Tanha

Tanha sempre foi tolerante com os defeitos de seus dois irmãos: o mais velho, Tenho, e a do meio, Tinha. Tinha já estava com 28 anos, Tenho com 30 e Tanha fez 18 na semana passada. Seu pai parecia estar obcecado pelo verbo ter quando eles nasceram, mas por algum motivo muito estranho, como se o da obsessão já não bastasse, deu a ela um nome, digamos, inesperado. Mas Tanha não o abominava. Até gostava dele, principalmente quando, ainda moleca, ouviu uma tia comentar que ela se chamaria Tivesse, mas algo fez o pai mudar de ideia. Dizem que a mãe, Dna. Nula, não decidia nada em casa, muito menos os nomes dos filhos. Que era uma mulher completa e absolutamente submissa às vontades do marido, o Senhor Sido, uma pessoa nostálgica, fortemente ligada ao passado. Um antigo professor de português da escola local chegou a conjecturar, anos atrás, que talvez o motivo dos nomes dos filhos tivesse um cunho filosófico. Algo assim relacionado à postura de ter ou ser diante da vida. Baseava sua teoria no simples fato de ser o Sr. Sido um homem sabidamente culto. Afinal, pessoas cultas não aceitam impunemente o acaso, sem antes brincar um pouco com ele. No entanto, quando tais idéias lhe eram solicitadas, entre um e outro copo de cerveja, deixava sempre claro que eram apenas idéias, pois nunca o Sr. Sido havia lhe confidenciado algo a respeito dos reais motivos. Intimamente acreditava, em vários comentários feitos a mim, o dono da livraria ao lado da escola, que Sido devia ter herdado do pai um apreço especial pelo escritor Erich Fromm, autor da famosa obra "Ter ou Ser". Talvez o pai de Sido, padecido que estava com os desvarios consumistas da sociedade da época, tenha lhe imposto esse nome, o particípio do verbo ser, para estimulá-lo nesse ato: o de ser.Isso porque nosso nome, sem que percebamos, tem forte influência em nossas vidas" - prosseguiu o professor. Coincidência ou não, Tenho era um esnobe egoista e Tinha uma incorrigível perdulária. A família de Tanha passou a ser ao professor seu maior interesse, principalmente após seu casamento com Amon, um filho de egípcios de passagem no país. Juntos, Amon e Tanha fazem um belíssimo casal. Parecem estar elevados sobre os demais, sugerindo muita força e solidez. Claro que os pais, orgulhosos, notaram isso. Quem não notaria? Agora, daí a dizer que nomes influenciam nossas vidas, ora, nesse caso, que mal faria?

GripenNG
Enviado por GripenNG em 22/11/2013
Reeditado em 15/01/2023
Código do texto: T4581223
Classificação de conteúdo: seguro