PARA QUEM VIVEU AQUELES DIAS...

Anos setenta. Enquanto jovens queimavam carros na França e americanos faziam festivais de rock com muita psicodelia e contestação à Guerra do Vietnã, eu e meus colegas de aula formávamos filas no pátio da escola.

Meninas de um lado, meninos do outro. Momento quase sagrado para cantar os vários hinos de praxe e ensaiar para o Desfile da Mocidade, Porto Alegre , no bairro Menino Deus.

Havia um General de olhos azuis que era torcedor do Grêmio e da Seleção Brasileira. A gurizada o chamava de Garrafazul.

Também existia um ministro gordo de óculos que falava em deixar crescer o bolo para depois distribuir. Por mim, queria comer o bolo todo, agora. Melhor se fosse de chocolate...

Tempos de calças boca-de-sino, do primeiro cigarro escondido no banheiro, das descobertas amorosas sob as luzes estroboscópicas dos clubes de bairro.

Enquanto isso, jornais falavam em "milagre brasileiro" e, vez por outra, apareciam jovens barbudos na televisão, escoltados por militares, que juravam arrependimento aos atos cometidos. E eu nem ao menos sabia do que eles pediam perdão.

Tudo concorria para a alienação. A mídia falava em letras versais do "perigo do comunismo", o padre, também. Em família, não se conversava sobre política. Nossa preocupação maior era conseguir “furar” os bailinhos das famílias mais abastadas e usufruir das meninas, comidas e bebidas mais apetitosas.

Era uma Porto Alegre, provinciana, de um pesado calor, sem maiores diversões para um adolescente de classe média baixa.

Cidade-carroça como Caio Fernando Abreu a definira num jornal paulistano, provocando a ira da pátria gaúcha.

No entanto, logo em seguida, veio o cursinho, a Faculdade de Comunicação e o mundo real foi surgindo. País em tons escuros, com toda sua carga de perplexidade e opressão.

Nunca mais achei graça em Dom e Ravel, Flávio Cavalcante, Amaral Neto e similares. Neste período, não vestia verde-oliva por nada deste mundo. Era, definitivamente, politicamente incorreto aos padrões da época.

Começava a se formar o homem que eu seria e que nunca mais deixaria de ser...

Ricardo Mainieri
Enviado por Ricardo Mainieri em 19/11/2013
Reeditado em 20/11/2013
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