Vila dos Pobres

Sob o Céu de Santa Rita

A Vila dos pobres, na verdade se chama, Vila João Lázaro, mas ninguém se referia a ela por este nome. Era mesmo conhecida por Vila dos Pobres, pelo menos no período em que eu vivi lá, nos anos sessenta.

Um muro branco separava o quintal da minha casa e o cemitério.

Naquela época a iluminação elétrica não havia ainda chegado até lá, arrebalde da cidade, por isso o cemitério tinha para nós um sentido metafísico, sagrado, misterioso, e estimulava nos a conversar sobre a morte, espíritos, etc.. etc.

Na casa de número dois, vivia o Seu Alfredo e sua esposa dona Eliza. Seu Alfredo, era um homem já de idade, era calado e sisudo . Dona Eliza sabia ler a sorte nas cartas, sua casa recebia muitas visitas de gente da cidade. Ela era sonhadora e fantasiava bastante, toda vez que tocava na rádio da cidade a música, Cabocla Teresa, ela sorria e dizia que era um antigo admirador seu mandando recados. Ah! Ele é louco por mim dizia ela.

Gostávamos muito de consulta -la e costumávamos brincar dizendo que dava sorte ler a sorte nas cartas da Dona Eliza. Tínhamos um carinho muito grande por ela.

A Casa um, era a casa da Dona Cecília, esposa do seu Jonas. Eles vieram do Paraná para viver em Santa Rita por conta da internação dele no Sanatório, para tratamento da Tuberculose. Ah! A famosa escritora maldita, Adelaide Carrara ficou internada algum tempo neste sanatório. Toda molecada sabia disso e tinha um certo não sei que, saber disso, já que ela era uma escritora pornográfica, a imaginação voava.

Um dos quatro filhos da dona Cecília, o mais velho, chamava se Dito, tinha uns vinte e poucos anos. Ele era como um tio, na perspectiva da molecada, a maioria abaixo dos doze anos.

No cair da noite, o Dito sentava em um toco em frente a vila, e a molecada se acomodava ao seu redor para ouvi-lo contar filmes de bang- bang, de guerra . Se fecho os olhos, posso ouvir sua voz contando o Bravura Idômita, com John Wayne. Foi o Dito que me apresentou também o Audie Murphy, Tyrone Power, Kirk Douglas e outros grandes. O Dito destacava sempre o nome dos Diretores com certo respeito; Gostava quando ele dizia este filme foi dirigido pelo grande diretor Italiano, Sérgio Leone.

Foi nesta época que despertou a minha paixão pelo cinema.

Durante um longo tempo, depois da escola, eu e alguns amigos saíamos a "catar" ossos, vidros, ferro no Lixão do Filin de Freitas, para vender ao Barbatana, conhecido comerciante destes materiais recicláveis, ( Termo que eu não conhecia na época) para ganhar uns trocos e pagar o cinema no sábado e a matinê no domingo, no Cine Mirela.

Tempos depois consegui um emprego no cinema, eu entregava nas casas comerciais e residências da Avenida Severino Meireles, um informativo com o programa de filmes da semana. meu pagamento era a entrada grátis. Era uma maravilha, eu ia ao cinema a semana inteira. Mentira! Menos na sexta feira que era proibido para menores de dezoito anos.

Tive uma infância rica na Vila dos pobres. Para mim Vila Rica era a Vila João Lázaro.

Foi Lá que à luz de lamparina li o meu primeiro livro de Herman Hesse, Sidarta, e com ele viajei para Índia e renasci para o mundo.