A MORTE DO POETA

Sentado na escrivaninha do seu quarto,com o lápis entre os dedos e um olhar perdido no canto do teto,tentava ele mais uma vez buscar um objeto-modelo para a criação do seu mais novo conto.Como bem gostava de produzir,sempre ao nascer da noite.Tendo como grande paixão a produção de contos,antes desse,só perdia para a produção de poesias,na qual era a sua eterna fortuna.Para que pudesse fluir melhor no ambiente,um desconcertante malabarismo fez,esticando a ponta de um dos dedos dos pés graúdos,de unhas bem feitas,cortadas na tarde anterior em frente a porta de sua casa,abriu a janela de madeira enquadradas em vidros,simplesmente suspendendo o ferrolho só um pouquinho para cima,que olhando agora,pode ver alguns pontos estrelados no céu e abaixo dele,outras luzes,nestas,apenas as lâmpadas dos postes de seu lindo bairro,repletos de homens e mulheres decentes,trabalhadores e trabalhadoras.Era uma noite calma,silenciosa,já passava das 21:00hs.Em seu reduto,ainda quieto em movimento corporal,mas inquieto em pensamento,continuava ele buscando algo interessante para escrever em seu conto.Arrastou a cadeira,repousou a ponta do grafite na mesa e de vez,como alguém que cruelmente serra e derruba uma árvore,fez igual,despejando o instrumento na superfície horizontal e lisa,montada em gavetas simétricas.Levantou,foi até a cozinha,vasculhou o armário,pegou a leiteira,pôs dois dedos de água,abriu a caixa de fósforo,pegou um palito onde dentro da caixa só haviam 3 dele,acendeu,despejou uma farinha de café solúvel no copo,já quente a leiteira desligou em seguida o fogo,derramando uma quantidade bem pequena em cima daquela porção.Fez da mistura uma verdadeira alquimia,e toda bebeu.Queria continuar esperto,aceso.A noite e a madrugada para ele foi sempre um importante ambiente de produção.No seu pequeno espaço da casa,andou,de um canto ao outro e,ainda incomodado,foi até a porta da rua,abriu o portão e sentou no batente.Com as mãos suadas apalpou todo o short,desde os bolsos dianteiros aos traseiros,até lá em cima,na blusa,procurando algo,onde dessa forma explicada,achou,segundos após o que tanto procurava.Sua carteira de cigarro.Presenteada ou não pela desgraça que sabia que lhe provocara,ficou feliz só por saber que ali ainda haviam dois daquele objeto cilíndrico e pequeno,sim,o químico sólido,a instigação mais contemporânea mediocrizado pelo fato de devorar o que encontrara vivo,sim,só pelo fato de estar aceso.Isso tudo porque minutos antes pela alquimia líquida fora atraído.Lembrado da caixinha de fósforo,decorreu um pensamento versado e demorado: “Preciso ser perito em acender essa droga,pois,agora tarde da noite que é,não acharei uma bodegazinha aberta se quer,para comprar outra caixa de fósforo,caso,se com esses dois últimos palitos,não consiga acender esse maldito.”Com muita sorte e sagacidade,conseguiu,e daí por diante foram longos quase 10 minutos,degustando e saboreando cada centímetro daquele cigarro vaporoso,desaparecendo aos poucos entre os dedos do contista sério.Fumando as dezenas,centenas de milhares em abreviações químicas acumuladas umas as outras,sabia que por um bom período se sentiria extasiado,mesmo pelo pouco de humanidade que te restara. Aerio,cada cinza era despejada em um pires de tampa de margarina que usava improvisadamente toda vez como cinzeiro,formando ele,um pequeno castelo.Terminado o último trago,atentou-se ao final da brasa filosofando: "Em 10 minutos,podemos construir castelos enormes em nossa própria mente,basta nos permitirmos e questionarmos enquanto existência."Limpou todo o cenário,fechou a porta em duas voltas com a chave,apagou as luzes e retornando a sua busca antes interrompida,sentou-se novamente em frente à escrivaninha,em meia luz de abaju e lá ficou.Alguns minutos após aquela odisseia caseira,ouviu ele um estampido bem forte.Os olhos arregalaram-se,pensou em por a cara na janela,mas preferiu dar um tempo.Ainda em seu lugar,viu entre as frestas da janela,o descompasso e o desritmado das luzes da sirene de um carro da polícia saindo inescrupulosamente da comunidade,o que ainda mais o fez continuar ali parado.Passado o período de inércia,gritos de socorro,vozes de aglomerados falando ao mesmo tempo,choro,muito choro ouviu-se.Viu-se.Calçou o par de sandálias de couro,colocou um gorro preto na cabeça,girou as duas voltas da fechadura da porta e desceu para ver o que motivara todo aquele estardalhaço.Em frente a sua casa,ainda no meio da rua,entre a multidão pode ver os pés esticados da vítima,logo,viu que se tratava sim,de mais um assassinato,exclamando ele em seguida,bem alto:

-Mais um preto!

-Mais um preto!

Inconformado,pelas repetidas situações de crime no seu bairro e nada os órgãos fazerem para melhorar,saiu desgovernado pela noite,tentando entender ao menos o porque de tanta brutalidade contra o povo preto.Andou,andou,desorientado,não conseguia mais assimilar onde realmente estava e resolveu parar em qualquer lugar.O primeiro que visse na frente.Nos seus olhos,eram a própria pureza.Nos seus olhos,eram a própria indignação.Nos seus olhos,eram só lágrimas.Esquecido de tudo e esquecendo tudo ao sair de casa,percebeu que se encontrava impotente,pois não havia levado consigo seu aparelho telefônico,impossibilitado de ligar para alguém conhecido ou simplesmente receber ligação,mesmo que este ou esta fosse um qualquer,uma ligação errada,mas que,naquele momento te serviria de consolo ao falar da tragédia ao desconhecido,vista antes.Lembrou da namorada.Essa,que muito te dá conselhos.Deu uma pausa.Apalpou-se,dessa vez mais rápido pelo calor da situação.Sacudindo-se todo,nervoso,olhou para céu agradecendo:Obrigado!!!Havia achado dentro do bolso da camisa Polo cor azul,o último cigarro,junto a ele,a caixinha de fósforo com os últimos palitos,prontos para serem queimados vivos.Ainda sobre a namorada pensada antes,desejou muito que a mesma estivesse ali naquele momento para confortá-lo.Ela,uma mulher muito bonita,negra,bastante estudada,de posições firmes e muito esclarecida,moradora de outro bairro,que raramente aparecia na casa do namorado,pois antes disso,religiosamente ligava para o mesmo avisando.Sempre apropriada de um discurso afiado à cerca das questões raciais e sociais de contexto municipal,estadual e nacional,ela,nos diversos enfrentamentos em que participou,acumulou alguns desafetos,mas sempre no campo das ideias,uma vez que a minoria fora sempre representada pela elite da cidade,que com mãos de ferro e literalmente com "ferro" na cintura,desejavam continuar sendo os detentores dos espaços de poder,seja na cultura ou nos espaços empresariais,e ainda mesmo que fossem vistos como corruptos pela população,infelizmente essa mesma massa,foram as que no passado recente os elegeram.Com essa postura,ela jamais abaixou a cabeça ou expressou quaisquer forma de intimidação por parte desses,muito pelo contrário,sempre partiu pra cima.Sempre destemida!Ele,já convencido do destino daquele corpo esticado no chão de sua rua,resolve retornar para casa.Levantou a cabeça,fez uma respiração profunda sugando quaisquer outras tentativas de choro e seguiu em sentido a sua comunidade.A 100 metros do local onde aconteceu o fato trágico,algo de estranho passou a lhe tomar:seus braços passaram a ficar descontrolados,um suor pertinente tomou-lhes o corpo e seus olhos marejados cobrindo-lhes a face,despejava descontroladamente pérolas salgadas e bastante sentimentais.Já a 50 metros,percebeu que,além do corpo que se encontrava ali ninguém mais acompanhara o desfecho da situação,todos haviam ido para as suas casas.Outra observação tida por ele,foi que o Departamento de Polícia Técnica,se quer apareceu para isolar a área,fazer a práxis da perícia e recolher o cadáver.Às 02:00hs e a 10 metros do local,só com um lençol claro prendendo o corpo da vítima por 4 pedras grandes em suas extremidades,o contista se aproxima como quem deseja descobrir a verdadeira identidade daquele que horas antes estava vivo ali entre os seus iguais no bairro e a centímetros do corpo seguiu sua busca.Ele se abaixa,e com as mãos trêmulas vai até a extremidade superior,desenrola o lençol e só pela cor da pele,do volume do cabelo e do perfume singular,ainda pairando sobre a vítima,desaba no chão úmido junto ao corpo,sabido agora ali,tratar-se da mulher mais linda que um dia conhecera.A sua combatente,guerreira,amorosa e eterna amada.

MARCONI MACHADO MENEZES
Enviado por MARCONI MACHADO MENEZES em 21/12/2013
Reeditado em 26/12/2013
Código do texto: T4620820
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