O CORONEL E O RETAGUARDA

Eurípedes acabara de chegar em casa. Afundou-se no assento macio do sofá e chamou a mulher: Ditinhaaa! Vem cá, bem! Senta aqui um pouquinho!

A mulher enxugou as mãos ainda meio engorduradas, com um peixe que estava escamando, e foi atender ao chamado do marido.

-- O que foi, meu bem? Algum problema no quartel?

-- Estou vindo lá do Hospital! Os exames acusaram que estou com “hiperplasia prostática benigna”!

-- O que é isso? É doença séria?

-- Não, muito, filha! O doutor disse que é comum nos homens de mais de quarenta e cinco anos e que, na maioria das vezes, é suficiente controlar com exames e medicamentos para levar a vida numa boa!

Disse, também, que eu poderia não estar passando por isso, se tivesse me preocupado em fazer visitas regulares ao urologista e exames preventivos como o do PSA e radiológicos.

-- Continuo não entendendo direito! Você está com isso?

-- Sim, estou! No meu caso, trata-se de um aumento da próstata, além do tamanho normal, o que causa aquele desconforto que venho sentindo ao não segurar muito a urina e por ter que levantar à noite para ir ao banheiro!

-- Mas, e daí? O que é que ele acha?

-- Ele disse que vai manter observação durante algum tempo e, conforme os resultados dos futuros exames, se não houver regressão, a indicação seria a de um procedimento cirúrgico que eles chamam de “ressecção transuretral”. Mas, disse ser isso em último caso, pois os medicamentos deverão deter o aumento no volume!

-- E como é isso? Vão abrir sua barriga? Você vai ter que ficar no hospital?

-- Não! A internação será por uns dois dias, no máximo, três. Depois voltarei para casa e só precisarei de um repouso mais acurado, pelo menos por uns dias! É com anestesia geral, sabe? Não vou sentir nadica de nada!

-- E eles vão tirar a sua próstata? Você vai ficar capado? Nós não vamos mais transar? É isso?

-- Nada disso! Respondeu Eurípedes. É uma cirurgia invasiva, porém, leve. Eles introduzem uma sonda na uretra da gente e...

-- Você disse, na uretra? Quer dizer que vão enfiar a sonda no teu biláu? Não tem perigo de azarar e você ficar broxa de uma vez? Você fez aquele exame em que o médico mete o dedo lá?

-- Tive que fazer, né? Estava ficando com medo, sem saber direito como andava a coisa e o doutor disse que com o “toque retal” – é assim que chamam o exame – poderia definir, pelo tato, se a superfície da próstata estava lisa ou irregular! Se estivesse lisa, era só por causa do aumento, mas se fosse irregular, como se estivesse com grumos, aí a barra iria ficar pesada, era câncer, no duro, Ditinha! Câncer, mesmo! Você me entende? Nesse caso, teria que fazer cirurgia de retirada da glândula, entrar na dureza da quimioterapia e ainda, a queimação da radioterapia! Aí, sim! Babau! Nem que a vaca tussa essa coisa vai levantar, de novo!

-- Entendi sim! Mas, e o tal exame do dedo? Nós também fazemos exame de toque, no ginecologista, mas é para verificar como anda o colo do útero e, também, o Papa Nicolau! Coisas normais, de mulher... Lembro bem que você sempre teve um medo danado desse exame e vivia gozando aquele seu colega lá do quartel, o tal sargento que trabalhava na Tesouraria, o “Retaguarda”, lembra?

-- Lembro, sim, e agora estou pagando a sacanagem que fazia com ele. Já estou sacando o que vão fazer comigo, quando souberem. No quartel não se esconde nada de ninguém e aqueles filhos da puta vão ficar na minha cola!

O diabo é que o cabo Faustino, aquele enfermeiro linguarudo, estava de plantão, na hora que fui para a consulta, e foi ele que cuidou do preparo. O sacana esticou um lençol de papel, na maca, desensacou uma luva nova, de plástico, olhou para a minha cara, deu um riso amarelo e foi saindo de fininho, dizendo: Doutor, o coronel está pronto!

-- Aquele que você dizia que tinha fala fina?

-- É ele mesmo!

Foi uma experiência horrível e tive a nítida impressão de que todo o batalhão estava me vendo “naquela posição vexatória recebendo Satanás pela retaguarda”!

-- Bem! Em todo o caso, foi só impressão, né? Era só o doutor que estava no consultório e você acabou tendo a confirmação de que dos males, o seu é o menor. Assim, mais vale um vexame oculto entre quatro paredes, do que ir para o cemitério com a virgindade intacta... Hehehehehe!

Já que aprendeu a lição, deixa essa bobagem de lado e trata de aconselhar os seus gozadores a irem, no mínimo, duas vezes ao ano ao urologista. Afinal, mais vale um dedinho amigo, do que uma vergonha descabida apontando para a sepultura...

Agora, esquece essa mania de coronel durão e vamos lá para a cozinha que está saindo um maparazinho frito, do jeito que você gosta! A Infantaria já não é a mesma, meu querido! Os tempos mudaram, ne?

Aliviado, Eurípedes e a mulher foram cuidar das postas do mapará ainda quentes, fritinhas e douradas. A garrafa de “Devassa”, bem geladinha estava esperando. Ao lado, dois copos...

Depois de algum tempo versando sobre amenidades foram, os dois, abraçados, em direção ao quarto..

Amelius – 15/11/2013 – 1211Hs

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Amelius
Enviado por Amelius em 15/11/2013
Reeditado em 21/01/2020
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