Sinto o cheiro das plantas do lado de fora.
Como é gostoso sair do apartamento, ver o sol, ouvir pássaros cantar.
As meninas brincam com argila. Que bagunça na mesa da cozinha.
Sorrio sozinha enquanto preparo o jantar. Mais meia hora e poderemos comer em família.
Mais um sorriso chega de repente. Até posso vê-lo chegar, jogar o paletó no encosto do sofá, tirar os sapatos.
As meninas correrão até ele, felizes por vê-lo em casa. Ele, então, falar-me-á sobre seu dia.
Estará preocupado com as reconciliações da empresa e com os sempre problemáticos Custos.
Brincarei com ele, pedindo-lhe calma nessa hora, afinal o horário do trabalho já passara e o momento agora, é da família.
O telefone toca.
—Deixe que eu atenda, mamãe! – diz a filha mais velha. —Deve ser o papai!
—O papai? –pergunta a caçulinha. —Preciso falar com ele. Meu chocolate branco acabou e preciso acalmar minha barriguinha.
Acho graça. Meu semblante se entristece de repente.
A filha mais velha retorna com o telefone sem fio. Está cabisbaixa, seus longos cabelos a encobrir-lhe o rosto.
Talvez para que não possa olhar-lhe os olhos e deparar-me com minha própria mágoa neles. Entrega-me o telefone. —O papai quer falar com a senhora. Deu problema no fechamento e ele não vai poder chegar para o jantar.
Subitamente toda a expectativa acumulada durante o dia desaparece. Olho a comida especial quase pronta e relembro tantos outros jantares perdidos.
—Alô? Você está ai? – ouço sua voz profunda vinda do telefone. A mesma voz que há tantos anos me encantara.
—Sim... Estou...O que houve? – pergunto com a voz controlada graças à anos de prática.
—Problemas com o fechamento. Acho que nem chego hoje ainda.
—Como assim? Você não vem para nosso jantar? – pergunto já sabendo a resposta, mas ainda cultivando um fio de vã esperança.
—A gente janta qualquer outro dia.Agora tenho que desligar. Ah! Antes que eu me esqueça, vou trabalhar na quinta e sexta também.
—Também? Mas... É feriado...
—Diz isso para as reconciliações. Até mais!
Fico olhando para o aparelho pasma, muda, sem reação.
As meninas, outrora tão serelepes, agora estão tristes, remexendo apaticamente a argila nas mãos.
—Por que o papai não vem jantar com a gente? –minha caçulinha pergunta, colocando a mãozinha suja de argila no queixo. —Hoje não é nosso dia especial?
Dou um sorriso, mas logo me entristeço. —É sim, meu docinho, mas o papai precisa trabalhar.
Vejo sua pequena testa se franzir. Ela olha para a janela da cozinha. A lua está brilhante iluminando o quintal lá fora. —Mas está de noite!
Seu rostinho carregado logo se ilumina. —Já sei! Vou parar de pedir chocolate branco todo dia para o papai, assim ele não vai precisar trabalhar tanto.
Não digo nada. Não consigo. A mágoa e a revolta apertam-me a garganta e me oprimem o peito.
A filha mais velha se levanta. Olha uns poucos segundos para a escultura de argila que seria um presente e a joga na lixeira.
Respiro fundo para não deixar as lágrimas caírem. Estou triste. Desolada. Pensando no que fiz com minha vida e de minhas filhas.
Anos à fio de jantares solitários e aniversários vazios.
Olho para o jantar já pronto. O aroma apetitoso só me causa náusea.Mais um aniversário de casamento em branco.
Será que você ao menos se lembra? – pergunto-me em pensamento.
Claro que não – continuo meu embate mental. Sua primeira escolha sempre será o trabalho.
Não importa que já tenhamos conforto, não importa o quanto sintamos sua falta. Você nunca optará por nós.
Lá fora, a brisa suave balança os sinos de vento.
Uma ideia começa a se formar em minha mente.
Devolvo o telefone à base e vou para o quarto. Do guarda-roupa, retiro uma mala e a coloco na cama.
A filha mais velha aparece à porta para voltar poucos minutos depois com sua própria mala pronta numa mão e na outra a mãozinha da caçulinha.
—Estou pronta– diz a mais velha.Sua postura e atitude indicando que me apoiaria totalmente em minha decisão.
—Vamos viajar, mamãe? – pergunta a caçulinha com carinha de expectativa. Faço que sim com a cabeça. —Oba! – ela dá pulinhos de alegria.
Fecho a mala e pego minha bolsa largada na poltrona. Nela se encontra os passaportes para uma nova vida.
Saímos de casa.
Os sinos de vento tocam à nossa passagem. Seu toque doce deixa uma bela melodia no ar, carregando consigo as frustrações e expectativas vazias.
Olho para as meninas e sinto força na energia gratificante vinda delas.
É chegado o momento de buscarmos a felicidade em nós mesmas.
Seremos felizes.
Dou partida no carro.
Que toquem os sinos.
Como é gostoso sair do apartamento, ver o sol, ouvir pássaros cantar.
As meninas brincam com argila. Que bagunça na mesa da cozinha.
Sorrio sozinha enquanto preparo o jantar. Mais meia hora e poderemos comer em família.
Mais um sorriso chega de repente. Até posso vê-lo chegar, jogar o paletó no encosto do sofá, tirar os sapatos.
As meninas correrão até ele, felizes por vê-lo em casa. Ele, então, falar-me-á sobre seu dia.
Estará preocupado com as reconciliações da empresa e com os sempre problemáticos Custos.
Brincarei com ele, pedindo-lhe calma nessa hora, afinal o horário do trabalho já passara e o momento agora, é da família.
O telefone toca.
—Deixe que eu atenda, mamãe! – diz a filha mais velha. —Deve ser o papai!
—O papai? –pergunta a caçulinha. —Preciso falar com ele. Meu chocolate branco acabou e preciso acalmar minha barriguinha.
Acho graça. Meu semblante se entristece de repente.
A filha mais velha retorna com o telefone sem fio. Está cabisbaixa, seus longos cabelos a encobrir-lhe o rosto.
Talvez para que não possa olhar-lhe os olhos e deparar-me com minha própria mágoa neles. Entrega-me o telefone. —O papai quer falar com a senhora. Deu problema no fechamento e ele não vai poder chegar para o jantar.
Subitamente toda a expectativa acumulada durante o dia desaparece. Olho a comida especial quase pronta e relembro tantos outros jantares perdidos.
—Alô? Você está ai? – ouço sua voz profunda vinda do telefone. A mesma voz que há tantos anos me encantara.
—Sim... Estou...O que houve? – pergunto com a voz controlada graças à anos de prática.
—Problemas com o fechamento. Acho que nem chego hoje ainda.
—Como assim? Você não vem para nosso jantar? – pergunto já sabendo a resposta, mas ainda cultivando um fio de vã esperança.
—A gente janta qualquer outro dia.Agora tenho que desligar. Ah! Antes que eu me esqueça, vou trabalhar na quinta e sexta também.
—Também? Mas... É feriado...
—Diz isso para as reconciliações. Até mais!
Fico olhando para o aparelho pasma, muda, sem reação.
As meninas, outrora tão serelepes, agora estão tristes, remexendo apaticamente a argila nas mãos.
—Por que o papai não vem jantar com a gente? –minha caçulinha pergunta, colocando a mãozinha suja de argila no queixo. —Hoje não é nosso dia especial?
Dou um sorriso, mas logo me entristeço. —É sim, meu docinho, mas o papai precisa trabalhar.
Vejo sua pequena testa se franzir. Ela olha para a janela da cozinha. A lua está brilhante iluminando o quintal lá fora. —Mas está de noite!
Seu rostinho carregado logo se ilumina. —Já sei! Vou parar de pedir chocolate branco todo dia para o papai, assim ele não vai precisar trabalhar tanto.
Não digo nada. Não consigo. A mágoa e a revolta apertam-me a garganta e me oprimem o peito.
A filha mais velha se levanta. Olha uns poucos segundos para a escultura de argila que seria um presente e a joga na lixeira.
Respiro fundo para não deixar as lágrimas caírem. Estou triste. Desolada. Pensando no que fiz com minha vida e de minhas filhas.
Anos à fio de jantares solitários e aniversários vazios.
Olho para o jantar já pronto. O aroma apetitoso só me causa náusea.Mais um aniversário de casamento em branco.
Será que você ao menos se lembra? – pergunto-me em pensamento.
Claro que não – continuo meu embate mental. Sua primeira escolha sempre será o trabalho.
Não importa que já tenhamos conforto, não importa o quanto sintamos sua falta. Você nunca optará por nós.
Lá fora, a brisa suave balança os sinos de vento.
Uma ideia começa a se formar em minha mente.
Devolvo o telefone à base e vou para o quarto. Do guarda-roupa, retiro uma mala e a coloco na cama.
A filha mais velha aparece à porta para voltar poucos minutos depois com sua própria mala pronta numa mão e na outra a mãozinha da caçulinha.
—Estou pronta– diz a mais velha.Sua postura e atitude indicando que me apoiaria totalmente em minha decisão.
—Vamos viajar, mamãe? – pergunta a caçulinha com carinha de expectativa. Faço que sim com a cabeça. —Oba! – ela dá pulinhos de alegria.
Fecho a mala e pego minha bolsa largada na poltrona. Nela se encontra os passaportes para uma nova vida.
Saímos de casa.
Os sinos de vento tocam à nossa passagem. Seu toque doce deixa uma bela melodia no ar, carregando consigo as frustrações e expectativas vazias.
Olho para as meninas e sinto força na energia gratificante vinda delas.
É chegado o momento de buscarmos a felicidade em nós mesmas.
Seremos felizes.
Dou partida no carro.
Que toquem os sinos.