naquela ultima semana tudo era jogado ali e em pensamento dizia: deixa aqui que depois eu guardo. Que viagem! Vai ate o guarda roupa e lembra que também adiou a organização.
Tá bom! Tá bom!... De agora não passa - mãos a obra. E devagar, lentamente, começa a arrumar o guarda roupa, assim meio que em silêncio um silêncio quase ensurdecedor - vê o tempo pela janela, a se fechar. E uma aragem de tempo chuvoso vem abrandando a euforia das festas dos dias anteriores. Todos dormem e Maria se sente sozinha. Já sei! Pensa Maria! Liga o computador, e acessa os clipes daquelas musicas da noite anterior, como quem a querer dar continuidade para aquela festa. Fecha a porta do closet para não acordar a casa que ainda dormia. E assim, em questão de segundos seu guarda roupa esta arrumado. Cores com cores, peças com peças. E do lado, um cesto de descartes para doação. Será que tem que queira? São peças boas. Apenas, um número a menos dos de Maria.
14h30min da tarde, termina de arrumar o guarda roupa e se desloca para aquele quarto de hospede, cheio de coisas em cima da cama. É, agora é tua vez! Sente certa preguiça. Mas, agora, daquele instante não passa... Em questão de segundos tudo esta arrumado. E que hora! Maria olha para a prateleira e vê o álbum de fotografias convidando Maria a não esquecê-lo. E Maria, pela enésima vez se rende ao convidativo álbum de fotografias. Se rende - todos estão lá ainda lá, com cara de porta retrato. Apenas, o olhar de Maria continua a mudar em sua volta ao tempo. Mas um barulho na casa volta Maria para a realidade. - A porta do banheiro a se fechar, dá sinal de que a casa esta a despertar. Maria se dá conta de que ainda não sabe o que vão almoçar. Ainda deitada naquela cama de hospede, com o álbum de fotografias a lhe mirar, dá um sonoro bom dia a quem esta a despertar. Olhem! Tome seu café mesmo que já tenha passado a hora de almoçar. Daqui a pouco faço uma jantinha leve, pois hoje é feriado... É dia de relaxar. Se não querem café, comam frutinhas, tem suco pronto... Não esqueçam que a cozinha esta arrumada... Arrume tudo, também o que usar, para começar um ano bem organizado. Maria escuta um sonoro. Ta bem! Sua chata! Nem me deseja um feliz 2014 e já esta a me cobrar que mantenham tua cozinha arrumada! Eu ainda nem acordei e o ano nem começou ainda... Tá bom seu desnaturado! Feliz 2014 e nada de me enrolar! Não vai ser por isso que vai querer minha cozinha bagunçar! Maria, agora a mirar a janelas – as mesmas janelas que por lá passam as tantas vidas de Maria – que vê o tempo fechar-se em sol e chuva que exalam o cheiro da terra daquela tarde de verão.
Mais uma vez, no silêncio daquele quarto, Maria volta os olhos para suas mãos e adormece por cima daquelas vidas congeladas naquele álbum de fotografias. Adormece em sonhos, voltando ao tempo em porta retrato. E tudo voltará como dantes no quartel de Abrantes e Maria continuará a escrever pela vida como forma de não esquecer-se. Feliz Ano Novo
Albertina Chraim