lucius - foi sem querer querendo?

Ele é um escritor reconhecido. Já recebeu inúmeros prêmios e tem muitos de seus livros entre os mais vendidos. Possui uma coluna em uma revista de variedades de grande circulação nacional, outra em um jornal, outra numa revista de esportes e outra numa revista masculina. É adorado por muitos e poucos o detestam. Quem é ele? Lucius Sezevanac. Desde criança, está acostumado a ouvir piadinhas de mau-gosto a respeito de seu nome e de seu sobrenome, mas isso não vem ao caso agora.

É um grande formador de opinião. Tudo o que escreve causa uma enorme repercussão no dia seguinte. Prima pela ética e coerência. Tem na política uma de suas maiores fontes para escrever e dissertar, mas a sua verdadeira paixão são as crônicas e os contos escritos mensalmente em uma revista masculina que exibe a cada mês a mais nova bunda, digo, celebridade da vez.

Recentemente, leu a entrevista de uma celebridade instantânea publicada na revista masculina em que trabalha. Encantou-se à primeira vista pela beleza da moça, para ele, qualquer padrão de beleza anteriormente pensado se esvai à simples visão dela. Encantou-se também com tudo o que ela disse na tal entrevista. Não parecia ser apenas mais um rostinho bonito, pois aparentava ter algum conteúdo. Quando ela citou seu hobby, não teve dúvidas que o entrevistador não se referia a aquilo que se usa para dormir. Quando falou sobre suas preferências literárias, não deixou de dar uma resposta, como faria o nosso atual “presidente”, também não citou “O pequeno príncipe”, simplesmente recitou de forma tímida, como foi dito entre parênteses pelo entrevistador, um poema de Vinicius (Lucius imaginou a graça dela ao falar simplesmente Vinicius e deixar o sobrenome de lado). Eis o tal poema:

“Maior nem mais estranho amor existe

Que o meu, que não sossega a coisa amada

Que quando a vê alegre fica triste

E quando a vê descontente dá risada”.

Também o agradou muito na moça foi a resposta dela quando perguntada sobre programas de tv. Ela simplesmente disse: Chaves. Isso o levou a ver nela algumas características infantis, como a necessidade de proteção, a inocência... Sem contar que Chaves era o programa que ele não perdia de modo algum na tv, já tinha até decorado muitas falas e episódios, era o que o levava para longe de tudo e todos, pois aquele espetáculo praticamente mambembe o fazia recordar dos tempos de criança.

Lucius dedicou uma crônica inteira para a moça. Sequer citou seu nome, mas deu a entender a qualquer um que lesse aquilo tudo a quem se referia de forma tão carinhosa. Chegou a chamá-la de musa. Disse que não seria capaz de compor um poema para ela, pois não haveria verso, não haveria rima, não haveria estrofe, não haveria soneto que a representasse de forma merecida. Quase que ele faz um discurso religioso, mesmo sendo ateu, dizendo que a partir da visão daquela moça passaria a acreditar na existência de Deus.

Passados alguns meses, a paixão dele por ela só fez aumentar. Seria paixão ou amor? Bom, não cabe aqui distinguir cada um, até porque em cada paixão há um pouco de amor e em cada amor há um pouco de paixão. Ou seria muito? Melhor deixar isso pra lá. Não sabia como travar um contato, na verdade até supôs alguns meios, mas temeu parecer invasivo, assustando a moça. Não precisa dizer que cada crônica dele durante esse período era dedicada à moça, né? Ele mesmo dizia que pensar nela agora era algo como respirar.

Em uma tarde perdida qualquer, ouviu em um programa de rádio que a moça posaria para a revista masculina na qual ele escrevia. Na hora, não sabia se isso era motivo para que se deliciasse ou para que se preocupasse. Ora, agora a sua musa, a sua protegida, estaria por aí estampada sem nada que cobrisse suas vergonhas? Sim, ele usou esse termo. Pensou que a notícia poderia ser apenas fofoca, mas fontes lhe confirmaram que era tudo verdade verdadeira.

Cerca de um mês depois, a revista da moça já estava em todas as bancas. Para ele, era motivo de horror ver marmanjos, adolescentes e velhos comprando a sua musa em qualquer esquina apenas para a prática solitária da auto-gratificação. Chegava a classificar o que ela fez como uma prostituição. Escreveu para a revista repudiando o ensaio da moça, não aceitava que fizessem aquilo com a sua musa. Recebeu risos e uma advertência em troca.

Ele foi à concorrida noite de autógrafos da revista. Seria a primeira vez que veria a moça pessoalmente. Temeu não conseguir falar nada para ela. Temeu conseguir falar. Amedrontou-se. Pegou uma revista, levou-a timidamente a um caixa e a pagou. Encarou uma pequena fila para pegar o seu autógrafo e ver a moça de perto, na verdade ele estava mais preocupado com a segunda ação. Chegada a sua vez, deu a revista nas mãos da moça. Ela sorriu para ele, como estava fazendo para todos naquela noite. Mas Lucius viu naquele sorriso algo mais do que um simples gesto de simpatia. Viu naquele sorriso algo como um reconhecimento, quem sabe um agradecimento.

A moça abriu a revista e escreveu rapidamente em uma página qualquer dela. Na tal página, nem havia uma das fotos do ensaio tão festejado e aguardado da moça. Havia uma propaganda de camisinha: Um garoto aparentando ter seus 15 anos olha a empregada de 4 limpando o chão e a legenda que aparece é “porque o tesão não tem hora para chegar”. Lucius ficou em dúvida se ela tinha escolhido essa página ao acaso ou para incitá-lo a alguma coisa. Saiu de perto da moça depois de ter dado sorriso um sorriso sem dente e ter dito um obrigado quase inaudível. Sentiu-se um idiota.

Retirou-se apressadamente do local. Chegou ao seu carro no estacionamento louco para ver o que ela teria escrito para ele, muito embora pensasse que não poderia passar de um “Beijos carinhosos da ***”. Mas também pensava que poderia ser algo de mais e demais, já que não tirava da cabeça que haveria algo naquele sorriso dela. Abriu a revista e viu que havia escrito um número de telefone. Ora, teria ela dado o seu telefone para ele? Não era um número de celular, era o número de um telefone convencional, o que para Lucius Sezevanac denotava certo grau de intimismo, pois acreditava que não havia nada mais impessoal do que dar o número de um celular para alguém que pedisse um número de telefone.

Pronta e rapidamente, decorou aquele número e o anotou em seu celular, em sua agenda. Era um tesouro que não queria perder de maneira alguma. Se sentiu um idiota ao lembrar da propaganda de um disque-pizza: “O telefone da gostosa”. Enfim...

Chegando em casa, sequer folheou a revista. Não, não queria mesmo vê-la exposta daquela forma. Apenas a abriu a revista na página em que a moça deixara o número dela. Ele não conseguia parar de admirar a caligrafia daquela a quem venera por tantos meses. Observava a forma como ela escrevera cada número. Tentava enxergar ali algo da personalidade dela. Não conseguiu chegar à conclusões precisas, mas ficou sonhando de olhos abertos com o momento em que pegaria o telefone e discaria aqueles números mágicos. Afinal, não há homem nesse mundo que nunca tenha sonhado de olhos abertos.

Dormiu. Chegado o dia seguinte, ficou ansioso pela hora de finalmente ligar para ela. Não ligou no exato momento em que acordou. Pensou que fazendo assim pareceria algo próximo de “rendido”. Esperou o final da tarde e finalmente fez o que tanto queria.

Discou cada número com a maior calma do mundo. Tinha medo de errar algum. A calma que tinha para discar não o acompanhava totalmente. Ficava imaginando a voz dela, ficava imaginando o que dizer e como dizer. Deveria chamá-la para sair? Sair para onde? De repente, parou o sinal de chamada e uma voz feminina atendeu o telefone:

“Consultório psiquiátrico, bom dia”.

Lógico que ele desligou. Tinha certeza de ter discado exatamente o número que fora anotado na páginas da revista, sendo assim, não era engano. Ficou atordoado ao associar isso a um episódio do chaves...

O senhor Barriga cai sobre a barraca de refrescos do Chaves. Para compensa-lo, dá uma quantia em dinheiro relativamente alta para o menino. Vendo aquilo, Quico derruba a própria barraca, Senhor Barriga assiste à cena e lhe dá um cartão com o telefone de um psiquiatra.

Chaves, Chaves, Chaves... Estamos todos atentos olhando pra te ver.