Ouro Preto
Não havia mais lugares nas pousadas quando eu cheguei naquela vila. Era uma tarde de setembro e, sem sucesso, andei de um lado a outro, procurando hospedagem. Sentei-me, então, defronte a uma casa de comércio local, deixando, ao meu lado, as bolsas e o chapéu. Não se passara muito tempo até que, de pé diante de mim, surgiu uma senhora, segurando um garotinho de uns cinco anos pela mão.
“Se o senhor quiser, pode ficar em nossa casa. Não é grande coisa, mas poderá comer e dormir”, disse-me ela.
Um novo ânimo apossou-se de mim e levantei-me rapidamente. Não havia conseguido fazer reservas por telefone, julgando que o evento não traria tantas pessoas ao vilarejo.
Enganei-me.
A notícia da descoberta de petróleo, naquela região, atraíra muitos outros geógrafos como eu, bem como curiosos, empresários e aventureiros. A Universidade Estadual me encarregara das pesquisas de campo e da produção de um relatório ao departamento. No início, não demonstrei muito boa vontade, mas a chance de voltar a uma região pacata, quase rural, me despertara do profundo sono letárgico que a cidade proporciona. Agora estava ali, sem um lugar onde ficar e dependendo da hospitalidade daquela gente do lugar.
Andamos algumas dezenas de metros e chegamos à casa daquela senhora. Não havia porta de sala porque a habitação era parede e meia com uma construção maior, que se voltava para a rua. Assim, na porta da cozinha, uma escada permitia o acesso à casa. À direita, um quintal onde se via uma horta pequenina e um varal cheio de roupas. Um cercadinho, ao fundo, abrigava algumas galinhas curiosas, que espichavam os pescoços para olharem o recém-chegado que, naquele caso, era eu.
Como já estivesse quase escurecendo, ao entrar na casa, precisei de uns segundos para que os olhos se acostumassem àquela penumbra. Um fogão à lenha exibia sua boca vermelha sob três panelas, cujas tampas trepidavam por causa da fervura. Utensílios em alumínio brilhavam, pendurados pelas paredes, revelando o asseio daquela família. Vindos de um dos quartos, dois meninos maiores e uma menina me saudaram timidamente.
Mais tarde, fiquei sabendo que aquela era a metade da família. Os outros seis já haviam se casado e moravam longe dali. A matriarca era viúva e cuidava daqueles que ainda moravam com ela. Indicou-me um dos quartos, colocando sobre a cama uma toalha desbotada e um sabonete já aberto. O menino menor assistia a tudo, sendo, algumas vezes, advertido pela mãe para que ficasse longe de meus pertences, os quais ela carregava com todo o cuidado.
Fiquei ali por seis dias.
Quando não estava pelas redondezas, evitava permanecer o tempo todo dentro de casa. Sentado em um banco de madeira sobre a calçada, ficava atento ao cotidiano das pessoas. O menino menor se acostumara comigo. Ele acompanhava o que eu escrevia e fazia perguntas sobre as canetas, os compassos e os outros instrumentos de medição.
De minha parte, eu o observava quando não estava perto de mim: andava de um lado a outro, buscava pequenas encomendas no comércio e se divertia, cantando ao pé de dois pedreiros que construíam uma casa ao lado da sua. Ficava bom tempo ali, explorando tudo com sua curiosidade infantil. Às vezes, tomava uma revista, mas como ainda não sabia ler, folheava sem muita direção, parando apenas nas imagens coloridas.
Disse-me, certo dia, que não conhecera seu pai. Era muito pequeno quando ele morrera. Quando dizia isso, a mãe acariciava sua cabeça e ele se aconchegava em seu colo. Ela me contou que, todas as tardes, em todos aqueles anos; ainda esperava o marido como se ele fosse voltar do trabalho. Eu via passar pelos olhos dela uma névoa cristalina, que se dissipava como a geada ao sol da manhã.
Aquela gente era muito pobre e, da sua pobreza, ofereceu-me abrigo e comida. Ofereceram-me tudo o que tinham para viver, naqueles dias em que lá estive. Como dissera o poeta, eram tempos de tiranias, infamidades e carestias.
No dia em que fui embora, a velha mãe não aceitou o meu dinheiro, por mais que eu insistisse. Então, escondi debaixo do travesseiro uma quantia que julguei suficiente para pagar todo o tempo que passara naquela casa. Quando entrei no ônibus, todos acenaram para mim. Em seus rostos, havia sorrisos simples e sinceros; sorrisos de quem está feliz, mesmo quando a vida e as dificuldades que ela apresenta pareçam ser infinitas.
Naquele dia eu chorei de verdade.
Uma vez mais voltei àquele lugar. Disseram-me que mãe e filhos se mudaram. Fiquei longo tempo olhando as cercas caídas que rodeavam o quintal. Da escada na porta da cozinha, os degraus descascados disputavam o espaço com o mato verde. Em minha lembrança daquela casa, eu carrego pérolas bem mais valiosas que o ouro preto: são os olhos daquela família!