Estrelas

Era tarde. Não tarde de já termos que ir embora. Era tarde de já termos almoçado e andado algumas horas. O lago era distante uns tantos metros de todo lugar, que quando se pensava ir até ele não raro se mudava de ideia. Por isso poucos iam. É como minha mãe diz: nem sempre a montanha vai a Maomé! Teve uma vez que eu pensei em contar os passos até o lago. A cada cem passos eu fechava um dos dedos das mãos. Perdi a conta de quantas vezes eu os fechei e abri. Só depois percebi que poderia apanhar uma pedrinha a cada centena. Como li que os homens das cavernas faziam para contar as coisas. Daí me veio um dos melhores trocadilhos que já pensei até hoje: antes da metade do caminho já estaria de saco cheio.

Pois bem. Lá estávamos. Meu pai e eu. Sentados como sempre, num par de pedras ao norte do lago. Gostávamos daquele lugar, pois nas pedras havia espaços tal como suportes onde colocávamos as latas com as iscas diversas que levávamos. Ao menos eu gostava por isso. Até porque quem colhia a iscas era eu. Geralmente eu pegava alguns restos de comida em casa e, já nas margens do lago, tentava achar algumas minhocas para dar comida de verdade para os peixes. Meu pai dizia que isso era uma baita de uma sacanagem com eles. A comida predileta a alguns centímetros e os coitados incapazes de usufruir. Meu pai tinha uns pensamentos meio estranhos e naquele dia ele se superaria...

Já quase no fim da tarde, quando os primeiros pontos brilhantes surgiram na superfície do lago, contrastando com as bordas negras sob as árvores do lado sul, meu pai quebrou o silêncio das águas paradas e disse:

- Filho, tá vendo aquela estrela?

Atento a recém-fisgada que senti no anzol, sem olhar para o alto, somente para o lago, pelo reflexo, respondi:

- Sim!

- Sabia que ela pode estar morta! Disse ele, ser perceber minha falta de atenção.

Na mesma hora, com estranhamento, olhei para o reflexo no lago e, como alguém assustado, apontei os olhos para cima procurando sua origem. A estrela estava lá. Como já era quase noite não era a única. Daí a incerteza. De qual estrela meu pai estava falando? E aí a certeza. Qual a importância em saber qual a estrela? O estranho era ouvir que uma poderia estar morta. Mais estranho era ouvir meu pai dizer aquilo. Homem de pouca leitura, e de pouco gosto por ela, meu pai tinha o segundo grau completo, mas, como ele mesmo me dissera, estudou para cansar e trabalhou para aprender. Por isso estranhei aquele comentário astrológico, ou astrônomo? Sei lá... Por esclarecimentos, perguntei:

- Como assim, pai? Uma estrela morta?

- É, filho. Mortinha da silva! Soube que de tão distantes da Terra, a luz das estrelas demoram tanto para chegar aqui, a nossa vista, que muitas vezes dá tempo de algumas delas morrerem. Por isso, esta ali bem em cima do topo do jenipapo, pode não viver mais. Legal, né? A morte, até para as estrelas, é assim, instantânea. Mais rápida que a luz.

Confesso que fiquei preocupado. Durante alguns segundos fiquei olhando para meu pai, atento a qualquer sinal ou resposta ao porque daquele assunto. Ele percebeu:

- Não fica preocupado não filho. Só assisti isso na televisão, achei interessante e quis te contar. Mas é bobagem. Não esquenta a cabeça.

Percebi seu desconforto, e para amenizá-lo, disse:

- Que isso pai. Superinteressante isso. Super!

***

Já estava ficando incomodado com aquele banco desconfortável. Minhas costas doíam tanto que preferi ficar de pé. Percebi que havia gente lá fora que ainda não tinha entrado. Eu as compreendo. Ninguém fica a vontade em situações como essas. Outros, pior, não têm nem coragem de falar com a família. Prefiro estas. Outros, no meio termo, me abraçaram sem nada dizer. O que dizer? Que ele foi um grande homem? Que sentem muito? Homenagens tardias. Nestes momentos melhor calar-se. Como ele mesmo me dissera: na ausência das palavras, fale com os olhos. Eles falam o idioma da sinceridade. Minha mãe estava no outro banco, próximo aos cantores que de tempo em tempo entoavam cantos religiosos. Levantei-me, fui a sua direção e lhe dei um beijo na testa e depois me aproximei de meu pai. Toguei em suas mãos e, contendo as lágrimas que calavam meus olhos, tive que usar as palavras.

- É pai, instantânea esta danada, não é? Mas vai-se a luz e fica a lembrança brilhante no lago. A sua estrela apagou pai, mais é lindo o seu reflexo. Lindo e eterno.

Edu Barros
Enviado por Edu Barros em 29/10/2013
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