A PARÁBOLA DO GLADIADOR

Existiu na antiga Roma uma família exemplar. O patriarca era um gladiador famoso e imbatível. A dona da casa era detentora de uma beleza exótica. Cultivava longos cabelos negros e vastos supercílios.Tinha grandes e envolventes olhos castanhos, protegidos por longos cílios. Era dotada de pequena estatura física, mas se destacava por uma elevada envergadura moral. Possuía um carisma firme e uma paciência inigualável. Ela educava os filhos com a praticidade dos inesquecíveis exemplos tirados do dia-a-dia. Incentivava-os a estudarem, a conviverem em harmonia com os seus semelhantes, a respeitarem as diferenças de opiniões, a cultivarem amizades e a evitarem conflitos desnecessários com familiares, vizinhos e amigos...

O casal se dedicava em manter a disciplina da prole e a investir na permanente edificação do lar construído com a matéria prima básica do amor verdadeiro e fraterno. Venerado pela plebe e pela nobreza romana, o gladiador, após receber todas as honrarias que outro jamais havia recebido, resolveu “pendurar as armas” e se aposentar das arenas para se dedicar mais à família. Longe dos espetáculos que tão bem promoveu ele foi desprezado pelos “admiradores”, deixou de receber visitas e bajulações interesseiras de “parentes e aderentes” que, diariamente, tiravam a privacidade do lar daquela invejada família romana. Até a parentela que ele havia sustentado, graças aos prêmios obtidos como o “Campeão dos campeões das batalhas históricas”, afastou-se sem ao menos agradecer as ajudas recebidas...

No auge da fama, o gladiador sempre dividiu o que obtinha para o sustento da esposa e dos filhos com alguns pedintes, comensais ingratos, que retribuíram o mel com o fel. No entanto, ele era um guerreiro. Manteve-se sereno e confiante na vitória futura. Foi, ao lado da bela e adorável esposa, um modelo de educação para os seus descendentes. Honrou os seus ancestrais. Conheceu a fama luminosa e o obscuro desdém. Desfrutou da riqueza e se destacou na pobreza. Conviveu com vitórias e infortúnios com a mesma humildade necessária para evoluir, aprender e repassar aos seus filhos os ensinamentos adequados.

Quando a morte veio buscar seu primogênito e sua esposa, o gladiador, apesar de abatido, manteve a firmeza serena que o tornou um herói das arenas. As perdas inesperadas e inevitáveis reforçaram a sua verdadeira postura de campeão. Ao lembrar que havia sobrevivido aos sangrentos combates travados nas arenas, ele refletiu: “A morte não me derrotará. Quando ela vier me buscar, eu não lutarei. Ela não quer saber de briga, e sim de cumprir a sua missão. Quando é obrigada a lutar contra alguém, a morte vence sempre. Não há oponente que a supere. Então, não deixarei que ela me derrote. Na hora certa eu seguirei o meu destino. Aceitarei o convite para deixar este mundo. Acredito que reencontrarei minha esposa, meu primogênito e todos os meus ancestrais queridos. Tal crença é o meu consolo...”.

Após uma longa temporada, o inesperado, inevitável e fatal convite chegou... O gladiador, amparado pelos filhos, netos e bisnetos, despediu-se dizendo: “Meus queridos, de tudo o que a vida me ensinou o mais importante eu vos direi nesta hora derradeira. Os exercícios da gratidão e da solidariedade tornam livres e serenas as consciências dos que praticam tais virtudes. Quem é grato e solidário desfruta de prazeres consoladores diante dos eventuais reveses.”. E concluiu: “Vós deveis ser solidários e gratos até mesmo aos mesquinhos e aos ingratos. Embora involuntariamente, tais indivíduos vos ajudam a obterem os discernimentos, para que não venhais a agir como eles agem. Ao invés de raivas e mágoas, deveis sentir dó dos que vos tratarem com desprezo e ingratidão. Quem aprende a ser solidário e grato é capaz de viver e de morrer feliz e em paz.”.

Um dos filhos perguntou: -“Se as pessoas que o senhor ajudou e lhes foram ingratas voltassem a lhe pedir ajuda, caso o senhor readquirisse tudo o que tinha no passado, elas seriam atendidas?”. O velho gladiador respondeu: - “Se isso acontecesse ou se eu agisse no presente como agi no passado, estaria ensinando minha descendência a ser idiota, ao invés de solidária e grata.”. Após dizer isso, o agonizante patriarca expirou, certo de que sua última lição foi bem captada pelos seus descendentes.

Paulo Marcelo Braga

Belém, 17/03/2006

(03 horas).