Churrasquinho de gato
Churrasquinho de gato
O Reginaldo estava arrumando a churrasqueira em frente a sua casa. O pessoal do beco já conhecia a rotina, domingos e feriados era sempre a mesma coisa. Ele arrumava a churrasqueira e assava uns minúsculos espetinhos. Carne era coisa rara, alguns pedaços de asa de frango, linguiça e umas pelancas. Quando o churrasco estava terminando, saía uma fumaça desagradável de sebo torrando.
Avelina a vizinha da frente detestava tudo o que se referia ao Reginaldo, várias vezes teve vontade de dar-lhe umas boas vassouradas quando notava que ele ficava todo assanhado para o seu lado, com aquele olhar guloso, quase mergulhando no seu decote. Parece até que a mulher dele é feia, ou deixa ele na saudade, pensava rapidamente, pois não tinha tempo para se ocupar com tais pensamentos. Tinha sempre muito serviço lhe esperando. Lavava e passava roupa para algumas pessoas, e sobrevivia com uma magra pensão que seu falecido marido lhe deixara.
Os filhos eram cinco, foram casando e saindo da favela. Estudaram, teve duas que até cursaram a Universidade, em vão tentaram tirar a mãe da comunidade onde morava há muitos anos. Avelina preferia a tranquilidade de seu lar. Um gato o Oscar lhe fazia companhia. Oscar era muito atrevido, gostava de se enroscar nas pernas de Avelina nas tardes frias enquanto ela lutava para dar conta das pilhas de roupa que passava a ferro.
Certo feriado, Avelina notou a ausência do Oscar, perguntou para os vizinhos, andou por algumas ruas da comunidade, descrevendo o ocorrido para os conhecidos que a encontravam. Nada do Oscar voltar. Lá pelo meio-dia, ela voltou para a rua em busca do gato. Ficou então sabendo a mais nova fofoca. A Lili, a mulher do Reginaldo tinha ido embora. Ela ficou meio chocada ao saber o motivo. Diziam que ela tinha trocado o marido por um rapaz vinte anos mais jovem.
Avelina cansou de procurar o gato. Anoitecia quando alguém lhe chamou pelo nome. Era uma vizinha do inicio do beco. Pediu para entrar, olhou de um lado para o outro, e depois em voz muito baixa, acenou explicando que o seu gato, o Oscar, tinha virado churrasco. O Reginaldo estava fazendo uma festa na churrasqueira. Avelina começou a sentir o cheiro de carne assando e recusava-se a crer no que a vizinha lhe contara. Conteve-se para não fazer uma besteira.
Naquela noite, o Reginaldo tomou umas e outras depois do churrasco. Avelina estava sentada na sala assistindo a TV, quando escutou uma batida tímida na porta da sala. Levantou-se, abriu um pedaço da porta. Era o Reginaldo. Teve vontade de fechar a porta na cara dele, movida pela curiosidade perguntou o que ele queria. Ele fez um gesto pedindo para entrar. Ela achou estranha, mas pensou rapidamente , talvez aquela fosse à única oportunidade para saber o destino do Oscar.
Ele entrou meio tímido, meio bêbado, mas não estava ruim das ideias. Começou falando, baixinho, como se quisesse contar uma história, sentou-se no sofá. Avelina foi ouvindo, acabou esquecendo-se da novela. Ele pediu água ela foi buscar, ele continuou contando o que se passava com sua vida. A mulher o deixara, ele estava tão assustado, o que faria depois de tantos anos com ela. Contou o que havia apurado com os comentários dos vizinhos, há muito tempo, ela o enganava com rapazes mais jovens, ali mesmo da comunidade.
Avelina ouvia, ouvia, ouvia. O Reginaldo chorou, nessa hora, Avelina teve mesmo foi dó dele.
Depois de muito tempo de prosa, Reginaldo passou a mão no rosto, secou as lágrimas e levantou-se do sofá. Despediu-se, foi para casa.
Avelina foi dormir com a cabeça doendo de tudo o que escutara do Reginaldo. No dia seguinte e no outro dia, ela não viu mais o Reginaldo. Pensou que ele andava sumido porque estava envergonhado com o que lhe acontecera. O orgulho masculino fica muito ferido quando uma mulher resolve jogá-lo no chão e depois passar por cima dele.
Duas ou três semanas passaram e Avelina não encontrava mais Reginaldo, mesmo aos domingos quando ele costumava arrumar a churrasqueira, ele não vinha aparecendo. A casa estava sempre fechada, mas ela sabia que ele voltava à noite para casa, pois via as luzes acesas.
Certa manhã ao voltar do supermercado Avelina encontrou com Reginaldo. Precisou firmar a vista para acreditar que ele era mesmo o seu vizinho, estava bem mais magro, porém bem barbeado, cabelo cortado, com uma aparência diferente, parecia até mais jovem, ela notou que os cabelos grisalhos tinham sido tingidos. Ele lhe deu bom-dia e sorriu timidamente para ela. Não tinha mais aquele olhar guloso, o que ela viu nos olhos dele foi uma necessidade diferente, parecia um olhar triste, mais firme e decidido de homem que está a fim da mulher.
Ela entrou e naquela tarde, notou que ele começou a arrumar a churrasqueira, pensou: esta tarde vai ter de novo churrasquinho de gato, qual terá sido a vítima desta vez?
Para sua surpresa, assim que ele arrumou a churrasqueira, bateu em sua porta, e perguntou:
- A vizinha não quer me fazer companhia num churrasquinho? Avelina ficou desarmada e não sabia o que responder, lembrou-se da vizinha que lhe contara que ele preparava carne de gato no espeto, e ainda em dúvida preferiu não arriscar.
Ele insistiu em oferecer-lhe um pedacinho de churrasco ao qual ela não resistiu pois via a carne bem passadinha e cheirosa como um gostoso convite. Começou a comer o delicioso petisco, depois o acompanhou em uma cervejinha. Foi só, ao acabar, ele se despediu e voltou para dentro de sua casa. Avelina foi para sua casa, assistir TV, lá pela meia-noite, escutou uma leve batida na sua porta, nem precisava imaginar quem era. Ele estava lá com uma bermuda branca, uma camiseta vermelha, olhando para ela, com tanto desejo, que ela não resistiu, e em alguns minutos, o desejo tomou conta dos dois ali mesmo no chão da sala. Fazia calor, ela ligou o ventilador de teto, e ficou ali ao lado daquele homem de meia idade. Nos seus corpos ainda restava o cheiro de amor. Dormiu um pouco, quando a madrugada chegou escutou os miados de seu gato Oscar, vinha de perto. Ela levantou-se silenciosamente para abrir a porta e espiar de onde Oscar estava vindo. Ele entrou correndo e começou a se esfregar em suas pernas, enquanto ela sentia uma pulga pular em uma de suas pernas. Reginaldo num canto do chão forrado apenas por um lençol, dormia feliz, sonhando com o amor de Avelina, ela deu comida para o gato, um resto de ração que achou no armário, e voltou a dormir ao lado de Reginaldo,
Antes de dormir pensou: Até que o Reginaldo prepara bem um churrasco. Dois anos depois, eles estavam preparando o trailer para começar mais uma noite de vendas do “Churrasquinho de Gato” do Seu Reginaldo, quando viram uma mulher toda desdentada, magra, suja , falando muitos palavrões, sentindo o cheiro do churrasquinho que já estava assando. Eles ficaram com pena e deram um churrasquinho para ela comer com farofa. Ela comeu e agradeceu, saiu escondendo o rosto com as mãos, em meio às lágrimas, eles não a reconheceram, era a ex-mulher do Reginaldo.