Meninos de rua: a história é essa aqui...
A história é essa... rios, pontes, ruas e avenidas, tudo junto. Este era o cenário de ontem, hoje ainda o é. As ruas do centro ainda acolhem menores, desencravados do seio da família. A rua produziu milhares de crianças de pés descalços no Brasil. A fome companheira encontrou no seio de uma criança os meios para amamentar-se, reproduzir-se, saciar-se. A sujeira das ruas, deu o seu jeito de lambuzar-se nos meninos de rua, esfregar-se nas meninas, tirar suas casquinhas.
Os becos estreitos continuam abraçando descamisados, produtos made in brazil. As caixas de papelão estão lá para velar seus sonos, atenuar a indecência do frio, percorrendo os corpos, passando suas mãos geladas por onde achar espaços. A cola ainda embriaga os cinzentos rebentos de massa cinzenta. Desmiolados são os outros, que conseguem dormir o sono hipócrita nas suas enormes camas lotadas de travesseiros, enquanto milhares gemem. E seus gemidos criando uma triste sinfonia, baixinha e monossilábica não incomodam os que estão lá em cima.
A refeição, um variado prato entre o arroz, o strogonoff, tampa de garrafa e guardanapo umedecido em óleo e batom; macarrão, palito de dente e filé ao molho champingnon; caviar, camarão e ossos triturados de frango. Tudo bem acomodado por trás do mais fino restaurante... nos lixeiros.
Os meninos caminham vestidos a la casulo. Nada mudou. Os rombos nas roupas arejam os corpos, expõe as partes íntimas, causam estranheza nas expressões dos bem vestidos, a vergonha dos bem nascidos. O desfile diário ainda é o mesmo. Eles puseram os pés no chão e puderam caminhar com suas próprias pernas. Sinto eles caminhando agora mesmo, sem direção, buscando um horizonte sem nitidez, acompanhado de uma nuvem densa que os desnorteiam e atrapalham o andar cambaliante.
O seu grito ainda é o mesmo. O do primeiro berro de quando nasceram entrincheirados entre a vala suja e o beco imundo, que as vezes confundimos com banheiro no inusitado aperto. Ele, o menino ainda mama e se entope de cola ao mesmo tempo. Já nascem cinzentos, são cobertos com panos cinzentos e engatinham e crescem em chãos cinzentos.
O amor pelo outro ainda é fugaz. Sua vida é fugaz. O apelo ao outro que não se vá se repete todo dia. Tá se repetindo agora, no choro ardido do adeus. Seus santos também são os mesmos. Para santo de rua a procissão é diária. O andor é nada pesado. Carregam ossos, esqueletos, pequenos, franzinos.
O sono ainda é velado na noite fria, nas calçadas; pela lua e pelas nuvens e estrelas. O ar infantil se esconde numa carinha carrancuda de fome e abandono. Amontoados como um grupo de cãozinhos embaixo das mamas, se ajuntam mais e mais seus corpos para esquentar a carne e driblar o frio. A marquise dá o ar materno ao sono de criança.
Durmam em paz... quem puder...