A volta de Alexander
Contrariamente ao que crêem os chorões, todo o erro é uma propriedade que acresce o nosso haver. Em vez de chorar sobre ele, convém apressar-se em aproveitá-lo.
José Ortega y Gasset
 
            O passado às vezes tritura a gente, trás um fardo pesado, uma angústia, medo, sofrimento, por isso eu e minha esposa Bruna ainda vivemos vivendo juntos, mas estamos separados por universos diferentes, falamos um com o outro apenas o indispensável, vivemos em quartos separados, isso já faz vinte e três anos.
               Sei que nunca mais nós seremos felizes, lembrando aqueles dias em que ele ainda estava na nossa família à felicidade era uma realidade, natal, páscoa, dia das crianças e cinco aniversários, cada um com um tema diferente.
A saudade é uma dor amarga, forte, mesquinha, duradoura, em muitas vezes preferia o luto. A verdade é que não me importo, pois ainda amo minha esposa, sempre amarei e sei que ela me ama, as nossas cabeças é que pensam diferentes, ela acredita que o nosso filho, Alexander ainda vai ser encontrado, eu procuro conviver com a sua partida definitiva para um universo estranho, pois é muito maluca essa morte em vida.
            -Ela é mãe Eduardo – me disse uma vez Sonia, nossa amiga e vizinha - as mães nunca desistem.
            O fato ocorreu há vinte anos, quando Alexander tinha apenas cinco anos, um descuido em uma loja de departamento, ele sumiu, algo surrealista, o tempo todo esperávamos que ele aparecesse, os dias foram passando e nada, envolvemos a imprensa, investigadores particulares caríssimos, a policia, nada conseguimos, perdemos tudo, casa, carro, empresa até os móveis da casa, tudo desapareceu com Alexander, sentimentos, amor, sexo, tudo foi embora, nossos cabelos ficaram brancos, finalmente ela foi demitida e eu tive que mudar de emprego.
            No dia do aniversário dele, ela faz tudo como se ele estivesse ali, compra até o bolo e fica olhando para a porta esperando que Alexander chegue correndo com o sorriso alegre, tudo isso me tortura, já não aguento mais.
            A funcionária da recepção vem até o meu escritório, sou gerente de uma loja de venda de automóveis.
            -Eduardo, sua mulher na linha três - olho para ela, têm um decote, uma cara vulgar, Bruna é mais bonita, não consigo ter desejo por outra mulher.
            -Linha três? Por que ela não ligou para o meu celular? – perguntei, a atendente deu de ombros, disse entre dentes - “essa mulher sua é meio louca não é Eduardo”?
            Atendi, Bruna falou com a voz trêmula e emocionada.
            -Ele está aqui! Você não vai acreditar, Alexander voltou, é ele nosso filho.
            -Não brinca comigo? – Perguntei.
            -Vem ver com seus olhos...
            -Já estou indo para casa –  disse e corri para casa, na verdade minha esperança estava bem acesa, a dor pela perda do meu filho me sufocava, nem cheguei a pensar no absurdo, andei, corri desesperado, entrei no carro ofegante, procurei as chaves. Meu Deus obrigado, pensei, um dia ele voltaria, sei disso, não havia feito nada de errado, porque a vida me tratou daquela forma, sempre íamos a igreja, fazíamos as nossos orações pedindo para que tivéssemos sorte na vida que Deus nos protegesse.
            Corri, corri o máximo que podia, sei que foi errado passar no sinal vermelho, dirigia e respirava como se fosse o último dia da minha vida, senti então que a minha angústia era tão grande quanto à de Bruna.
            Estacionei o carro no meio da rua, desci correndo e subi os três degraus de um único pulo.
            -Alexander... – gritei.
            Bruna tinha um menino de cinco anos no colo, ele lembrava o nosso filho, mas certamente não era ele, chorava e gritava pela mãe, dizia: “mamãe Lucia”.
            -Que é isso Bruna? – perguntei aterrorizado.
            -Não vê que é Alexander, ele voltou, meu bebê voltou.
            -Ficou maluca Bruna, essa é a criança de alguém, ele está chamando a mãe...
            Minha cabeça doía, tinha um nó no estômago e tudo estava querendo rodar, o menino chorava e gritava dizendo que o nome dele era Fábio e chamava a mãe, segurei o braço de Bruna.
            -Onde você pegou esse menino? – completei, mas Bruna tinha o rosto desfigurado, seus lábios estavam travados.
            Bruna abraçava e beijava o menino que gritava e se debatia em seu colo, tentei retirar a criança do colo, ela retraiu os braços e só então vi a faca na sua mão.
            -Não tente tirar ele de mim novamente – disse, foi para o quarto e bateu a porta.
            Pensei em chamar a polícia, mas não queria que ela sofresse, fiquei sentado na sala, pensando em uma solução, até a meia noite, dormi no sofá, às sete da manhã eu escutei um barulho na cozinha, ela fritava um ovo e o menino já mais calmo tomava chocolate quente, Bruna estava arrumada, ela parecia mais moça e estava muito bonita.
            -Oi meu bem – disse com olhar sereno – hoje você não vai trabalhar, vamos comprar o presente de aniversário do Alexander – ela olhou para o menino e completou – vai escolher o que quiser, não é filho?
            -Ela é minha nova mãe – disse o menino – disse que eu posso comprar até um videogame.
            Sorri com a atitude da criança, a inocência é fraca, vulnerável.
            Cheguei perto de Bruna e disse em voz baixa em um sussurro de desespero.
            -Não podemos ficar com o menino, ele é filho de alguém... A polícia pode aparecer aqui, não é certo.
            -Já disse é Alexander, como você não reconhece o próprio filho?
            Não quis argumentar, não com ela daquele jeito, eu estava cansado e a criança animava a casa, tinha os olhos de Alexander, então me contaminei pela doença dela, a esperança, a loucura, de não se importar.
            Podia devolver a criança e ver a minha mulher morrer, ou viver aquela vida maluca que ela estava me propondo, mesmo sabendo que alguém sofreria como a gente sofreu. Aquele aperto no peito voltou, senti uma forte tontura, sentei na cadeira, ainda ouvi a minha mulher ligar para a emergência.
            Quando saí do hospital, depois daquele infarto vi a morte de perto, sabia que Bruna estava certa, parei de pensar no certo e errado, o menino me abraçou e correu para os braços de Bruna.
             Vivemos como uma família, legalizamos o nosso Alexander no lastro de imoralidade dos cartórios onde o dinheiro compra tudo, uma única coisa me atormentava a alma, que realmente me fazia pensar nas noites é que talvez Alexander estivesse vivo, vivendo como aquele menino em algum lugar.
            Em tardes de domingo, quando íamos ao jardim botânico observava Bruna com o olhar perdido, olhando o menino correr e brincar com os animais, ainda infeliz, mas agora tinha o seu prêmio de consolação., pois agora tínhamos ele, para descarregar as nossas frustrações, o nosso ódio e, às vezes, o nosso amor.
           
            musica de fundo no site do escritor
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 01/11/2013
Código do texto: T4552234
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.