Terezinha

TEREZINHA

Terezinha era sem igual, morava a pouco tempo na capital, tudo era novidade para ela. Era acostumada com a vida simples em todos os sentidos, estudou em colégio de freiras e sua educação foi fundamentada nos pilares da religião e disciplina.

Diante do desastre que foi o casamento dos seus pais que culminou com uma separação dolorosa para todos os envolvidos inclusive ela e um irmão que também foram separados, Terezinha optou que não iria casar-se, se dedicaria unicamente a vida religiosa, esta opção teria sido feita aos 11 anos e na escola que estudava só moças eram admitidas.

Recebeu ótima educação, mas com o tempo despertou a atenção para assuntos que envolviam a sexualidade, a presença masculina começou a lhe causar alguns arrepios e foi assim que conheceu o Ivanildo. A família foi contra, a tia não quis muita conversa, afinal, os planos que envolviam a sobrinha era a de um bom partido, e o Ivanildo necessariamente não representava um bom partido.

O casamento realizou-se a contra gosto da família e devido as dificuldades de emprego resolveram mudar-se para a capital onde haviam mais possibilidades de prosperar e, movidos por este desejo, ele viajou ficando em casa de amigos, conseguiu trabalho, era muito intelectualizado, conhecia profundamente as ciências contábeis e logo passou de Assistente de Departamento a chefe, viajava sempre e sentia-se a vontade com a vida agitada da capital.

A Terezinha veio depois e encontrou dificuldades na adaptação ao clima, costumes, modo de falar, comportar-se, ela achava tudo estranho e vulgarmente falando parecia um “peixe fora d’água”.

Num dia desses, lá estava ela extremamente preocupada e por que não dizer aflita, tinha sido convidada para uma festa mas não uma festa qualquer, na verdade se tratava de uma confraternização oferecida pela empresa onde ele trabalhava, é prática comum nos finais de ano.

O dilema era que roupa usar? Suas roupas eram surradas, fora de moda. Fez alguns comentários com o marido sob sua crescente preocupação ele não deu muita importância.

- Ah! Querida não se incomode são poucas as pessoas que vão á festa e depois vão interessados nos comes e bebes. Não é festa de casamento.

Mas, de qualquer forma, vou deixar uma quantia para você ir ao centro comprar uma roupa nova, no entanto, tenho um pedido:

- Qual? Disse ela com curiosidade.

- Vê se você não compra aqueles modelitos cafonas que em nada combinam com você! Compre roupas mais bonitas, você é uma mulher de 20 anos, não uma idosa de 80.

Ela o olhou e esboçou um sorriso mas assim que ele saiu tomou a quantia e pensativa concluiu que o esposo não gostava das roupas que ela costuma vestir.

Nunca foi mesmo ligada em moda, o básico era o ideal, mas ia tentar.

Vai ver que ele deve observar as outras, as moderninhas por aí.”É melhor tomar cuidado”, Pensou consigo mesma, mordendo os lábios.

Não tardou e lá estava no centro fazendo compras, ou melhor, tentando comprar uma roupa bonita para ir à festa, lembrava sempre das palavras do marido, isso lhe dava uma aflição.

Quando estava na loja uma moça alta, esbelta, muito elegante entrou, ela vestia-se muito bem, uma bermuda relativamente curta rosa e uma blusa leve com sapatilhas e meia calça preta! A graciosidade dela era de parar o trânsito. Era bela no movimento dos cabelos, na expressão do rosto. Arrancava suspiros e olhares masculinos. Terezinha ficou observando aquela moça e decidiu: “Vou me vestir igual a ela, assim não terei medo de errar na escolha e modesta parte posso até parecer mais bonita.

Dirigiu-se a atendente e disse firmemente:

- Moça, gostaria de comprar aquele modelinho que está na manequim lá na frente, um rosa.

A moça subiu as escadas e, na última prateleira estava um idêntico.

Ela nem precisou fazer algum esforço para convencer a cliente a comprar, Terezinha verificou o tamanho, o preço, pediu um par de meias finas pretas.

A balconista ainda perguntou se era para presente! Ao que ela respondeu:

- É sim, mas não precisa embalagem especial! Por que é para me presentear.

- Ah! Ótimo, respondeu a balconista. Pode dirigir-se ao caixa e retirar aqui mesmo.

Terezinha pagou, retirou o produto e ficou de certa forma extremamente satisfeita, tinha sobrado algum dinheiro, foi a uma loja de utilidades e comprou alguns talheres, potes e, numa prateleira, deu de cara com um penico, é isso mesmo, “um penico”. Mas achou melhor compra-lo, afinal, morava num corredor de quartos e o banheiro era único para três famílias, além do que era muito desconfortável sair a noite em meio a chuva, para ir ao banheiro. Pensou um pouco mas não demais, a loja já estava fechando, ela se apressou e, dentro do carrinho, colocou o penico disfarçadamente, o que lhe chateou mesmo foi a embalagem que a moça do caixa lhe forneceu, uma sacola transparente onde se via com nitidez todos os produtos que comprara! Pediu que lhe desse uma outra para que pudesse revestir suas compras!

O penico ficou a mostra e ela teve que andar até o ponto de ônibus, sentindo-se constrangida. Ao tomar a condução estava exausta, tinha andado a tarde toda nem se dera conta do passar das horas.

Visitou várias lojas, quase nada comprou, mas ficava decerto encantada com o que vira. Tudo parecia novidade para ela.

- Meu Deus! Quanta coisa bonita pensava deslumbrada.

Quase ficara sem o dinheiro da condução comprara ainda papel toalha e cevada, estavam na promoção; acomodou as sacolas e, como a viagem era relativamente longa, ela começou a fechar os olhos, as pálpebras ficaram pesadas, parecia embalada por uma cantiga de ninar, de vez em quando abria os olhos e constatava que ainda estava distante.

De repente, o vozerio e risadas se acentuaram dentro do coletivo. Ela acordou num sobressalto e escutou perfeitamente quando um rapazote gritava:

- De quem é este penico? Ele pagou a passagem? Está rolando dentro do ônibus. Ria compulsivamente e o pior, não ria sozinho.

Terezinha olhou para sua sacola que tinha revirado, na certa ela adormeceu e com o balanço do ônibus, logo o penico havia saltado da sacola e estava a rolar pelo corredor do ônibus.

Meu Deus, pensou ela! Vou fingir que não é meu, se alguém perguntar eu nego. Mas ao mesmo tempo pensava, como posso deixa-lo aqui, não posso, preciso dele e se não tiver dinheiro para comprar outro logo, vai me fazer falta.

Vou deixar para apanhá-lo quando todo mundo descer, no ponto final eu o pego de volta.

Mas descer no ponto final teria que andar muito para chegar em casa. O ponto era longe, já estava anoitecendo, era perigoso, sozinha por aquelas estradas, tomou coragem, levantou-se agarrando nas poltronas e lá estava ele, agora parado bem próximo a catraca, baixou-se, pegou o penico e retornou ao assento, colocou na sacola transparente, os passageiros a olhavam mas os sorrisos cessaram, o rapazola ainda a fitava cinicamente tentando conter a gargalhada.

Ela o encarou e ele desviou o olhar.

Chegando ao seu destino, ela desceu e dirigiu-se para casa e fez um café. Aguardou o Ivanildo, assim que ele chegou foi ao banheiro, lá estava o papel toalha no lugar do papel higiênico e ao tomar o café não suportou, cuspindo tudo fora, o gosto era amargo.

- Que café horrível.

Terezinha provou.

- Horrível mesmo, por isso estava na promoção, este café é cevada.

- Cevada não é café Terezinha, e aquele papel toalha no banheiro, é obra sua também?

- Estava na promoção, ora essa! Comprei outras coisas, dentre elas um penico.

- O que?

- É, por que o espanto? Só que o desgraçado rolou por dentro do ônibus enquanto dormi, estava cansada, comprei a roupa da festa e sobrou um pouco de dinheiro, foi quando entrei numa loja de utilidades e lembrei que precisava de um penico, com esse banheiro aí para mil pessoas usarem, fica difícil, a noite preciso ir ao banheiro, às vezes está chovendo. Ah! Você sabe? A moça ainda colocou numa sacola plástica transparente e, no ônibus ele rolou, você não imagina o vexame.

Ivanildo ria sem parar, levantou-se e colocou a mão na barriga de tanto rir.

Terezinha ficou corada. Não disse nada, recolheu-se. A confraternização seria no dia seguinte. Grande era sua ansiedade.

Acordou-se cedo, fez uma arrumação na casa e, chegada a hora tão esperada estava ela no quarto que era separado por uma cortina vermelha que dividia a sala, onde uma simples cama de casal e um espelho formavam a decoração daquele quarto singelo, a simplicidade dava um toque sutil que parecia emanar um aroma de flores, que perfumava o ambiente.

Terezinha tomou a roupa que havia comprado e vestiu-se caprichosamente. Estava com uma meia preta que ia até a cintura, um short e uma blusinha regata com florzinhas.

O marido a olhou com espanto, algo estava errado naquela roupa. Mas decidiu se calar, não fazer nenhum comentário.

Asseverou:

- Bem, vamos indo.

Ela estranhou que ele nada falasse, não criticou, nem elogiou.

Ao chegarem a festa onde estavam os colegas da empresa, eles olharam e entreolharam-se, havia risos nos seus olhares e sarcasmo na expressão.

Disfarçaram e continuaram a conversa, à diversão.

A festa se dava numa casa de um dos funcionários, o ambiente era muito agradável, logo Ivanildo ficou à vontade.

Uma senhora olhava constantemente para Terezinha, vez ou outra ela vinha trazer petiscos e fitava a moça como se quisesse dizer-lhe algo.

Intrigada Terezinha disfarçadamente a seguiu e deu na cozinha.

- Deseja algo? Perguntou a senhora.

- Não obrigada. Respondeu Terezinha.

- Me desculpe mas, desde que chegou que a observei e, se não ficar chateada, gostaria de lhe fazer uma pergunta.

- Pois não! Disse Terezinha curiosa.

- Por que veio a festa de pijama?

Ela se olhou perplexa. Depois, dirigindo o olhar para a mulher, respondeu:

- Não é pijama, imagine! Uma moça bonita estava com uma, não era exatamente igual mas bem parecida.

- Ah! Sim, talvez fosse em algum comercial de TV. Modelo será?

- Modelo? É devia ser.

- Mas é melhor trocar este pijama, ou baby dool.

- Baby o que?

- Ah, deixa pra lá. Esquece, se você está se sentindo bem, disse ela com ar de pouco caso.

Terezinha saiu dali cambaleante. Parecia que ia desmaiar, estava sentindo calafrios, quando sentiu uma mão na sua.

- Tudo bem querida? Está pálida.

- Miserável, por que não me avisou? Vamos embora.

- Mas o que houve? A festa começou agora, por favor o que deu em você?

- Você me deixou vir a festa de pijama?

- Eu? Você foi quem comprou esta roupa e fica chateada quando eu falo algo, não aceita que eu lhe sugira algo.

- Foi justamente sua sugestão que me fez pagar este mico. Seu, seu idiota... Quero me separar de você.

Ele a seguia tentando acalma-la, mas achou melhor irem embora, antes que aquela discussão se transformasse num escândalo.

Tomaram o coletivo de volta para casa. Um colega quis saber o que houve.

- Dona Esmeralda, o Ivanildo e a esposa foram embora sem se despedirem, a senhora sabe o que aconteceu?

- Não sei nada, mas é que aquela moça esquisita veio de pijama à festa, apenas comentei, acho que ela não gostou.

Gente esquisita essa da cidade grande, inventa moda. Quem já viu? Vir a uma festa com roupa de dormir?

Disse ela fazendo aceno com ar de quem não entendia nada.

Polly hundson