FILHOTE DE PAPAGAIO

- E aí moço? Pode levar sem susto é um filhote de papagaio, e está assim pelado porque é muito novinho. Pode levar eu garanto!

Nino olhava o pobre pássaro, quase moribundo no dedo do vendedor, que certamente o havia retirado do ninho talvez alguns dias após haver rompido o ovo, e matutava cheio de piedade, se levaria ou deixaria a pobre avezinha morrer na mão daquela inescrupulosa criatura.

O pássaro não podia ser mais feio, sua penugem caíra, sua pele rosada e enrugada cobria seu magro corpo como uma película quase transparente. De vez em quando abria o bico encurvado com um dos olhos fechados como se pedindo comida.

Uma cena de dar dó, e bem no centro da cidade. Era demais, o Senhor não aguentou:

- Quanto você está pedindo por ele?

- Por dez reais leva!

O homem pensou nos problemas que teria com a esposa em casa. Viviam em um pequeno apartamento e ela não ia gostar nada do “presente” que ele lhe levaria, mas não tinha jeito. Seu coração doía a cada vez que o bichinho, arregalando os olhos, esticava o pescoço em sua direção como que pedindo socorro. Ele o levaria, ainda que fosse para soltá-lo em uma mata quando pudesse voar – pensava ele.

- Tudo bem, tem certeza que isso é um papagaio, ele me parece muito pequeno para um filhote de papagaio.

- Tranquilo chefia! É pequeno porque é muito novinho, mas já come,e não vai morrer não, podes crer!

- Ok, toma lá – tirou os dez reais da carteira, entregou ao “agente anti ecológico” que lhe passou rapidamente o animal e saiu quase em disparada, talvez com medo que o animal morresse em suas mãos antes de concluída a transação.

No caminho de casa o homem tentava inventar uma desculpa para dar a esposa. Não podia dizer-lhe que o havia comprado, isso a deixaria ainda mais irritada, conhecia muito bem a mulher, e não estranharia se ela atirasse pela janela aquela “coisa” horrível que ele estava levando.

Decidiu então que lhe diria que o animal despencara justo em cima dele quanto passava sob uma árvore, e ele com pena, resolvera recolhê-lo e abrigá-lo até que pudesse ganhar a liberdade.

Joana mostrara-se condescendente, conhecia o coração de manteiga do marido e também se comovera com o ar de abandono que a pobre ave transparecia, mas relutou:

- Que loucura é essa, homem? Como vamos criar um bicho desses em casa? O pobrezinho não vai sobreviver, parece estar faminto e nem sabemos o que ele come.

- Ora! Papagaio come milho, fruta, legumes coisas desses tipos.

- E você está certo que isso é um papagaio?

- Claro, não vê? Tem bico de papagaio, cara de papagaio só ainda não tem penas.

- É, mas pelo estado dele parece que não vai chegar a tê-las.

- Deixa de ser chata mulher! Pega uma banana e vamos ver se ele come.

- Tudo bem, ele pode ficar, mas só até que lhe cresçam as asas e possa voar.

Assim, Pelado, como passou inicialmente a ser chamado, ganhou um lar que nada tinha a ver com seu habitat natural.

Joana tratou de conseguir uma gaiola aberta, própria para papagaios.

A avezinha foi colocada na parede bem próxima à única janela do apartamento conjugado do casal e passava o dia atento à sua dona já que Nino, só chegava à casa ao anoitecer.

Bem alimentado e tratado como um bebê, Pelado rapidamente começou a mostrar sua gratidão e suas penas coloridas onde um tom de verde escuro prevalecia. Fazia fosquinhas abrindo e fechando as asinhas agora não tão nuas e emitia sons ininteligíveis, mas que se assemelhavam a uma conversa em voz baixa.

Ao anoitecer, quando Nino chegava do trabalho, como ainda não voava, descia usando o bico e as patas por uma corda que Joana pendurara na gaiola e que se estendia até o chão. Caminhava pelo apartamento na direção do dono, subia por sua calça até seu ombro, e carinhosamente mordiscava-lhe a orelha sussurrando-lhe algo em seu idioma próprio. Quando o casal sentava para assistir tv, ele, subindo pelo braço do sofá, instalava-se às suas costas, ora bicando suavemente o pescoço de um ora do outro, até que o sono, impedido pela luz da lâmpada acesa e da tv, finalmente o vencia. Então fugindo da luz se amoitava sob os cabelos de sua dona e adormecia. Joana então, pacientemente, colocava-o para dormir em sua gaiola que era levada ao toilete às escuras e ali ele passava o resto da noite.

Pode-se imaginar o carinho e amor que a pequena ave passou a despertar no casal. Aos domingos quando se preparavam para ir à praia, ele ficava indócil na gaiola, e arrepiando o topete amarelo-avermelhado que começava a crescer, balançava o corpo como num balé tentando chamar a atenção, talvez pressentindo que iriam deixá-lo só. O senhor dava-lhe o dedo, para onde ele pulava imediatamente e lá ia o casal, barraca debaixo do braço, e seu estranho filhote de papagaio, alternando os ombros dos donos e dando-lhes a cabeça curvada para baixo para que a acariciassem. Ele adorava cafuné.

Os amigos da praia, em principio estranharam a presença da ave, mas ele era tão simpático e afável, que até resolveram mudar seu nome, até porque ele já não estava pelado, o topete crescia a olhos vistos e sua cauda também. Assim ele passou a ser chamado de Elvis ao que atendia ao ouvir seu nome pronunciado depois do FIUUU! Do assovio dos donos, e até conseguia repetir baixinho o nome de Nino de tantas vezes, ouvir Joana pronuncia-lo:

- Sabe Joana, acho que o Elvis poderá ser qualquer coisa, menos um papagaio - dizia Lourdes, amiga do casal - sou do norte e reconheço uma jandaia longe.

- E onde você viu uma jandaia com uma cauda tão comprida e fina – replicou – Amélia outra amiga do grupo de praia – ele deve ser uma maritaca.

- Tá cega mulher – emendou Carmen – maritaca não tem topete nem a cauda fina como a dele, ou dela porque pode ser uma fêmea.

Pronto. Estava estabelecida a polêmica sobre a verdadeira “identidade” e o sexo de Elvis, que à medida que o tempo passava ficava cada dia mais bonito. Seu corpo de porte elegante se cobrira de verde escuro, em sua cauda comprida duas ou três penas vermelhas se destacavam. Seu topete cor de fogo em forma de coroa, que eriçava emprestava-lhe um ar nobre. E ele era nobre, o que ficaram sabendo quando um vendedor de picolé na areia, olhando admirado para a ave, exclamou:

- Onde a senhora conseguiu esse periquito

- Como, periquito? Você não acha que ele é grande demais para um periquito.

- Não senhora, isso é um periquito rei e macho, pois as fêmeas não tem topete.

- Será? Papagaio eu já sei que não é, mas nem sabia que existia essa espécie de periquito.

Elvis já podia ganhar o mundo suas asas crescidas lhe davam esse direito, mas seu coração o prendia ao casal, que nem mais fechava a janela, deixando-lhe a escolha de partir, se assim o quisesse.

Com o tempo, apesar da grande amizade, ficou difícil mantê-lo no apartamento já que ele não escolhia onde fazer suas necessidades, e sujava por todo canto da casa.

O casal pensou em soltá-lo em uma mata num morro próximo, mas desistiu, até porque viram que ele não sobreviveria. Resolveram, com muita pena, que o doariam ao Zoo. Lá, certamente haveria outros de sua espécie.

- Bom dia senhor – disse Joana ao veterinário do Zoo – os senhores aceitariam esse periquito como doação? Nós o criamos desde pequeno em nosso apartamento, mas achamos que não é justo que ele viva com e como um ser humano. Ele é muito dócil e meigo e mesmo com a janela de nosso apartamento aberta, nunca se aventurou a partir.

- Aceitamos sim, senhora.

- Que bom, podemos ver o senhor colocá-los junto com os de sua espécie?

- Infelizmente não. Ele terá que ser examinado e ficar de quarentena antes que possamos juntá-lo aos outros. Estou admirado de sua docilidade, em geral essa espécie não gosta de aproximação com humanos e ataca.

- Quando poderemos voltar para vê-lo?

- O normal é após quarenta dias, mas com um mês, talvez ele já tenha condição de conhecer seus novos amigos na gaiola grande.

Elvis, virando a cabeça de lado para cima e para baixo, parecia adivinhar que estava sendo rejeitado, e quando Nino tentou passá-lo às mãos do homem ele reagiu e bicou-o ferozmente, quase rasgando sua luva, mas não teve jeito. Foi dominado e preso em uma gaiola, onde arrepiado e desesperado, tentava escapar batendo as asas.

Quando o casal se retirava, já do lado de fora, ouviu seu grito desesperado:

- Ninoooo!

Ele nunca falara tão alto e tão claro o nome de seu dono. Uma lágrima rolou do rosto do homem, e Joana tratou de apará-la. A separação foi dolorosa, mas necessária. Na vida renunciar a um amor pode significar demonstração de um amor ainda maior.

Um mês se passou, e os dois não aguentavam mais a saudade de Elvis e resolveram que iriam ao Zoo no próximo domingo para tentar revê-lo.

- Bom dia senhor – disse Nino ao veterinário que não era o mesmo no dia da doação - eu doei um periquito rei, há mais ou menos um mês aqui ao Zoo, ele era muito querido e gostaríamos de saber se ele está bem.

- Olha – respondeu o homem – lamento dizer-lhes, mas morreu um periquito que tínhamos em quarentena poucos dias depois que chegou.

- O casal se entreolhou culpando-se mutuamente, agradeceram ao homem, mas Nino, querendo apenas rever algum outro periquito parecido com Elvis:

- O senhor pode me dizer onde fica a gaiola dos periquitos rei? Queremos pelo menos reviver a figura dele em outro de sua espécie.

- Pois não. É a terceira gaiola grande na ala dos pássaros aqui nessa aleia da direita.

O casal parou à frente da gaiola repleta de cópias de Elvis, e ficou desolado, mas Nino não resistindo, cheio de saudades chamou pelo amigo:

- Fiiiiu! Elvissss! - Por um instante fez-se silêncio...

Então, do meio daquele ruidoso bando de penas coloridas, saiu voando e plainando um deles acompanhado de uma fêmea, talvez sua namorada. Pousou na grade à frente do casal, e de asas semiabertas baixou a cabeça com seu topete cor de fogo e a ofereceu para que o acariciassem.

Não era Elvis o que morrera. Ele estava vivo e feliz entre os seus, e não esquecera o casal que tanto amou e por quem foi muito amado. O amor verdadeiro nunca morre e pode ultrapassar a barreira das diferenças entre as espécies dos seres viventes sobre a terra.

Jogon Santos

(ESTE É UM DOS CONTOS QUE ESTARÃO EM MEU PRÓXIMO LIVRO "QUEM CONTA UM CONTO... CONTA MUITOS MAIS" QUE PUBLICAREI

NO PRÓXIMO ANO E QUE JÁ ESTÀ EM COPYDESK)

Jogon Santos
Enviado por Jogon Santos em 04/12/2013
Reeditado em 07/03/2014
Código do texto: T4598831
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