a procura de lucius

Procurar um analista. Foi esse o conselho que recebi. Para falar a verdade, não sei se foi mesmo um conselho. Para mim, não passou mais de um deboche ou algo do gênero. Não sei o que pertence ao gênero do deboche, mas sei que não deve ser muito bom.

Confesso que me incomoda falar de minha vida com alguém que nunca vi na vida. Tudo bem que depois de algumas consultas eu já vou ter visto o cidadão ou cidadã na minha vida, mas mesmo assim é preocupante. Deve ser constrangedor falar abertamente, sem censuras, sobre seus anseios, angústias e algumas manias esquisitas. Ainda tenho algumas delas, mas a minha adolescência foi mais rica ainda nesse quesito.

Uma das coisas que eu mais gostava de fazer era parecer um completo idiota perante o olhar alheio. Exercitava isso diariamente e em qualquer lugar, sendo que o elevador era o meu palco preferido. Simplesmente adorava abrir a minha mochila e perguntar “tem ar suficiente aí dentro?”, sentar no chão e começar a falar “parem, parem... me deixem em paz” (isso deveria ser acompanhado por alguns socos na minha cabeça que eu mesmo dava). Ninguém me entendia, até porque nem se davam ao trabalho de tentar faze-lo, que seja ressaltado.

Hoje em dia, mantenho um hábito que duvido compartilhar com outrem. Ok, falar “outrem” também é bem esquisito. O tal hábito é sair de casa com uma certa quantia em dinheiro destinada ao consumo de saborosos pães de queijo. Pelas minhas contas, já gastei a quantia equivalente a um carro em pães de queijo. Não sei qual carro, mas talvez um fusca (azul claro de preferência). Sou um dos maiores experts em pão de queijo que existe (se é que existe a Confederação Nacional de Provadores de Pão de Queijo).

Deixando as minhas esquisitices de lado, vamos a verdadeira saga que foi achar um psicólogo.

Agi com uma metodologia científica ao buscar um analista. Não, não procurei pelos que possuíam grandes títulos e especializações no exterior, se é que isso tem a ver com alguma metodologia científica. Eu simplesmente abri a lista telefônica e fiz uma lista dos que procuraria durante o dia. Procurei não listar os que tinham consultórios próximos uns dos outros, pensei que poderiam depois ir para algum barzinho, encher a cara com qualquer cerveja barata e quente, ao mesmo tempo em que ririam falando de mim. Sem contar que os garçons poderiam ouvir, as pessoas das mesas ao lado também e aí já era a minha reputação. Se é que tenho alguma.

Primeiro Analista: Dr Armando Pinto.

É, o sujeito tem nome de piada sem graça. Mas fico imaginando, será que o infeliz não tem nenhum outro sobrenome? Assim, poderia desfazer esse trocadilho no mínimo infame. Cheguei à sala dele e vi um sujeito gordo, barbudo e de óculos, sentado em uma cadeira giratória. Com um leve aceno de cabeça, indicou que eu me sentasse em um divã. Eu o fiz, olhei para ele e vi um pequeno levantar de sobrancelhas. Então, minha consulta começava. Coloquei-me a falar e falar. Minutos passaram-se e só eu falei. Não sei se o caro leitor já foi ou costuma ir à analistas, mas você paga uma nota pensando que terá todos os seus problemas resolvidos, pois agora tem a ajuda de um profissional em ouvir problemas, mas não é nada disso. Você acha que vai ouvir a voz da sabedoria. No meu caso com esse senhor, meus problemas só aumentaram. Imagine, eu lá me abrindo totalmente (não sou contorcionista e, por favor, não levem para o lado erótico da coisa, sou macho) e vejo o infeliz daquele gordo dormindo! Onde foi parar a minha auto-estima? O que fiz? Levantei-me cuidadosamente, para não acorda-lo (assim eu não teria que pagar a consulta) e fui embora. Ah, peguei um chocolate que estava na mesa dele.

Segundo analista: Mariana Goulart.

Essa tem nome de jornalista. Imaginem a Fátima Bernardes no Jornal Nacional dizendo: “Agora, diretamente de Brasília, Mariana Goulart”. Tudo a ver. Entrei no consultório e levei um susto. Não, ela não estava armada com um lança chamas. Olhei e vi uma mulher que não deveria passar dos trinta. Vi uma mulher de cabelos loiros, pele bronzeada, lábios carnudos e um decote pra lá de generoso. Coloquei-me a falar, mas não conseguia me concentrar em coisa alguma. A única coisa em que conseguia me concentrar era naquele belo par de...Digo, só conseguia me concentrar naquela belíssima visão. Escreveria um conto, uma crônica ou um livro sobre o que estava vendo e sobre o que imaginava fazer com o que estava vendo. Mas preferi não escrever coisa alguma, minha última experiência em escrever para uma mulher que me encantou profundamente não foi das melhores.

A diferença de Mariana para Armando era muito grande. Lógico né, ela era uma bela mulher, e ele um cara bem feio. Mas também entra aí o fato de ela mostrar-se mais atenciosa, mais falante. Gostei da psicóloga Mariana, mas gostei tanto de seu decote que preferi encurtar a consulta e ir embora. Imaginem só se a cada consulta ela se mostra mais? Lógico que seria algo no mínimo “totalmente excelente”, mas eu não estaria cumprindo o intuito de me tratar.

Saí do consultório da doutora Mariana (olha a intimidade) um tanto quanto desolado, triste, sem vontade de sair pelas ruas chutando amêndoas pelo chão e cantando uma bela canção. Pensei: “nossa, nunca vou pegar uma dessa”. Mas procurei me afastar dessa tristeza e de pensamentos impuros, sentei no banco de uma praça e comecei a meditar. Não, eu não cruzei as pernas e nem fiquei de olhos fechados fazendo “hum”, fiquei só pensando mesmo. Meus pensamentos só foram interrompidos quando um velhinho chato e puxador de assunto sentou ao meu lado com uma gramática e começou a falar de assuntos inverossímeis. Levantei-me e procurei o lugar mais próximo onde eu pudesse encontrar um bom pão de queijo.

Entrei numa livraria, mas nem dei bola para os livros, mesmo sendo um escritor e até tendo alguns de meus livros à venda por lá. Procurei imediatamente pelo Café. Sentei em uma mesa que só não estava vazia pela presença de uma rosa em seu centro. Rosa essa que me fez lembrar logo de quem, né? Melhor ficar quieto. Esperei malditos quinze minutos por 3 pães de queijo, mas o atendente de lá foi bem esperto, entregando-me uma latinha de refrigerante assim que cheguei, desse modo eu acabei consumindo mais de uma, dando assim mais lucros ao estabelecimento. Esse é o capitalismo.

Eu ainda tinha mais duas consultas marcadas. Olhei em minha agenda os nomes dos dois próximos psicólogos a serem visitados: Dr. Olivier Deschamps e Dra. Clara. O primeiro, com esse nome, deve ser uma tremenda dúvida. A Dra, só pelo nome, já me inspira certa confiança. Imagina só, ela vai deixar tudo “às claras”. É, bem sem graça esse trocadilho.

Cheguei ao consultório do Dr. Torcendo para que as minhas suspeitas não fossem reais. Já ouvi falar que algumas vezes os psicólogos acabam se envolvendo com os pacientes e seus problemas, agora imagina se um homossexual resolve se envolver comigo? Seja no sentido denotativo ou conotativo do verbo “envolver”, eu não gostaria nada. Pelo menos a sala de espera me passou uma boa impressão, havia até algumas revistas novas e de boa qualidade, diferentemente de consultórios dentários, onde encontramos até aquelas revistinhas feitas para adolescentes cheias de fogo que mandam uma carta à redação perguntando se beijo engravida. Antes de entrar na sala do Dr, vi sair dela uma senhora aos prantos. Lógico que me assustei, mas também não pensei que isso seria culpa dele, penso que pessoas devem se emocionar muito falando de seus problemas sem censura. Olivier era bem diferente dos outros dois profissionais que visitei hoje, ah, ele não era gay também. O problema é que ele falava demais, citando Lacan e Freud (Lê-se “Froid”) o tempo todo. Vai ver que queria justificar a presença das plaquinhas pregadas nas paredes de sua sala. Não gostei muito daquela arrogância e saí de lá imediatamente, meu celular tocou. Para falar a verdade, o que tocou foi o despertador do meu celular, tinha programado para que isso acontecesse ao imaginar que poderia ser atendido por uma pessoa que gosta das mesmas coisas que uma mulher gosta.

Saí de lá e fui logo para o consultório da Dra. Clara, pois queria acabar logo com a minha jornada. Cheguei, bati na porta e ninguém atendeu. Fiquei do lado de fora esperando por cerca de 17 minutos (é, eu contei no relógio). Entendi o motivo da demora, pelo que percebi, Clara não possui secretária e estava atendendo a um paciente. Um rapaz que deveria ter seus 18 anos. Ainda fico me perguntando porque uma pessoa dessa idade vai ao psicólogo. Um menino tão cheio de vida e já precisando de ajuda. Não o recrimino, seus problemas devem ser mesmo fortes e, quem sabe, tristes. Seu rosto não parecia transparecer a felicidade fácil e farta de outros meninos da sua idade. É uma pena, torço para que ele melhore. Dra. Clara me ouvia, ouvia e me ouvia. Falava pouco e me induzia a tomar minhas próprias conclusões a respeito de meus problemas. Gostei bastante dela.

Saí de seu consultório com um enorme alívio. Andava pelas ruas com vontade de cantar uma bela canção, chutando amêndoas e já procurando um outro lugar para comer mais pães de queijo. Andei, andei, andei sem destino, apenas olhando para a rua, para cada pessoa e lhes imaginando uma vida, uma história. Minha primeira consulta será na semana que vem. Até lá.