O Dia Depois de Ontem
Há três décadas nasceu o personagem central e, pouco antes, a moça que lhe trouxe algumas situações inusitadas, a ponto de prendê-lo na pergunta sobre o dia depois de ontem.
No início, em razão de ambos serem ligeiramente tímidos, apenas trocavam olhares. Porém, ele era também notado pela Teatcher – assim ela era chamada em razão do seu pedido de que não se referissem a ela como professora; sempre deveriam chamá-la de Teatcher –, e tais olhares geravam um certo conflito para o moço.
Numa das aulas em que Célio, nosso protagonista, olhava os lábios avermelhados de Beth mexerem-se enquanto repetia “all right” em conjunto com a professora, digo, com a Teatcher, a sensualidade dos movimentos labiais de Beth fizeram com que o rosto dele anunciasse, ruborizado, o desejo que ela lhe despertava. Morena de seios fartos e corpo esguio, de média estatura, tudo acompanhado por cabelos negros e lisos, ela lhe chamava a atenção também por esses outros atrativos.
Sentavam-se em semicírculo naquela pequena saleta alugada, numa sobreloja de um prédio, onde a esforçada professora conduzia aulas de inglês sob a bandeira de uma franquia de escola de idiomas. Num formato informal de expor as aulas, em meia lua os alunos colocavam-se frente à Teatcher; dali ela explicava as lições e também distribuía sorrisos e incentivos para os alunos aprimorarem seus aprendizados da língua estrangeira.
Teatcher tinha poucos anos mais que a média dos alunos e interagia com eles como se fosse uma irmã mais velha para a maioria; a idade facilitava, diziam alguns, enquanto outros julgavam que, na verdade, as conversas pós-aulas é que determinavam tais sentimentos nos alunos. Seja por um motivo ou outro, em tal situação nós a tínhamos como uma boa amiga de todos os alunos. Ela não era diferente em relação a Beth e Célio.
Contudo, aquelas trocas de olhares durante as aulas, e em especial aquela situação na qual Célio evidenciou sua atração por Beth, criou um ambiente de expectativa entre os três. O que Teatcher mais gostava era que houvesse colaboração entre os alunos durante o aprendizado; assim, incentivava diálogos em inglês em parte das aulas entre os alunos. Durante as conversas, os olhares entre Beth e Célio provocavam certo incômodo em Teatcher. Alguns dias antes ela havia comentado com Beth que tinha predileção pelo tipo físico de Célio, sentindo-se fortemente atraída por ele; em resposta, Beth lhe disse que tinha um forte sentimento por Célio. Uma sutil disputa entre ambas anunciava-se pela atenção dele.
Enquanto manuseava o computador para trocar o slide da próxima aula, ela apoiou-se com a mão esquerda sobre a sua mesa e Célio viu a grossa aliança de casamento dela brilhar. Seus olhares dividiram-se entre o corpo de Teatcher e aquele símbolo da união dela. Notando que ele viu a aliança, ela rapidamente tirou a mão da mesa, como se desejasse ocultar a sua situação conjugal. Assim, tal detalhe não escapou despercebido a Célio.
Aquele dia marcava o início do segundo mês de aula dele; havia avançado um estágio em seus estudos e, assim, trocou de professora, vindo a conhecer a Teatcher nesta aulas; Célio falou com Beth o quanto era ocupado com seus estudos e trabalho. Ele afirmou naquela conversa que não dispunha de tempo sequer para namorar. Beth concluiu que ele não tinha algum efetivo interesse por ela, apesar dos olhares que ele lhe dirigia. Enfim, não conseguiram romper uma barreira invisível estabelecida por aquela afirmação de Célio.
— Today, folks, please, write about your job, I mean, using your own words! This is our first lesson...
Num inglês convencional estadunidense, sem muitas gírias, Teatcher procurava expressar-se claramente. Apesar de suas aulas terem a conversação em inglês como objetivo, ela procurava também desenvolver a redação de seus alunos conforme previsto naquele estágio de ensino. Assim, eles procuraram escrever poucas palavras sobre seus trabalhos.
Célio estagiava num laboratório de análises pela manhã e ocupava as suas tardes nas aulas. Logo pela noite, quando não estava ocupado aprendendo inglês eram as tarefas extra-salas da faculdade que preenchiam o seu tempo. Morando distante do local dos cursos, despendia mais de duas horas em transporte entre a sua casa, o trabalho, o campus e a escola de inglês. Pensou rapidamente no que escrever sobre o trabalho matinal; porém, quando olhava para a Teatcher outros pensamentos lhe ocorriam, tornando difícil a concentração, ao passo que Beth procurava chamar-lhe a atenção ao seu lado.
Beth dispunha de cabelos lisos caídos ligeiramente sobre as bochechas, num corte curto que valorizava o seu rosto ovalado. Os lábios, marcados em batom vermelho, chamavam a atenção pela delicada forma em que se dispunham, tal como estivessem prontos para receber um beijo. Esses detalhes não ficavam despercebidos de Célio; Porém, especialmente naquele dia, ele estava mais atento ao que Teatcher demonstrava pelo vestuário, como sigo descrevendo.
Teatcher usava uma saia em preto, com uma abertura lateral que lhe caía quando cruzava as suas grossas pernas ao sentar-se. Ela estava com uma blusa fina, marcando o corpo, por onde se percebia o volume dos seios, de tal maneira que a simetria das suas formas em tom levemente moreno eram contempladas por olhares nem sempre discretos. Diante daquela apresentação em que Teatcher se pôs bela e provocante aos olhos dele, ficou difícil para ele ser comedido em seus olhares. Assim, ele a admirava e isto dispersava a atenção dele, enquanto Beth, observando a cena, mantinha-se calada.
— Célio, please, do your exercise... - ela disse com certa ironia, enquanto passava as suas mãos pelos cabelos, mantidos soltos e caídos pelos seus ombros.
Beth observou aquela cena e aborreceu-se um pouco mais; apesar de não ter qualquer envolvimento com Célio, mantendo por ele apenas um velado sentimento em seu coração. Desde aquele dia em que o abordara, sem êxito, ela foi tomada por uma timidez e a trazia consigo todos os dias em que o via. Quando ela estava só, pensava com freqüência nele e em formas de aproximar-se, imaginando longos diálogos com ele. Porém, diante dele, a timidez a invadia e ela ficava sem palavras. Ao final do dia de ontem ela decidia que amanhã teria coragem para aproximar-se e hoje tal resolução se esvaia como água entre seus dedos.
Após chegar ao final da aula daquele dia, ouviram-se da sala de aula dois toques de buzina vindos da frente do prédio. Era o marido de Teacher, vindo buscá-la. Ela apressou-se a despedir-se, dizendo aos seus alunos:
— Exercises four and five for next class, ok? Thanks, people... Bye!
Ela se sentia desconfortável em escutar o som da buzina do carro do seu marido. Conhecedora do temperamento dele, ela sabia que se não saísse logo ele insistiria e que, em seguida, viria até o corredor com olhos inquisidores, querendo saber o que a impedia de ir embora se já era encerrada a aula. Além disso, antes de subir ele insistiria em buzinar mais vezes e, amanhã, os moradores vizinhos ao edifício iriam reclamar do barulho, em razão do adiantado da hora.
Quando ouviram os primeiros sons de buzina, os alunos a seguiram com olhos; viram-na pegar rapidamente seus materiais e levantar-se, despedindo-se com visível pressa e olhar atônito. Após uma rápida olhada para todos e uma mais demorada para Célio, ela disse:
– Good night , guys!
Enquanto Beth guardava seus cadernos numa pasta, seguida pelo olhar de Célio, ela lembrava-se do ocorrido ontem, quando não lhe passou despercebido uma certa explicação solicitada por Célio. Veio em sua mente o diálogo entre os dois...
“— Teatcher, please! It has to be today.
— All right, Célio. I’ll try.”
Ela lembrou que depois de tal conversa Célio escreveu rapidamente algo num pequeno pedaço de papel e, ao final da aula de ontem, ele tentou entregá-lo para Teatcher sem que outras pessoas o percebessem. Porém, Beth estava sempre observando-o e ela viu quando ele entregou, disfarçadamente, um bilhete nas mãos de Teatcher, dizendo baixinho:
— Please Teatcher, I need to know about that.
Ela pegou o papel das mãos dele. Os olhos dela brilharam enquanto lia o bilhete.
— Yes! It’s OK, Célio. We’ll talk about your essay tomorrow, right? - Disse ela, em tom baixo e em particular para ele, apesar de ser ouvida também por Beth que sentava-se ao lado dele.
Pouco depois a aula terminava; Beth viu Teatcher dobrar o bilhete para em seguida guardá-lo no bolso da camisa e, logo depois, ela despedir-se com certa pressa, como se estivesse fugindo de alguém ou alguma situação. Tal aspecto não passou despercebido para Beth.
— Guys! Lesson five for tomorrow, please! Bye-bye!
Célio ficou olhando-a, enquanto ela caminhava em direção à porta. Beth notou que nele havia certa decepção estampada.
Logo depois que chegou à sua casa, Teatcher foi banhar-se, enquanto o marido a aguardava sobre a cama. Ao se despir, ela havia deixado por sobre a cama a camisa que esteve usando. Seu marido notou no bolso da camisa dela, através do tecido levemente transparente, um papel dobrado. Ele pegou o papel onde pode ler:
“Today I dreamed of you, just like it happened a few minutes ago, when we looked at each other's eyes. I'd love being with you later tonight, as it's not possible right now”
O marido de Teatcher decidiu, assim, que iria buscá-la na saída da escola no dia seguinte, sem comentar com ela que havia lido o bilhete. Beth desconhecia o conteúdo do bilhete; assim, observava os dois com certa curiosidade e um dissimulado ciúme da atenção com que Teatcher olhava Célio.
No dia depois de ontem, em seu coração, Beth esperava uma oportunidade para falar com Célio, mesmo que houvesse prometido a si mesma não mais desejar aproximar-se dele depois que o viu entregar o bilhete a Teatcher. Apesar disso, no decorrer da aula de hoje seus olhares cruzaram-se naquele misto de carinho e admiração que mantinham um pelo outro. Hoje ela não se preocupou em iniciar qualquer conversa com ele e, depois dela guardar o seu caderno em sua bolsa, notou que ele vinha até ela. Olhou-o com certa surpresa, enquanto recebia dele um bilhete.
Beth sorriu para Célio e o agradeceu; em seguida ela leu:
“Hoje eu sonhei com você, como aconteceu agora há pouco quando nos olhamos nos olhos. Gostaria muito de estar a sós contigo hoje depois da aula, já que não é possível agora!”
— Beth, ontem eu pensei em te entregar um bilhete igual a esse, em inglês. Bom... Eu pedi pra Teatcher verificar e ela o guardou; eu queria me expressar em Inglês para você e, como ela não me devolveu corrigido, resolvi te fazer outro em português...
Ela guardou o papel do bilhete em seu bolso e, com carinho e visível alegria, a frase em seu coração. Eles transitavam seus olhares entre os olhos e os lábios um do outro, evidenciando a intensidade do incontido desejo que sentiam. Apesar de que outros alunos ainda estavam na sala, naquele instante o mundo para eles resumia-se apenas neles dois.
Teatcher seguia dentro do carro do marido procurando responder, em bom português, a uma determinada pergunta que ele fez logo que ela entrou no carro. Segurando em sua mão um pedaço de papel, ele havia falado rispidamente para Teatcher:
— Que merda significa esse bilhete que estava na tua camisa?
Na sala de aula, Célio e Beth percebiam-se como se estivessem a sós, tal como nada mais houvesse no mundo além deles próprios. Eles se beijaram e iniciaram uma nova história em suas vidas.