Buquê de Lisiantos

Nestor sentia frio mesmo em clima de verão. Sentou-se à mesa mais próxima à porta de entrada e ergueu seu indicador, solicitando o pedido de sempre. Pingado. Num instante o café ficou pronto, mas o homem esperou até que um velho cuco pudesse saltar às três da tarde para começar a beber. Começava ali a sua contagem regressiva para o encontro. Bebia o café num botequim ao lado de casa, já que a inércia de seu corpo não lhe permitia aprontá-lo em sua própria cozinha. Morava num complexo quase desabitado tendo como companhia apenas a cafeteria e outro vizinho com quem pouco falava. Com seu olhar distante e pesado, observava minuciosamente cada movimento das pessoas ao seu redor. Tentava adivinhar o que perturbava suas mentes, o que as fazia rir por um instante. Admirava a chama acesa em seu cigarro e coordenava a fumaça de sua boca a se baralhar com a fumaça soprada pelo calor da xícara. Conseguia ouvir apenas seus suspiros em meio ao calor. Fazia sol, sua mente estava vazia.

“Tenho tempo para mais um.”- pensou.

Desviou sua atenção para a espuma amarronzada de um típico pingado. Lembrou-se da espuma das ondas do mar à sua frente, do infinito, ele que se limitava a viver num espaço mínimo. Era tempo apenas de esvaziar a mente e procurar não sentir nada que a ocupasse. Nada de ler jornais ou anúncios de liquidações. Jamais perderia seu precioso tempo com leitura barata ou conversas que levariam a lugar nenhum.

Três e quinze.

Era hora de partir. A mocinha lhe trazia um talão com a conta e os números de um provável telefone pessoal. Desenhou a lápis um coração miúdo, na expectativa de arrancar do homem uma atenção que talvez não lhe conviesse. Coitada...

Ao cogitar tirar dos bolsos algumas moedas para deixar no balcão, o dono, seu conhecido, sinalizou com a mão, ser desnecessário. Para que então questionar tamanha cortesia? Simplesmente levantou-se e retornou a seus aposentos. Entrou quieto, temendo algum ruído. Não queria acordar os que estivessem dormindo. Entretanto, lembrou-se que não havia ninguém. O silêncio era um barulho presente em grande parte do tempo que era desperdiçado naqueles cômodos.

Em seu armário, caçou a indumentária mais garrida e deixou-a separada ao lado de seu leito. Não demorou muito no banho. A água era fria, e seu corpo estava febril. O calor se tornava cada vez mais inebriante. Aprontou-se em um tempo que não excedia dez minutos. Vasculhou numa valise um de seus antigos perfumes que exalavam juventude. No frasco, percebera que ainda havia líquido bastante para pingar algumas gotas no punho e na jugular.

E ali estava Nestor, de frente ao espelho, apertando um nó Windsor na gravata e colocando no bolso do paletó um cantil com uísque e um único cigarro. Aos olhos de terceiros, ele estaria prestes a ir a uma ocasião festiva, mas, na verdade, seu encontro o tornara elegante.

Não quis andar de automóvel àquela tarde. Queria simplesmente tomar uma condução que o levasse até o centro, e de lá seguiria a pé. Pelo menos uma vez, Nestor sentiu-se com vontade de ser um observador. Quanto mais se aproximava do lugar marcado, mais estremecia, afinal, há tempos que não se viam.

Três e quarenta e dois.

Por que tanto tempo? Por que decidir se livrar de tanto arrependimento? Era necessário ser afável. Nestor, então, aproximou-se de uma floricultura e ali escolheu um buquê de lisiantos lilases. Sentiu em cada pétala o aroma de Adélia. Adélia... Até seu nome era capaz de adocicar o palato e a língua em mínimos estalos.

Era chegada a hora. Escolheu um lugar quase perfeito. Muitas pessoas transitavam com objetivos similares aos de Nestor. Isso o deixava neutro. A grama verde lhe trazia sossego. Lá estava ela. Ao seu lado, dois homens: Quincas e Cícero. Eles não iriam incomodar. Há anos que Nestor também não os via. Adélia, silenciosa, estava a uma distância vertical de sete palmos. Adormecida.

“Estou atrasado, eu sei.” – falava com o vento.

Pôs as flores sob o epitáfio que dedicava algumas singelas palavras:"

’Aqui descansa o amor que um dia assumiu a forma humana. ’’

Ali repousava mais um corpo cuja alma se libertara. Até mesmo espíritos possuem seus limites. Ninguém além do próprio indivíduo sabia sobre o que prosavam.

Nestor acompanhou seus passos de volta à moradia permitindo-se estancar no cume da falésia próxima. Estava para escurecer. Sentou-se nas pedras e ficou com os pés suspensos a uma altura considerável. Regozijava da companhia da lua minguante, que se mostrava aos poucos. Bebia e fumava até a chegada de outro visitante conhecido. Era o vento, que, sem pensar duas vezes, lhe apagou a chama, como faria um amigo íntimo por pura brincadeira. Os sopros lhe perseguiam desde o instante que estivera com Adélia.

Seus intrínsecos sentimentos estavam prestes a saltar de sua boca. As batidas em seu peito começavam a irritar seus ouvidos. A música era marulho.

Dançou com o vento e o vento o empurrou.

RNetto
Enviado por RNetto em 08/11/2013
Reeditado em 15/01/2014
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