A MULHER E O CACHORRO

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Costumava certo fazendeiro de nome Elpídio, convidar para o almoço domingueiro o seu vigário, homem moço, conversador e brincalhão, conduzido havia pouco tempo ao leme da Igreja.

Um dia Elpídio, teve de viajar para a cidade grande; estando já montado em seu cavalo, disse, de repente, ao seu capataz:

— Lembro-me agora de uma coisa de que faço muita questão que minha esposa seja advertida. Adverte-a em meu nome, de modo grave e solene, que não dê ao vigário em minha ausência, nem almoço nem jantar; não o deixe entrar em casa durante todo o tempo em que eu não estiver lá; e, principalmente, não ponha os pés em casa dele, e se abstenha de qualquer conversa com ele.

O capataz prometeu a seu amo cumprir a ordem, e regressou a fazenda. Mal chegara, pôs-se a meditar e a resmungar: — "Decerto Elpídio assustou-se com a idéia de que esse nosso vigário novato, cheio de hormônios como é natural em um moço, rapaz forte, e formoso se pusesse, assediava a senhora”.

"Deve ser por isso que Elpídio lhe proibiu toda espécie de familiaridade com ele. Mas eu conheço os costumes dessas mulherezinhas. Elas praticam de preferência justamente as coisas de que têm ordem de se privar. Portanto, para que em nossa ausência ela não tenha ligações com o tal padre, nada lhe direi, absolutamente, sobre a ordem do meu amo, mas inventarei algum outro recado por ele dado a mim."

Mal entrara o capataz na sede da fazenda, disse à senhora:

— Meu senhor mandou-me, em nome dele, adverti-la de uma coisa: Quer e manda que em sua ausência não se coloque a brincar com aquele nosso grande cachorro, acostumado a rédeas, nem o monte. Teme que aquele cachorro irritável e sempre disposto a morder venha a mordê-la, por acaso.

— Não entendo muito bem esta proibição - respondeu a mulher. - nunca tive a ideia de acariciar o nosso cachorro, ainda menos de montá-lo. Digo mais: não há ninguém no mundo que me haja visto brincar com ele. Por tudo isso, esta recomendação era inteiramente supérflua.

Mas o capataz, antes de se ir, insistiu:

— Compreendeu, então, minha senhora, o recado de seu marido? Ponha, pois, todo o empenho em lhe obedecer.

Mal o capataz tinha virado as costas, eis que a mulher começa a matutar: - "Não posso imaginar por que razão meu marido me proíbe de acariciar ou montar no cachorro. Deve haver aí algum motivo oculto. Bem, de qualquer maneira está certo: morra eu se tocar o cão com um dedo sequer"!

Depois de tais reflexões, a patroa, vai buscar alguns pedaços de pão e joga-os ao cachorro. Verificando que este os devora avidamente e vem lisonjeá-la depois, traz mais pão para o animal até saciá-lo. Acaba acariciando-o, sem dúvida para experimentar se é tão irritável como pretende o marido. Vendo que o animal suporta bem o tratamento, exclama:

— Vejam só como é tratável o nosso cachorro.

Nisto, senta-se no cão, apertando-lhe um tanto as costas com as nádegas. O cachorro se enfurece, arreganha os dentes e crava-os no braço da mulher. Ensanguentada, agoniada pela dor, ela vê-se forçada a chamar um médico para tratar-lhe da ferida.

Passam-se os dias. Retorna o fazendeiro Elpídio, e encontra a esposa de cama, abatida e muito pálida.

— Que desgraça te aconteceu, minha luz? - pergunta-lhe, alarmado.

— Tudo isto é por tua causa - respondeu ela. - Se não me houvesses recomendado, pelo capataz, que não brincasse com cachorro, nunca me haveria atrevido a tocá-lo.

O fazendeiro, surpreendido, procura justificar-se por todos os meios e jura por Deus não ter mandado dizer pelo capataz nada de semelhante; depois, chama-o.

— Então, eu mandei dizer a minha mulher que não acariciasse o cachorro?

—Nada disso - responde o criado. - Mandastes-me proibi-la de introduzir o vigário em sua casa enquanto estivesse ausente. Eu, porém, inventei outro recado, por saber do costume que têm as mulheres de fazer precisamente o que se lhes proíbe. Se de fato eu lhe tivesse vedado todo e qualquer contato com o padrezinho, sem nenhuma dúvida ela o haveria introduzido em casa, e agora, em vez de você ter uma esposa honesta, teria o seu lar transformado em hediondo prostíbulo. Foi isso que eu quis evitar, convencido de que a mulher procura sempre o que se lhe proíbe; e pode ver a prova manifesta disso no fato de ela ter acariciado o cachorro e tê-lo montado, embora eu lho houvesse vedado com a maior insistência.

Elpídio não deixou de aprovar a atitude do prudente capataz, a quem daí em diante teve em melhor conceito, e encerrou o incidente com as palavras:

— Prefiro ver minha mulher mordida pelo cachorro a sabê-la desonrada pelo acólito.®Sérgio.

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Nota: Este texto foi inspirado no conto de Otto Melander -(1571-1640 - Alemanha).

Se você encontrar omissões e/ou erros (inclusive de português), relate-me.

Agradeço a leitura e, antecipadamente, quaisquer comentário. Volte Sempre!

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 28/10/2013
Reeditado em 01/11/2013
Código do texto: T4546314
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