COME DO MEU FEIJÃO, PROVA DO MEU CINTURÃO
" Desculpa o pigarro, mas é que tou muito nervoso porque nunca me vi diante de situação semelhante, nunca fui tido por testemunha nem das mortes das vacas que minhas mãos há tanto faz sangrar até a morte. Sua formosura faz favor de entender, sou já senhor, homem de idade, pra mais de meio século de história e, sabe como é, né dona, nunca nem de longe passei por perto de um xilindró. Me chamo de João Ninguém da Silva, mas pode chamar de Nenen Marchante, me adotarão por esse nome desde que me entendo por gente, desde menino vei buchudo das brenhas de onde vim... Conheço o compadre e acomadre desde que inventaram de trocar dengos, ele de posso, com as butucas dos olhos para as prendas da moça, e ela toda engraçada pelos mimos que ele gostava de fazer: mandava flores, trazia presentes, levava ela pra comer fora, andavam de bicicleta e eu sempre disse que ia dar em casamento. Dito e feito, ele roubou ela na primeira oportunidade. A mãe não gostou, nunca gostou dele não , dizia ela que ele tinha olhos de desconfiança, sobrancelhas apregadas e homem assim é danado pra dar pra trás. Quase que se acaba de chorar quando a filha se foi sem ao menos bordar o enxoval. Moraram sempre do lado de minha casa, sempre que podia vinham prosear um pouco, quer dizer ele, ela, na voz dele, sempre tinha algo pra fazer dentro de casa. As vezes eu dizia: "Homem, larga de besteira, deixa a mulher ficar a jogar quatro palavras fora um pouco", mas ele nunca deixava e quando ela vinha, escondida, no outro dia se via um roxição pelo corpo. É um homem bom, num sabe doutora, mas bruto que só São Jorge em seu cavalo. Eu achava exagero, mas na égua alheia, quem põe cangaia é o dono, né assim que dizem, pois então? Ela era doida pra emprenhar, mas ele não queria. Daí se ouvia os gritos dela, vixe nossa senhora, era de fazer dor, parecia novilha enganchada nos arames farpados das cercas... Doía dentro da gente, mas fazer o quê? Dizem que tem mulher que gosta de apanhar, eu que num ia me meter onde não me cabia... Pra senhor saber, até os pais dela partiram, sem aguentar as brabezas dele com a filha, venderam a casa e foram morar longe porque ele não se dava bem com a sogra, dizia que ela era dos olhos ruim e punha mal olhado na relação dos dois... É um homem bom, dona, de grande coração, as coisas que ele fazia não era por maldade não, isso que eu acho. Gosta de uma prosa, de um sorriso largo, mas a mulher não podia sorrir, se pintar, cortar o cabelo, se reunir com as amigas... Outra noite foi aquele desespero, sei bem porque nesse mesmo dia fui levar meio Jeep vei pra ele dar uma mãozinha e ele veio comigo, passamos no bar do amigos, tomamos uns gorós e ele veio de carona comigo, vinha só resmungando que achava ter sido corpo, que a barriga dela não era dele e que iria resolver, aí eu dizia: Cumpade, ce é um bom moço, amole essa cabeça não, sua mulher é honesta, moça boa, vá dormir em paz... Ele ficou calado, foi pra casa e eu pra minha. Num deu alguns minutos e a gente começou a ouvir o tirinete no ar, mas como sempre tudo acabava bem, os dois continuavam unidos e felizes, fui dormir também, liguei o rádio bem alto e virei um túmulo. No outro dia, doutora, eu num tive culpa, quando acordei já dei com essa doida da Titica, que mais parece ter titica de galinha na cabeça, com a comadre dentro de casa. As duas saíram, nunca mais vi a cumadre, tou vendo hoje, mas um compadre é um homem bom, não faz mal a ninguém, somente a ele, com esse ciúme e com esse álcool sem controle, mas eu já disse a ele: "Homem, vá a igreja, se ajoelhe nos pés de nosso senhor, faça uma jura e vá viver em paz com sua esposa", sabe o que ele me diz? "A esposa é minha, só quem engorda o gado é o olho do dono e quem come do meu feijão, prova do meu cinturão", pronto, dizer mais o que? Doutora, dê só uns conselhos a ele, fale baixinho no pé do ouvido, tenho certeza que a senhora ele escuta, não precisa apresentar ele a tal Maria da Penha não, dizem por aí que essa tal é Maria da Peia, porque não gosta de amaciar os couros de ninguém não, mas, pode crer, o compadre é um homem bom, amolestado, mas de bom coração..."