O Milagre do Natal



Belvedere Bruno

Caminhando, Ercília chorava. Por que choraria Ercília? Dentro de si, um turbilhão. Já não encontrava muitas de suas amigas e quando, por sorte, esbarrava com alguma, as notícias eram quase sempre desanimadoras. Doenças, impossibilidades e morte. Era como se todos os jardins houvessem desaparecido e restassem só pedaços daquilo que já não poderia ser recomposto.
- Como o tempo passou sem que me desse conta!- refletia -
O Natal se aproximava e a lista de presentes, que há alguns anos era longa, resumia-se, agora, a poucas pessoas. Amigos e parentes morreram, outros sumiram como se fossem fantasmas, e almas insensíveis jogaram fora sentimentos que pareciam eternos.
Olhando as lojas enfeitadas, pensou em fazer compras para a ceia. Fazer um Natal diferente. Quem sabe apareceria de surpresa algum parente, um amigo solitário, um amor de ontem? E Ercília se animou. Na porta, colocou um enfeite, coisa que há mais de 15 anos não fazia. Armou a árvore com alegria renovada. De onde vinha aquela força, aquele ânimo, se tudo antes lhe parecia tão distante?
Véspera de Natal. Na mesa, a ceia comprada em loja de referência parecia lhe trazer o verdadeiro espírito natalino. A espera pelo que viria era excitante. A melodia de "White Christmas" enchia o ambiente daquela esperança juvenil.
A campainha toca. Ercília se surpreende. Ao atender, vê a vizinha, que lhe entrega um prato de rabanada e se mostra surpresa com a mesa posta. Diz que o ambiente ali está melhor do que em sua casa, com marido mal humorado e filhos na internet, isolados.
Ercília decide chamá-los para sua ceia. Eles se animam. Pouco a pouco, a festa começa a ter os ares de quando Ercília ainda era uma garota cheia de esperança. Os jovens alternam White Christmas com rock and roll .Outros vizinhos batem à sua porta. Igualmente solitários, vêm se juntar à grande celebração. À meia-noite, todos se abraçam. Em seguida, chegam-se à janela e veem o porteiro, sozinho, espiando as luzes, encostado ao portão. Descem e levam-lhe a ceia. Abraços e alegria finalizam aquela surpreendente festa de Natal.
Quando todos saem, Ercília recosta-se em uma cadeira e sorve seu champanhe em delicada taça de cristal, herança de seus pais. Mirando a taça, sorri enigmaticamente. O passado chega com força. Um choro convulso toma conta dela, que se pergunta: - Por onde andarão os amores de minha vida? Queria de volta aqueles sorrisos e olhares que nunca esqueci. Ando afogada em saudade. Vivo meu hoje, mas minha alma, na verdade, clama por um clarão, um relâmpago, um fim.