Bem Vindo Ao Futuro
Abriu os olhos em desespero.
Sentiu os quadrados do grande calçadão em que estava deitada. Não lembrava de ter ido dormir, não lembrava de onde estava, não lembrava do céu ser tão limpo e, talvez o mais importante, não lembrava o porquê de estar completamente nua.
Sentou-se e tentou cobrir o corpo com as mãos numa tentativa desesperada de se proteger dos olhares das multidões que a cercavam. Seus olhos corriam de um lado para o outro. As pessoas corriam de um lado para o outro. Todas de roupas extremamente diferentes e passadas ainda mais distintas.
A pupila incrivelmente dilatada e os raios de Sol brilhando incrivelmente forte. A sensação histérica a fazia se cegar com aquele brilho que, apesar de sua intensidade, não parecia queimar a pele.
Todos passavam num desdém absurdo, porém sem de fato se aproximarem da garota. Seus cabelos pretos e compridos balançavam de um lado para o outro enquanto ela tentava entender o que estava acontecendo.
Quando um toque aveludado a atingiu no ombro.
Olhou imediatamente. Era uma luva preta. Acompanhou a luva curta, o braço masculino e observou um homem de vestimentas extremamente estranhas.
"Não se preocupe. Ninguém vai ligar. Mas como sei que você liga, coloque isto." Dizia o homem com uma espécie de óculos fino com uma única "lente" que cobria os dois olhos enquanto lhe entregava uma túnica vermelha.
Hesitou um pouco, mas não se nega roupas quando se está nu. Observou novamente as vestes do estranho rapaz enquanto se vestia, estava todo de preto e a roupa brilhava e se moldava ao seu corpo em forma.
Terminou de se vestir e logo percebeu o rapaz se afastando e a convidando para andar com um gesto de mão.
O que fazer? Não se lembrava muito de nada. Ninguém realmente parecia se importar. Talvez fosse a decisão certa. Talvez ele lhe dissesse o que estava havendo.
No entanto, caminharam por severos minutos e ele não disse nada. Desviaram das pessoas e dos prédios, cada um com sua característica única e desconexa.
"Hey! Você saberia me dizer o que está acontecendo?" Perguntou de forma ansiosa.
"Você acordou."
Uma resposta óbvia, mas não era tempo de se zangar com isso.
"Mas... Você sabe como eu me chamo? Não consigo me lembrar de nada!"
"Você não precisa se chamar. Ninguém se importa. Mas, novamente, se você se importar, escolha um nome bonito para você mesma."
Como assim? Que tipo de resposta era aquela? Começou a pensar que o rapaz estava tão perdido quanto ela. Mas ele continuou.
"Eu sei. São várias perguntas. Mas as respostas são sempre óbvias demais que, quando você as colocar em ordem lógica, verá o quão complexo é o óbvio. E isso chama-se filosofia. Ha ha."
Agora sim estava zangada. Não entendia o que estava acontecendo e o maldito ainda brincava com aquela situação?
O rapaz deu uma olhada de canto de olho e percebeu a inquietação da garota.
"Mas como você poderá juntar as respostas se eu não as lhe dei! Não é? Pois bem, vamos lá. Você sempre esteve aqui, mas acordou agora. Todos sempre foram assim, mas agora está nítido. Esses prédios sempre estiveram aqui, mas nunca lhe foram obstáculos. Você estava nua porque finalmente acordou. Nem todos que estão aqui estão também acordados. Eu estou. Ninguém se importa com quem você é, quem você foi, quem você vai ser. Bem Vinda ao Futuro."
Mal tinha acabado de ouvir aquelas palavras quando uma faixa brilhante com a mensagem "PROGRESSO" cruzou seu caminho, acertando-a e deixando-a cair.
"Ninguém vai te levantar. Ninguém te vê até precisarem desviar do seu corpo atirado no chão."
"Ninguém?" Olhou em volta.
"Bem, eu posso te levantar. Mas acho melhor você fazê-lo sozinha."
"E, se o que diz for verdade, por que você me vê?"
"Uma coisa é estar no futuro, outra coisa é enxergá-lo. Todos estamos, mas quem enxerga? Muitos fingem não enxergar, apenas para não serem atropelados pela massa na qual estão inseridos. É muito perigoso andar em bando por aqui."
"Mas... São todos diferentes... Como podem agir todos iguais?"
"O Futuro é um resultado onde todos lutavam contra o preconceito, mas da forma errada. Lutavam para que todos enxergassem igualdade, achando que assim poderiam ser diferentes. Errados. Agora são todos diferentes, mas ao invés de tratar isso de forma respeitosa, simplesmente não tratam."
"Mas..."
"É necessário! Veja... Se alguém tivesse te chutado enquanto estivesse caída, com certeza alguém te ajudaria a levantar. A bondade alheia é movida à maldade, isso porque a visão é defeituosa. 'Igualdade' é uma vadia. E me perdoe o vocabulário."
Estava confusa e nem sequer tinha escolhido um nome para usar, se é que valia a pena. O desespero agora era maior, pois uma vez que você conhece o medo e reconhece que sua existência é válida, o medo fica muito maior.
"E por que você..."
"Eu já disse, eu também estou acordado. Isso nos faz diferentes."
"Mas é injusto... É... Sufocante... É..."
O céu escurecia aos poucos, o brilho das placas ia ficando mais forte. O rapaz então olhou para a garota, ajoelhada novamente ao chão. Ficou preocupado, correu em sua direção.
"Levanta!"
"Pra quê?! Ninguém se importa!" O espaço entre a garota e as multidões foi diminuindo.
"LEVANTA!"
"Eu nem sei quem eu sou!" Algumas pessoas começaram a esbarrar entre os dois.
"Ninguém sabe!"
"Então qual o sentido disso?" Com aquelas palavras a onda de pessoas engoliu a garota e a arremessou para algum lugar sem valor algum. O rapaz se salvou, deu um pulo para trás e deixou lá toda a consideração que ele teve pela garota.
Virou de costas. Andou distante das multidões.
Seus pensamentos eram altos e reclamavam do potencial descartado pela sociedade.
Entre uma reclamação e uma aceitação, avistou uma garota ruiva ao longe, nua e observando os arredores.
Andou em sua direção, calmo, com as mãos no bolso. Desviou de um ou outro. Parou em frente à garota sentada na calçada.
"Bem Vinda ao Futuro." Disse.
"Obrigada! Me chamo Elara."
Surpreso, ele sorriu e lhe entregou uma túnica vermelha.