O VEXAME DO PAPAI NOEL
Conto de Gustavo Carmo
A ceia estava na mesa. Panetone, nozes, castanhas, peru, chester, tender, pernil, lombinho, farofa e maionese estavam postos, assim como as frutas cristalizadas e as naturais, como abacaxi, maças e ameixas. Os convidados, reunidos desde as nove da noite, começavam a se sentar. Todos esperavam por Papai Noel.
Era uma família grande. O anfitrião da casa organizava a reunião pela primeira vez. Os três irmãos, duas mulheres e um homem, com respectivos cônjugues, estavam presentes. O segundo filho do sexo masculino do casal octogenário Normando e Etelvina era o próprio dono da festa, que também é o mais novo dos quatro filhos.
Alanaor viveu às custas dos pais até os seus trinta e quatro anos de vida. Passou no concurso de um banco federal há dois anos. No ano deste natal que organiza pela primeira vez foi promovido a gerente e ainda teve o segundo filho em fevereiro. Já tinha uma menina de três, apaixonada por Papai Noel. Ainda espera o terceiro que está no ventre de sua esposa e deve nascer no meio do ano que vem. Por isso, queria comemorar o ótimo ano que teve e pediu para organizar a festa em seu apartamento de três quartos no Engenho Novo.
Os outros três irmãos de Alanaor têm três filhos cada um. De todas as idades: adultos com filhos, mulher executiva, homem desempregado, homem vagabundo, adolescente rebelde, adolescente tímido, pré-adolescentes e crianças de cinco e oito anos. Alguns sobrinhos e sobrinhas levaram marido, esposa, noivos, noivas, namorados e namoradas. O tal homem vagabundo levou até uma garota de programa e disse que era apenas uma amiga.
Também estavam presentes os primos de Alanaor, os sogros, as tias, os tios dele e da esposa e até a avó centenária. Enfim, não dava para contar, mas devia ter umas quarenta pessoas no apartamento de três quartos de Alanaor no Engenho Novo.
Já era uma da manhã, os convidados terminavam de comer a ceia. Alguns começavam a repetir a sobremesa e nada do Papai Noel aparecer. A árvore de dois metros e meio, enfeitada por centenas de bolinhas verdes, vermelhas e azuis, reluzia desde as sete horas da noite. A mulher de Alanaor começou a ficar preocupada com o Papai Noel que não chegava.
Quando ela já ia ligar, eis que chega o bom velhinho. Toca a campainha e saúda a todos os presentes na festa:
— Ho, ho, ho! Feliz Natal!
As crianças sorriem. Os velhinhos também. Os adolescentes observam com desprezo, pois não acreditam mais em Papai Noel.
— Ho, ho, ho... hic!
O soluço de Papai Noel desmascarou uma desconfiança que a cunhada de Alanaor já havia percebido desde que ele entrou cambaleando na sala.
— Ho, Hic, Ho, Hic! Feliz... (hic!) … Natal (hic)!
Papai Noel já tropeçava pela casa. Viu uma das sobrinhas de Alanaor e tascou-lhe um beijo na boca.
— Feliz Natal e... pô, não tem mais uma cervejinha aí, não?
A alegria da família de Alanaor já estava trocada pelo medo, preocupação, susto e revolta. A vergonha aumentou quando ele vomitou sobre a mesa de centro.
— Ops! Desculpa! Diz o bom velhinho com a voz enrolada de tão bêbado.
A esposa de Alanaor tentava disfarçar o constrangimento perguntando pelos presentes:
— Vamos distribuir os presentes, né, Papai Noel?
— Vamo sim, gostosa!
E o Papai Noel abriu a sua sacola vermelha e distribuiu, ou melhor, arremessou balas, chocolates, cereais, goiabinhas, sabonetes de motel, roupões molhados, preservativos, sutiãs, cintas-liga, meias-calças, calcinhas comestíveis, uma garrafa de cachaça pela metade, seringas, um pedaço de espelho, um canudo, uma lâmina de barbear e um pó branco que estava longe de ser um talco.
Alguns convidados retiraram-se revoltados, jurando nunca mais freqüentar a casa de Alanaor. Dois irmãos e cunhados do anfitrião romperam com ele. As crianças soluçavam de tanto chorar. Os pais e os tios do dono da casa quase enfartaram. Namoros, noivados e até casamentos foram terminados na noite de natal organizada por Alanaor. Houve muita confusão e até pancadaria. Os vizinhos do prédio e também da rua correram para ver. Metade das quarenta pessoas foi parar na delegacia. A imprensa foi chamada. O Papai Noel bêbado fugiu.
Dois dias depois, Alanaor entrou na justiça contra a conceituada agência de eventos natalinos que contratou para mandar um Papai Noel com presentes de verdade e ganhou a causa em setembro do ano seguinte. Ganhou uma milionária indenização por propaganda enganosa, constrangimento ilegal, além de danos morais e materiais pelo Papai Noel embriagado que recebeu em sua casa.
No ano seguinte, Alanaor já havia sido perdoado pelos parentes e ganhou uma nova chance para organizar a festa de natal de sua família. Desta vez, ele mesmo foi o Papai Noel e distribuiu presentes caros para si mesmo e todos os convidados, que desta vez foram uns sessenta.
Foi o melhor natal organizado por Alanaor, que com a sua esposa, aprendeu a nunca mais terceirizar o Papai Noel.
Inspirado nos contos “Um Feliz Natal Sincero”, “A Família Reunida no Natal” e “Nesta Noite de Natal”, de Eduardo Oliveira Freire.