"Love Suicide".
Caminhei lentamente pelas ruas hoje cedo. Estava com o coração pesado, a cabeça doendo...Fuçando meu mp4, encontrei uma de minhas músicas preferidas. Letra pesada, envolvente, intrigante. Letra que me comove, melodia que me absorve totalmente, onde quer que eu esteja. Quando dei por mim, estava parada no ponto de ônibus, com o pensamento vazio, e o olhar vago na poça de lama da calçada. Fiquei assim, e os ônibus paravam, e pessoas desciam, e outras subiam. Meu ônibus demora para chegar...
Uma mulher negra desceu de um ônibus. Ela tinha uma sobrancelha grande e muito negra. Acho que era de henna. Cabelos presos. Lembrou-me a Billie Holiday, de alguma forma...Uma sucessão de cheiros e cores iam e vinham, e misturavam-se com a batida lenta de jazz em meus ouvidos. Cada cheiro doce, ou amadeirado que passava, fundia-se com as notas musicais de "Love Suicide". Um homem passou por mim, e deixou um rastro de um aroma com toque de musk, que me lembrou meu saudoso pai.
Sapatos dourados, pretos, roxos, mochilas, casacos, bolsas, cheiro de shampoo, sabonete, tudo misturado com perfume, suor e "Love Suicide". Cabelos loiros, negros, castanhos, e até algumas mechas roxas...vans e ônibus. Trabalhadores e estudantes, levantando cedo para labuta. Para "selva" da vida. Misturados com "Love Suicide". Peguei-me balbuciando a letra dentro de mim: "I want to be dead, when I'm in bed..." Levantei o rosto, olhei para o céu cinzento. Estalei o pescoço. A noite foi cansativa, não por eu estar numa cadeira de hospital, e sim por meus pensamentos estarem em outros lugares, que eram a mesma coisa. Passei boa parte naquele banheiro de pequenos azulejos brancos. Estavam um pouco sujos. Uma lixeira, o vaso, uma pia de mármore relativamente grande, e um espelho. Havia algo no box que parecia ser pingos de sangue, mas na verdade, era apenas partes do piso quebrado. Meu amigo dormia, enquanto eu estava no banheiro, me encarando, chamando nomes que eu não deveria chamar. Que eu deveria esquecer. Para o meu próprio bem...
Enquanto permaneci com o pescoço esticado, fixei os olhos nas nuvens cinzas. Refleti sobre elas...antes da minha primeira perda, eu adorava tempo nublado. Nuvens carregadas de tom cinza nunca foram problema para mim. Mas, no dia da minha primeira perda, eu percebi. Eu realizei. "Está chovendo..." E choveu mais um pouco, e depois, só restou o cinza. E assim, se sucedeu nas outras perdas. Não é um motivo de explicação científica. Não tem nada ver com vapor, ou calor excessivo. Tem a ver com o sentimento. Uma perda, e um coração moído de dor, e depois, completamente vazio.
Meu ônibus chegara, e um senhor com mochila nas costas, e blusa preta cedeu-me a passagem. Outrora, eu exclamaria; "Uau! Que cavalheiro!", porém, apenas agradeci, mas com a boca fechada. Estava surda e muda naquela hora. Mas, acho que ele entendeu, por eu gesticular com a cabeça, e passar por ele, pagar minha passagem, e sentar no meu lugar. Novamente, balbuciei a letra da música, que para mim, era o ápice; "Alone, but sane. I am a love suicide." E, recostei a cabeça no banco, esperando chegar em casa, para finalmente tirar os sapatos, a roupa, tomar meus remédios, comer alguma coisa (ainda que sem vontade) e tentar dormir. Misturada com "Love Suicide".