O álcool e a salvação

Acordei de um sonho estranho. Deus me mandava procurar uma garçonete do Milk Mellow e dizer para ela me ajudar a parar de beber. Fiquei meio assustado. Ele nunca tinha falado comigo antes. Algo me dizia que tinha aprontado uma das grandes na noite anterior. Me senti compelido a ir na lanchonete cumprir Sua vontade. A imagem dela estava mais viva na minha cabeça que os últimos seis meses. Ela era loira, tinha o cabelo encaracolado até o meio das costas, uma pinta no rosto e sorria como uma tarde ensolarada de domingo. Reconheceria ela no meio de milhares de outras garotas.

Assim, apaixonado sem mesmo saber por quem, fui para lanchonete. Entrei olhando para todos os lados. Havia umas mesas e um grande balcão. Não estava muito cheio. Olhei para todos os lados de novo, e para fora. Ela não estava lá. Me senti mais idiota que o normal. O que eu estava fazendo ali? Sentei em uma mesa e uma garçonete se aproximou. Levantei a cabeça e era ela. Fiquei sem reação. “O que deseja?” Era perfeita. Tinha a voz leve como uma brisa e o cheiro doce do vinho. Ela usava um crachá com seu nome: Marta. “Vai comer?” “Sim, um hambúrguer e um refrigerante.” Não consegui falar outra coisa.

Saí de lá acreditando mesmo que tinha uma missão à cumprir. O que eu ia falar para ela? Bebi a noite inteira pensando nisso. Deus esta me levando até a garota da minha vida. Fiquei com medo de ir dormir. Como Ele me puniria pela minha covardia? Quando dei por mim, na minha cama, percebi que não tinha sonhado com nada. Com certeza Ele estava muito bravo comigo. Novamente foi no Milk Mellow. Vi a Marta de longe, pelo vidro. Senti aquela sensação de borboletas no estômago assim que pus os olhos nela. Mais uma vez um hambúrguer e um refrigerante. Mais uma vez não disse nada sobre o sonho e o pedido divino.

Envergonhado não fui para o bar. Resolvi não beber aquele dia. Cheguei em casa e fiquei sentado na sala. Olhei em volta e concluí: “Como eu poderia trazer ela aqui?” Então comecei a organizar tudo. Revistas no revisteiro, livro na estante, lixo no lixo. Depois fui para cozinha. Joguei umas panelas fora, uns pratos também e limpei o pouco que sobrou. Não senti vontade de tomar uma só gota de álcool. Só uma coisa passava pela minha cabeça. Fui dormir com um único pensamento: “preciso falar com ela!” Como eu ia fazer isso sem parecer um crente xiita ou um ex-viciado? Fui dormir rezando para que Deus me enviasse outra mensagem.

Levantei mais cedo que o habitual. Também estava mais disposto. Sem nenhuma ajuda celestial. Lavei umas roupas e arrumei meu quarto. Mais uma vez fui ao encontro dela. Hambúrguer e refrigerante. Nada de coragem. As palavras simplesmente não saiam. Foram longas duas semanas desta angustia. As borboletas no estômago agora pareciam urubus. Acordava cedo e ficava o dia inteiro me lamentando como um imprestável, me retorcendo no sofá. Ele nunca mais apareceu, e me senti condenado por toda a eternidade. De repente olhei em volta e não tinha mais nada. Me olhava no espelho e não tinha mais vida. A culpa consumia o fundo da minha alma. Eu tinha falhado.

Parei de ir no Milk Mellow. Entrei numa depressão profunda. Me sentia um lixo. Estava tudo tão...........limpo. Depois de muito tempo longe voltei ao bar do Jaime. Não poupei uma só gota de álcool. Cheguei a um ponto em que por um único momento, desde não sei quando, não pensava nem em Deus nem na Marta. Não me lembro de como a noite transcorreu. Teve streap-tease, rodadas de tequila e um pó branco que fazia cocaína parecer calmante. A vida pulsava de novo em mim. Meus olhos voltaram a brilhar. Não tenho idéia de como cheguei em casa. Acordei com a sensação de que tinha dado a foda do século. Girei a cabeça e olhei para o lado. Era Marta.