Arrumei um estágio!

A falta do que fazer me levou a arrumar um estágio. O grande problema da minha vida é arrumar alguém que queira me pagar para fazer alguma coisa. Não sou muito seletivo, basta não ter que vender nada, não carregar peso, não precisar de esforço físico, não acordar antes das dez, não ser mais que seis horas por dia e não ter que pegar ônibus ou metrô lotado, que eu topo.

Não procuro nada, porque como diz uma música que eu gosto: “o pior sintoma da decadência é o desespero”. Mas não da pra ignorar os anúncios nos murais da faculdade. Já passei pelas situações mais bizarras por conta deles. Tinha um de uma editora que queria um estagiário para lidar com o leitor. Inocentemente, não consegui perceber a tempo que se tratava de uma cilada.

Ofereciam R$ 450,00 por seis horas de trabalho. Então fui ver o que eles queriam de mim por tal fortuna mensal. Cheguei lá e só tinha mulher para a droga da dinâmica. Achei meio estranho, mas já que tinha acordado às seis horas da manhã, feito a barba, me vestido ridiculamente mau, tomado chuva, tomado um café com leite no boteco por cinqüenta centavos, e pago seis reais pro banco por tirar dinheiro na maquina errada. Fiquei.

Quando a coisa toda começou e eu e mais sete mulheres nos esprememos em volta de uma mesa pra cinco pessoas. Fui informado que a vaga era para secretária - vendedora de assinaturas -, e que ligaram em casa para tentar me avisar mais não me acharam.

Passou pela minha cabeça perguntar porque eles escreveram que a maldita vaga era para estagiário de comunicação. Não perguntei porque sou um ser pacifico e otário. Me retirei da sala e fiquei xingando eles enquanto andava pela rua, tomando mais um pouco de chuva, indo para faculdade.

Outra enrascada que entrei por causa daqueles tecos de papel do mural foi na Praça de República. Cheguei em casa à noite e tinha um recado em cima da minha cama escrito: “Têm uma mulher te procurando, falou pra você ligar amanhã até as nove horas”. Madruguei e marquei de ir lá meio dia, a mulher me precaveu de que se eu não conseguisse entrar no prédio, na Barão de Itapetininga, ligasse pra ela que ela dava um jeito.

Rapidamente fiz a barba, me fantasiei de idiota e fui. Cheguei lá quinze pro meio dia, não sabia onde era e me perdi. Andei de um lado pro outro uns vinte minutos até achar o tal prédio. Tinha uma fila quilométrica na porta, de dez em dez minutos eles liberavam vinte pessoas para visitar as centenas de agências de emprego que tinham nos andares.

É a humilhação por ser desempregado. Em uma dinâmica por uma vaga descobrimos até que ponto uma pessoa pode se humilhar por uma ninharia todo fim de mês. Como tudo sempre está a meu favor, meu nome não estava na lista. Meu cartão telefônico tinha duas unidades, e eu não tinha grana pra comprar outro. Tinha menos de um real no bolso, não tinha nem a grana para voltar pra casa.

O cara da segurança me disse que eu não ia poder entrar. Liguei para a mulher uma vez e ela mandou eu esperar do lado do cara que ela ia me liberar. Esperei uns quarenta minutos e nada. As pessoas entravam, a fila aumentava e todo mundo reclamava.

O brutamontes já estava me olhando torto. Gastei meu último crédito e liguei pra mulher de novo, ela se desculpou e liberou minha entrada em menos de quinze minutos. O que considerei um bom tempo, levando em conta a enorme fila que furei.

Fui até o décimo quinto andar e vi uma fila de umas quinze pessoas saindo por uma porta, tinha mais umas dez lá dentro, todas com um currículo na mão. Fui até a secretária e falei que tinha hora marcada. Ela me mandou sentar em uma cadeira universitária e preencher uma ficha de cinco folhas.

Coloquei meu nome, endereço e telefone e entreguei de volta. Ela me disse que tinha que preencher tudo. Tinha pergunta sobre religião, família, condição social e um monte de outras coisas que não interessam pra eles. Falei que não ia escrever tudo aquilo. A distinta ficou me olhando com cara de merda e me falou para esperar.

Percebi que tinha uma cambada nas outras carteiras preenchendo aquela merda, e que quando eles entregavam aquilo recebiam mais um bolo de papel. A humilhação por uma entrevista, notem, não é pelo emprego, é só por uma entrevista com uma sabe-tudo de rh.

No meio da multidão achei uma menina da minha classe, escrevendo com toda vontade e esperança que um ser imbecil pode ter. Em cinco minutos a mulher com que falei no telefone me chamou para conversar, minha atitude tinha feito eu passar na frente de todo mundo. Já estava a uns vinte minutos lá, a idéia de ir embora já amadurecia na minha cabeça.

Ela disse que eu não precisava preencher todas as fichas, bastava que fizesse uma redação de vinte linhas com o tema: “quem sou eu”. Falei que não ia escrever, ela me olhou com cara de espanto e ficou quieta. Olhei para trás e vi um monte de gente escrevendo a tal redação, olhei pra ela dei risada e falei: “a vaga ainda me interessa, mais gostaria de tratar diretamente com o contratante”, ela respondeu que não era possível. Fui embora.

Sai na rua e começou a chover, era umas duas horas já, passei no banco e peguei os últimos seis reais que tinham na minha conta. Meia hora de fila por seis reais. Não tinha almoçando, mas se comece algo decente não sobraria dinheiro pro cigarro e ônibus.

Comprei um cachorro quente de setenta centavos, um refrigerante de um real e dois maços de cigarro paraguaios. Fui embora em meio ao temporal, cheguei na faculdade cinco horas ensopado. Eu gritava umas músicas do Slayer enquanto andava pela chuva. Aliviava a tenção.

Era essa a credibilidade que aquele painel de estágios tinha. Nenhuma. Nunca entendi porque continuava a mandar currículos pela internet diariamente para os e-mails que apareciam lá. Ai pintou um estágio num canal de tv a cabo. Tinha vários fatores negativos. O trabalho ia ser de segunda a sexta da meia noite as seis da manhã, o mais fascinante, era não remunerado. Este era o termo que eles usavam para contratar estagiários para trabalhar de graça. Eu trabalho, alguém lucra. Curto e grosso. Sem vaselina. Já tinha encarado tanta oferta pior, mandei o currículo.

Me ligaram depois de dois dias. Marcaram uma dinâmica. Fui até lá. A menina, era uma menina, não uma mulher, do rh fez questão de lembrar o tempo todo que não ia rolar um centavo de grana, não teria direito a absolutamente nada, e tinha que obedecer rigorosamente e horário. Falei que topava, afinal, eu não fazia nada de útil esta hora mesmo.

Ela me mandou escrever alguma coisa a partir do tema: Agilidade da Notícia x Qualidade da Informação. Fugi completamente da proposta e escrevi sobre a teoria de comunicação funcionalista. Viajei.

Uns quatro dias depois me ligaram de novo. Voltei lá e conversei com quem seria minha provável chefe. Ela falou um monte de coisas, não consegui entender nada, só respondia que fazia e que conseguia. Depois de uma semana me ligaram para confirmar uma semana de testes. Comecei a suspeitar que tinha conseguido a vaga. Seriam seis meses como escravo do jornalismo.

Cheguei no primeiro dia e fiz as constatações mais obvias, que eu procurava fingir ser mentira a todo custo. O uniforme era, calça social, camisa de manga comprida, gravata e sapato. Cabelo bem penteado e sempre cheiroso. Barba feita e mãos limpas. Não basta ser escravo, tem que ser obediente.

Fiquei uma semana lá com mais dois recrutas que iam começar comigo. Ficava na redação das três da tarde as sete da noite atrapalhando os outros com perguntas imbecis como, o que você faz? Qual seu nome? Como faz isso? E eles respondiam mandando a gente fazer coisas extremamente complicadas, como carregar fitas ou levar papel pra lá e pra cá. Foi está semana que entendi que ia deixei de fazer nada para mim e comecei a fazer para os outros.

Trocava o dia pela noite, era sugado da meia noite as seis da manhã, faltava uma semana para acabar minhas aulas. Comecei na madrugada na minha semana de prova, que conseqüentemente foi um fiasco, não fiquei com uma nota acima de oito. Peguei dois exames. Dormia de dia, e vegetava a noite. Eu sempre gostei mais da noite mesmo.

As melhores coisas da minha vida acontecem à noite. Perdi a virgindade numa noite. Tomei meu primeiro porre numa noite. Fumei maconha pela primeira vez à noite. Meu primeiro emprego foi de noite, em uma rádio. O segundo também, em um canal de tv. De dia eu capotei o carro. Repeti a quinta série. Passei sono. Andei de ônibus lotado. Tomei chuva. As merdas sempre acontecem de dia.

Eder Capobianco
Enviado por Eder Capobianco em 21/04/2007
Código do texto: T457970
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