Sem Saída
Apolinário Martins liderava as pesquisas, com larga margem de votos. Sua vitória quase certa, embora espantosa, não era surpreendente. Fora, de fato, construída com muito trabalho e zelo durante toda sua vida política, desde que se sobressaíra como líder comunitário no bairro em que nascera, até tornar-se vereador, dali, deputado, senador, para finalmente, lançar-se candidato à presidência.
Em cada cargo, buscava romper com os esquemas vigentes, com os já estabelecidos e sempre tão perniciosos jogos do poder. Seus atos ousados e corajosos só obtiveram sucesso, porque respaldados pelo povo que, sempre que solicitado, tomava as ruas em sua defesa.
A imprensa também se rendera a ele, pressionada pela voz popular que se levantava pelas redes sociais.
Por outro lado, Apolinário cercara-se dos melhores assessores que alguém poderia querer. Cada um era o melhor que poderia existir em sua especialidade, todos irmanados no projeto de reconstruir este País.
Porém, faltando poucos dias para as eleições, Apolinário apresentava-se cada vez mais abatido, distante… Era visível que não se alimentava bem e mal dormia há alguns dias, quando reuniu seu time e anunciou:
- Preparem uma entrevista coletiva para hoje à noite. Vou retirar minha candidatura.
Diante do primeiro momento de perplexidade e da insistência do grupo por uma explicação, respondeu apenas, cabisbaixo, saindo da sala:
- Estou num beco sem saída.
Assim que ele deixou o recinto, todos se voltaram para Edivânia. Entendendo o apelo, ela respondeu que sabia tanto quanto eles.
- Mas, se tem alguém que pode encontrar alguma explicação, este alguém é você! - disse uma outra assessora.
Edivânia sorriu, tristemente. Levantou-se e seguiu o ex-marido.
Encontrou-o em sua sala, no final do corredor. Ele estava sentado à mesa, olhos arregalados, fitando o nada. Ela parou à sua frente, sem que ele se alterasse.
- E então?
Ele despertou do transe, olhou para ela e arqueou-se, em choro convulsivo. Ela deu a volta na mesa, abaixou-se ao seu lado e o abraçou.
- Vamos, vamos. Acalme-se. Não deve ser tão ruim assim.
Passados alguns instantes, ele conseguiu se controlar. Levantou-se, foi até o banheiro lavou o rosto e retornou à sala, o cenho franzido. Ela o esperava, sentada no sofá. Deu três tapinhas no lugar ao seu lado e sorriu. Ele sentou-se, jogou a cabeça para trás.
- E então? - insistiu ela.
- Estou sendo chantageado. - olhava o teto.
- Chantagem? Do quê?
Ele virou-se para ela.
- Lembra lá no centro comunitário, quando começaram as conversas sobre minha candidatura para a Câmara?
- Sim! Claro que lembro.
- Lembra-se que não tínhamos dinheiro para nada e, de repente, começaram a aparecer doações para a campanha?
- Sim! Os comerciantes locais te amavam.
- Não…
- Como não!?
- Meu bem! Eram lojinhas, mercadinhos… Ninguém tinha dinheiro assim.
- Então? - perguntou ela, vacilante. Temia a resposta.
- Eu consegui um apoio, digamos, escuso. O partido…
- Você se vendeu!
Ele levantou-se, deu algumas voltas no ambiente. Parecia buscar as palavras…
- Eu tinha uma missão. Acreditava nisso. E, se não fosse essa artimanha…
- Você se vendeu! - murmurava ela, incrédula.
- Por favor, Vaninha. Você sabe que eu jamais faria isso, se não fosse…
- Não me chame assim. - ela levantou-se, irritada. - O que eu digo aos outros?
- Não, meu bem. Por favor! Espere! Fique um pouco mais.
- Para quê? Eu não sei quem você é.
- Por favor…
- Quantas outras vezes você agiu como todos aqueles que combatemos?
- Nunca mais! Sei que você não vai acreditar, mas eu não suportaria. Vaninha, por favor, acredite em mim. Foi isso que destruiu nosso casamento.
- Ora! Não se atreva a…
- É verdade! Então você não lembra? Fomos esfriando, nos distanciando…
- E o que isso tem a haver com?...
- Eu não me julgava bom o bastante para você, Edivânia. Seus ideais… Nossos ideais que eu lancei na lama! E, a cada vez que você me olhava com olhos brilhantes de admiração, feria-me profundamente. Logo, eu não era mais capaz de olhar para você.
- Por que não tivemos esta conversa, então?
- Eu achava que era uma fase, que logo superaria… Jurei que jamais voltaria a fazer isso e consegui cumprir minha promessa. Mas o estrago já estava feito.
- E a chantagem?
- Um dos envolvidos no esquema bandeou-se para o partido do Efigênio.
- Essa não!
- Sim! E ele agora tem esse dossiê contra mim. Se isso chegar a público, eu estou perdido. Nunca mais me elejo nem a síndico de condomínio.
- Mas, se você renunciar, o Efigênio se elege!
- Sim!
- Não podemos permitir isso! Este homem é o retrocesso de tudo o que conseguimos.
- E o que eu posso fazer?
- Vamos enfrentá-lo juntos!
- Eu e você?
- Nós! O povo está do seu lado. Sempre esteve. Quantos cometem erros mais graves e são perdoados?
- Você está louca! Se você, que sempre foi minha amiga desde os tempos de escola, ficou tão decepcionada, imagina o eleitorado. O Efigênio saberá explorar isso, dar ao fato uma importância muito maior do que ele tem.
- É o que veremos. Você tem algum prova da chantagem?
- Sim! Há alguns e-mails. E eu gravei todas as conversas.
- Perfeito! Vamos virar este jogo. Vamos trazer a público o jogo sujo de Efigênio.
- Eu não posso. Não posso me baixar ao nível dele.
Naquela noite, em cadeia nacional, Apolinário admitia seu erro. Chorou diante das câmeras.
- Por que, só agora, você resolver confessar isso? - perguntou um repórter indignado.
- Estou sendo chantageado.
- Mas isto é uma acusação muito séria! O senhor tem como provar, senador?
- Tenho, sim.
- E quem é que o está chantageando?
Ele pensou um pouco, olhou para os assessores, pigarreou.
- É a minha consciência, que não me permite mais dormir, comer ou amar. - e disse isso, olhando bem para Edivânia.
- E agora? Continua candidato?
- Mais do que nunca! Estava em um beco sem saída. Só me restava derrubar as paredes. É o que estou fazendo agora.
Efigênio Mendes soube mesmo explorar o episódio e venceu em primeiro turno.
Fez um governo medíocre, marcado por denúncias e escândalos, e quatro anos depois, foi substituído por ninguém menos, que Edivânia, esposa do atuante senador, Apolinário Martins.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Em um Beco Sem SaídaEm cada cargo, buscava romper com os esquemas vigentes, com os já estabelecidos e sempre tão perniciosos jogos do poder. Seus atos ousados e corajosos só obtiveram sucesso, porque respaldados pelo povo que, sempre que solicitado, tomava as ruas em sua defesa.
A imprensa também se rendera a ele, pressionada pela voz popular que se levantava pelas redes sociais.
Por outro lado, Apolinário cercara-se dos melhores assessores que alguém poderia querer. Cada um era o melhor que poderia existir em sua especialidade, todos irmanados no projeto de reconstruir este País.
Porém, faltando poucos dias para as eleições, Apolinário apresentava-se cada vez mais abatido, distante… Era visível que não se alimentava bem e mal dormia há alguns dias, quando reuniu seu time e anunciou:
- Preparem uma entrevista coletiva para hoje à noite. Vou retirar minha candidatura.
Diante do primeiro momento de perplexidade e da insistência do grupo por uma explicação, respondeu apenas, cabisbaixo, saindo da sala:
- Estou num beco sem saída.
Assim que ele deixou o recinto, todos se voltaram para Edivânia. Entendendo o apelo, ela respondeu que sabia tanto quanto eles.
- Mas, se tem alguém que pode encontrar alguma explicação, este alguém é você! - disse uma outra assessora.
Edivânia sorriu, tristemente. Levantou-se e seguiu o ex-marido.
Encontrou-o em sua sala, no final do corredor. Ele estava sentado à mesa, olhos arregalados, fitando o nada. Ela parou à sua frente, sem que ele se alterasse.
- E então?
Ele despertou do transe, olhou para ela e arqueou-se, em choro convulsivo. Ela deu a volta na mesa, abaixou-se ao seu lado e o abraçou.
- Vamos, vamos. Acalme-se. Não deve ser tão ruim assim.
Passados alguns instantes, ele conseguiu se controlar. Levantou-se, foi até o banheiro lavou o rosto e retornou à sala, o cenho franzido. Ela o esperava, sentada no sofá. Deu três tapinhas no lugar ao seu lado e sorriu. Ele sentou-se, jogou a cabeça para trás.
- E então? - insistiu ela.
- Estou sendo chantageado. - olhava o teto.
- Chantagem? Do quê?
Ele virou-se para ela.
- Lembra lá no centro comunitário, quando começaram as conversas sobre minha candidatura para a Câmara?
- Sim! Claro que lembro.
- Lembra-se que não tínhamos dinheiro para nada e, de repente, começaram a aparecer doações para a campanha?
- Sim! Os comerciantes locais te amavam.
- Não…
- Como não!?
- Meu bem! Eram lojinhas, mercadinhos… Ninguém tinha dinheiro assim.
- Então? - perguntou ela, vacilante. Temia a resposta.
- Eu consegui um apoio, digamos, escuso. O partido…
- Você se vendeu!
Ele levantou-se, deu algumas voltas no ambiente. Parecia buscar as palavras…
- Eu tinha uma missão. Acreditava nisso. E, se não fosse essa artimanha…
- Você se vendeu! - murmurava ela, incrédula.
- Por favor, Vaninha. Você sabe que eu jamais faria isso, se não fosse…
- Não me chame assim. - ela levantou-se, irritada. - O que eu digo aos outros?
- Não, meu bem. Por favor! Espere! Fique um pouco mais.
- Para quê? Eu não sei quem você é.
- Por favor…
- Quantas outras vezes você agiu como todos aqueles que combatemos?
- Nunca mais! Sei que você não vai acreditar, mas eu não suportaria. Vaninha, por favor, acredite em mim. Foi isso que destruiu nosso casamento.
- Ora! Não se atreva a…
- É verdade! Então você não lembra? Fomos esfriando, nos distanciando…
- E o que isso tem a haver com?...
- Eu não me julgava bom o bastante para você, Edivânia. Seus ideais… Nossos ideais que eu lancei na lama! E, a cada vez que você me olhava com olhos brilhantes de admiração, feria-me profundamente. Logo, eu não era mais capaz de olhar para você.
- Por que não tivemos esta conversa, então?
- Eu achava que era uma fase, que logo superaria… Jurei que jamais voltaria a fazer isso e consegui cumprir minha promessa. Mas o estrago já estava feito.
- E a chantagem?
- Um dos envolvidos no esquema bandeou-se para o partido do Efigênio.
- Essa não!
- Sim! E ele agora tem esse dossiê contra mim. Se isso chegar a público, eu estou perdido. Nunca mais me elejo nem a síndico de condomínio.
- Mas, se você renunciar, o Efigênio se elege!
- Sim!
- Não podemos permitir isso! Este homem é o retrocesso de tudo o que conseguimos.
- E o que eu posso fazer?
- Vamos enfrentá-lo juntos!
- Eu e você?
- Nós! O povo está do seu lado. Sempre esteve. Quantos cometem erros mais graves e são perdoados?
- Você está louca! Se você, que sempre foi minha amiga desde os tempos de escola, ficou tão decepcionada, imagina o eleitorado. O Efigênio saberá explorar isso, dar ao fato uma importância muito maior do que ele tem.
- É o que veremos. Você tem algum prova da chantagem?
- Sim! Há alguns e-mails. E eu gravei todas as conversas.
- Perfeito! Vamos virar este jogo. Vamos trazer a público o jogo sujo de Efigênio.
- Eu não posso. Não posso me baixar ao nível dele.
Naquela noite, em cadeia nacional, Apolinário admitia seu erro. Chorou diante das câmeras.
- Por que, só agora, você resolver confessar isso? - perguntou um repórter indignado.
- Estou sendo chantageado.
- Mas isto é uma acusação muito séria! O senhor tem como provar, senador?
- Tenho, sim.
- E quem é que o está chantageando?
Ele pensou um pouco, olhou para os assessores, pigarreou.
- É a minha consciência, que não me permite mais dormir, comer ou amar. - e disse isso, olhando bem para Edivânia.
- E agora? Continua candidato?
- Mais do que nunca! Estava em um beco sem saída. Só me restava derrubar as paredes. É o que estou fazendo agora.
Efigênio Mendes soube mesmo explorar o episódio e venceu em primeiro turno.
Fez um governo medíocre, marcado por denúncias e escândalos, e quatro anos depois, foi substituído por ninguém menos, que Edivânia, esposa do atuante senador, Apolinário Martins.
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