Sapos do cotidiano
Desaforos! Ah, desaforos!! E há desaforos e desaforos!!! Mas saber engoli-los com insólita gentileza e saber dizê-los implacavelmente sempre apimenta nosso ringue cotidiano, que só é cômodo para quem apenas o observa como se fosse um turista a admirar encardidas espumas lambendo uma praia qualquer. Para os que têm comportamento sedoso deve ser como atritar fortemente pontas de garfo em alumínio. Fato é que cenas como essas costumam sempre arrepiar as sensibilidades dos que ainda se espantam com o pavio curto nosso de cada dia.
A anciã estava na fila, já impaciente. Do outro caixa, despedia-se a penúltima cliente. Correu até lá, mas a última cliente ali empacou. Voltou apressada ao caixa anterior, que não sabia de sua saga pra voltar logo pra casa, possuindo de fato e de direito seu produto famacêutico. Ele, então, atendia atenciosamente a senhorita que dela pegara a vez, conforme a utilitária regra popular “quem foi ao ar perdeu o lugar”.
_ Senhora, o caixa ao lado é preferencial…
_ Ah, ela tava na fila, como se afastou, eu tomei a vez _ informou a beneficiada com a pressa da anciã.
_ É, eu tava na fila. Eu tava na fila, viu?!
_ Sim, senhora, entendo, só estou dizendo que o caixa ao lado é preferencial. A senhora pode ir lá que já será atendida.
_ Que preferencial porra nenhuma! A fila não anda, eu vou ficar é aqui, eu já tava na fila!
_ Senhora, eu só estou dizendo que o caixa ao lado é preferencial, a senhora pode ir pra lá, pra ser logo atendida.
_ Eu não quero saber, seu mal-educado! Eu vou ficar é aqui, eu já tava na fila!
_ Muito obrigado, muito obrigado, senhora, mas o caixa ao lado já desocupou. Vá que a senhora será atendida.
_ Agora eu vou, seu ignorante, agora eu vou, mas fica sabendo que eu não sou besta não, eu também sei ser atrevida, viu seu estúpido?! Eu já tava na porra dessa fila e essa fila não anda, seu mal-educado!